Comer feijão não é um hábito importado dos invasores portugueses
Começo este texto ouvindo minha mãe me obrigando a comer feijão no almoço, quando eu era criança. Fui a última geração de "crianças que não tinham querer". Tem que comer feijão e ponto. Hoje, sou eu que insisto para que ela consuma feijão diariamente. Confesso que só me dei conta da importância de comer feijão quando comecei a estudar alimentação e o simbólico em torno do comer.
Comer feijão não é um hábito importado dos invasores portugueses. Ao contrário, os povos originários das Américas já consumiam as leguminosas sem caldo em suas alimentações. O feijão de caldo, sim, foi uma alternativa do colonizador para compensar a dieta nativa, considerada "seca".
No Modernismo dos anos 20, o feijão é eleito símbolo nacional. Expresso em marchinhas, na poesia e na prosa, separar o feijão da nossa culinária ficou ainda mais difícil. De lá até meados de 2010, comia-se feijão, pelo menos, 5 vezes por semana. Era ele um elemento-chave para a segurança alimentar do povo brasileiro. De 2012 para cá, o consumo do feijão só caiu. Segundo dados do Vigitel, a redução do consumo acontece entre homens e mulheres de todas as faixas etárias.
A importância dada ao feijão está cada vez menor. Penso que é por isso que mal notaram o T de transgênico nas embalagens de feijão, no ano passado para cá. Está acontecendo com o feijão o mesmo que aconteceu com o milho. Substituíram sementes originárias pelas transgênicas a tal ponto que hoje, quase 100%, dos alimentos a base de milho que estão na nossa mesa são transgênicos. Com o feijão, o T da embalagem indica que já foi dada a largada. O que é um crime com a nossa biodiversidade.
Com a mudança dos nossos hábitos alimentares, com homens e mulheres ativos no mercado de trabalho, o hábito de cozinhar vem se perdendo. Quando não cozinhamos perdemos, também, a nossa diversidade alimentar. Estamos vivendo em dois extremos: ou desembalamos ultraprocessados ou comemos franguinho ou peixinho com uma saladinha, na esperança de perder peso. O feijão não cabe nesse extremo.
O feijão, nos últimos anos, não está cabendo no bolso da maioria da população brasileira. Nos últimos anos, o feijão tem perdido espaço para as commodities de soja e milho. Por não ter o valor agregado maior ou igual que a soja e o milho, os produtores acabam por preferir não plantarem feijão. E, sem dúvidas, a queda no consumo da leguminosa é um prato cheio para essa inversão.
Este meu breve resumo sobre o feijão de ontem até hoje foi para trazer um panorama de como a manutenção dos hábitos alimentares é importante. Estamos comendo cada vez menos feijão, menos comida de verdade, e a consequência disso não está só no alpendre da saúde pública, mas está também no alpendre da natureza e da cultura. Quando subtraímos o feijão do nosso prato, estamos subtraindo não só a nossa saúde, mas também a nossa história e cultura.
Edição: Gabriela Amorim