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Detalhe da divulgação do jantar beneficente Chefs pelo Rio Grande do Sul - Divulgação
Afinal, quem é o público-alvo da “alta” gastronomia?

“Chefes pelo Rio Grande do Sul: jantar para arrecadar fundos para os afetados pelas enchentes”. Se você se deparasse com um anúncio desse tipo, tenho certeza de que, diante dos últimos acontecimentos no Brasil, acharia uma atitude bacana daqueles que estão movendo forças para tal evento beneficente. Porém, ao avançar um pouco mais na leitura do card eis o escrito: “Terça, 28 de maio no Tuju (SP). Menu de 10 tempos, harmonizado. R$ 10.000,00 por pessoa. A renda será revertida para o SOS Rio Grande do Sul, Ação cidadania e Instituto Survivor”. É isso mesmo, o dinner que aconteceu há uns dias custou R$ 10.000,00 por cabeça. À frente da capacidade de imaginação humana, tamanha cifra não passou despercebida aos olhos dos seguidores da renomada Chef Helena Rizzo, uma das chefs que assinou o menu ostentação.

Sim, a chamada estava bem bonita no Instagram de Helena. A legenda para o flyer era: “Oi gente, dia 28.05 tem jantar no @tuju_sp do @ivanralstonb com toda renda revertida para o RS. Quem puder apoiar indo ao jantar seria maravilhoso, quem puder apoiar divulgando, tbm seria maravilhoso!”. Oui Chef, seu pedido foi uma ordem e a divulgação ficou por conta dos algoritmos da sua própria postagem que, sozinha, ultrapassou a casa dos mil comentários. Dentre as falas revoltadas e dóceis dos juízes das telinhas, uma me chamou atenção: “Tá acontecendo, basicamente, um chá revelação de pobreza nesse post”. E é essa a parte que me interessa. Afinal, quem é o público-alvo da “alta” gastronomia? Lhes adianto que não somos nós, nem a classe média (ainda que esta possa marcar presença nesses espaços, dividindo a conta em 3x no cartão).

Para os ricos do país, que comeram, beberam, tiraram fotos, cagaram e ainda por cima compraram sua vaguinha lá em cima, ao lado de Irmã Dulce, ótimo. Sabe por que esse jantar pegou tão mal, sobretudo para aqueles que perderiam um dente ao provarem um naco de carne posto naquela mesa? Porque ter quem pague um valor como esse indica o descomunal fosso social que existe no Brasil. Quem tem dinheiro [de verdade] quer mais é comemorar por não fazer parte dos 60% que vivem com até um salário mínimo por mês. E pode ter certeza que a viabilidade de fazer esse e muitos outros jantares, dignos de uma belíssima sequência de fotos, está na existência desses 60% que se acabam em cozinhas insalubres para o chef fazer fama e o endinheirado encher o bucho.

Ou você acha que grandes nomes da gastronomia estão de fora desse abismo? Ledo engano, todos estão nesse chorume social até o pescoço. A diferença é que uns, diante das tragédias, brindam com Domaine Leflaive Chevalier-Montrachet Grand Cru e outros tilintam seus copos cheios de café Maratá. Que esses outros não reclamem! Emprego está difícil, eles são quase da família, e o patrão é quase um pai. Pagar R$ 10.000,00 em um jantar não tem nada demais, ser Chef renomado é completamente legítimo. Absurdo é Maria querer aumento de salário só porque cozinha, limpa e/ou lava. Polêmicas à parte, o grande número de seguidores dos empresários riquíssimos, das dondocas harmonizadas e dos chefs celebridades não nos deixa esquecer uma frase clássica de Mário Quintana: “O espetáculo predileto dos pobres é observar os ricos”. Num jantar de 10 paus, se contente em ver a foto.

Edição: Gabriela Amorim