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Os carurus de, quase, sete meninos

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Nos terreiros de Umbanda e no Candomblé a festa de Cosme e Damião é celebrada com muita fartura, alegria, enfeites coloridos, doces, bolos e frutas - Cáritas Regional Nordeste
É cada dia mais difícil conseguir crianças que comam e gostem dos carurus de setembro

Dia 27 de setembro, dia de caruru, de obrigações, dia dos Ibejis. Independentemente do dia dos festejos de Cosme e Damião ou dos Ibejis, falar de caruru, para mim é despertar as memórias do caruru de Dona Chica. Cresci em Ipirá, interior da Bahia, e na década de 90 chovia carurus e chovia mesas de sete meninos para participar, mas foram os de Dona Chica que mais me marcaram. Escrevo este texto sentido o cheiro dos incensos de seu Gazinho, ouvindo as cantigas de Cosme e Damião e catando as pétalas de flores que caíam no nosso prato durante o ritual que nunca separou religião e comensalidade.

O caruru de dona Chica era um misto de catolicismo e elementos de religião de matriz africana. Participei da mesa dos sete meninos até o momento em que os traços da minha meninice desapareceram e tive que acompanhar a celebração em um outro ponto de vínculo. Quando crianças, comíamos tudo, independentemente de classe social. Devoramos com gosto o arroz, o caruru, o vatapá, a galinha, o arroz grudadinho… crianças, adultos e idosos estavam, ali, unidos pela comida.

Naquela época, crianças partilhavam a mesma comida dos adultos, comer um prato de caruru inteiro, sem deixar nada, era um reflexo da construção do gosto em um passado não muito distante. De lá até aqui, muita coisa mudou, inclusive o grau de importância dado aos carurus de sete meninos no que tange à expansão da religião evangélica, mas isso não é o ponto que eu quero levantar aqui.

O que quero falar é sobre o que tenho ouvido nos últimos tempos: A dificuldade de conseguir crianças, fora das religiões de matriz africana, que comam e gostem dos carurus de setembro.

Com uma alimentação cada vez mais distanciada da dos adultos, seja por moda ou mimo, o paladar infantil está preferindo ultraprocessados e carboidratos simples. Crianças que comem tudo viraram exceção e não regra. Ao ser distanciada de comidas comuns, a experiência gustativa das crianças está cada dia mais divergentes das interações simbólicas e fisiológicas com produtos da nossa cozinha regional. O que é uma pena.

Falamos sobre a importância de uma educação que valorize a nossa cultura, a nossa história, mas muitas vezes esquecemos que cultura e história estão, também, representados naquilo que colocamos diariamente em nossos pratos e na forma como alimentamos as nossas crianças. Se o paladar infantil está sendo formado, exclusivamente ,por produtos oriundos do lado perverso da indústria alimentícia, haverá um impacto negativo não só individualmente mas, também, coletivamente.

Não dá para querer que, em um festejo de Cosme e Damião, as crianças gostem de caruru, vatapá e afins se durante os 365 dias do ano lhe sejam oferecidos apenas os doces. Cultura, costumes regionais e as relações que criamos com a comida modelam a forma que construímos o nosso paladar e alimentamos nossos símbolos e identidades.

Edição: Gabriela Amorim