Por que tingir um bolinho de feijão de rosa é tão problemático?
O burburinho desse mês, nas redes sociais e fora delas, atendeu por um nome: Barbie. Fotos, selfies na sala de cinema, reels, vitrines de lojas de departamento e barracas de camelôs não foram o suficiente para o pink marketing de lançamento do filme. A onda rosa acabou invadindo um dos símbolos mais significativos da Cultura Baiana, o acarajé.
Meu direct do Instagram ficou lotado de mensagens de amigos e seguidores sobre o tal acarajé cor-de-rosa, criado por uma vendedora de Salvador. Fiquei fazendo a Glória Pires a semana quase toda: "não sei, não vou opinar". Cozinhar pensamentos, às vezes, faz bem. Depois de alguns dias pensando sobre, veio uma pergunta: Por que tingir um bolinho de feijão de rosa é tão problemático?
Para início de conversa, o acará não é só um bolinho de feijão. Elemento da diáspora africana, o acará foi o abraço que afagou o banzo dos nossos ancestrais. Comida para o corpo e para a alma, o acará é, também, alimento para a fé. A bola de fogo, significado de seu nome, é comida de Iansã. Comer bola de fogo, acarajé, é, antes de tudo, sagrado.
Com a fé nos orixás, as mães negras alforriadas inauguraram o tabuleiro de acarajé e, de lá até aqui, foi a comida que botou comidas nas casas de muitas famílias de Salvador. Foram as Baianas de Acarajé pioneiras do nosso "feminismo" – e em tantas outras coisas. Patrimônio da nossa Cultura, são elas, guardiãs da nossa memória.
Pintar um acarajé de rosa, ou de qualquer cor, é sim problemático. Assim como é chamá-lo de “bolinho de Jesus” ou de qualquer outra coisa que não seja ele mesmo. Rasurá-lo é rasurar a nossa própria cultura, é rasurar quem somos, é rasurar aquelas que vieram antes de nós. Não precisamos homenagear a Barbie. Precisamos, mesmo, é homenagear o espelho da História. Da nossa História.
*Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Gabriela Amorim