Modos de comportamento à mesa têm sido utilizados como marcadores simbólicos de distinção social
A Escola de Magistrados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que atende Mato Grosso do Sul e São Paulo, contratou um curso de etiqueta para os seus novíssimos juízes. A palestra intitulada “Etiqueta corporativa” incluía lições de comportamento, algumas delas estavam compreendidas no posicionamento de pratos e uso de talheres e copos à mesa. Para alguns que leram essa notícia e acharam um tanto curiosa, lhes digo que não. Há séculos, os modos de comportamento à mesa têm sido utilizados como marcadores simbólicos de distinção social.
Norbert Elias, sociólogo alemão, afirmou que o processo civilizador europeu ocorre em três estágios: cortesia, civilidade e civilização. O primeiro, refere-se ao comportamento das grandes cortes feudais que passou lentamente para o círculo dos burgueses. O segundo, o conceito de civilidade, ganhou força com a formação da aristocracia ao longo dos séculos XVI e XVII, elevando-se lentamente à categoria de comportamento social aceitável. Ao longo do século XVIII, a noção de civilidade acabou perdendo sentido com o lento aburguesamento da sociedade, dando espaço ao conceito de civilização. A função da civilização era expressar a autoimagem da classe alta europeia em comparação com os outros.
O processo civilizador levou cerca de trezentos anos para ser apreendido na Europa e, aos poucos, foi se expandindo para o resto do mundo. No Brasil, esse processo chega com a família real portuguesa em 1808. Diferente de como se deu na Europa, no Brasil, as noções de civilização deveriam ser apreendidas imediatamente. De forma quase instantânea, as classes mais abastadas passaram a se preocupar com o uso de talheres e aquisição de objetos de utilização à mesa, porém ter coisas não era garantia de saber usá-las. Manuais de etiqueta e comportamento estavam incluídos no pacote para grupos que buscavam diferenciar-se dos demais. Assim, bens e modos passaram a atuar como marcas simbólicas de distinção, apontando quem é quem.
Bourdieu, sociólogo francês, afirma que os sujeitos sociais se exprimem e ao mesmo tempo constituem para si mesmos e para os outros sua posição na estrutura social. Saber usar as regras de etiqueta e ter bons modos à mesa reforça a permanência em uma dada camada social ou inaugura um trânsito, uma inserção, um salto de uma camada para outra. Voltando ao caso dos novos juízes, esse último interessa.
Prestes a ter cerca de R$ 34.000,00 mensais em sua conta bancária, o recém magistrado não deve saber apenas aplicar leis, ele deve aprender que, a partir daquele momento, será um indivíduo distinto dos demais. Para isso, é necessário que ele saiba representar o seu papel dentro e fora do ambiente de trabalho. Comportar-se à mesa e usar bem os talheres significa corresponder a uma expectativa embutida em outrem. Jantar é uma excelente situação para demonstrar ascensão social, pois, para grupos abastados, não é necessário ter posses, é necessário também mostrar que sabe as regras de civilidade.
Se minhas palavras lhe parecem estranhas, caro/a leitor/a, me diga se, ao ser convidado/a para jantar na casa de alguém, você: chega no horário marcado e aguarda a indicação do anfitrião para se sentar à mesa; usa trajes adequados ao evento, seguindo as normas estabelecidas pelo anfitrião; segura a faca à direita e o garfo à direita; não apoia os cotovelos na mesa; não fala de boca cheia; usa os talheres corretos para cada tipo de alimento; utiliza guardanapos de tecido e posiciona-os no colo; espera que todos sejam servidos para começar a comer; fala baixo, de forma educada e evita assuntos polêmicos; pega com as mãos, alimentos que são destinados para esse fim; pede licença para se retirar da mesa. Se essas regras lhe são alheias, restrinja-se ao seu grupo social. Os endinheirados agradecem.
Edição: Gabriela Amorim