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Palmirinha: A vida por trás da receita

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Vovó Palmirinha iniciou sua carreira na televisão aos 66, compartilhando receitas de doces e salgados que poderiam ser vendidos - Divulgação
Palmirinha nos deixou sendo um exemplo de coragem e uma prova de que nunca será tarde

Na semana passada fomos surpreendidos com a morte de Vovó Palmirinha, uma mulher gigante que nos ensinou muito mais que receitas.

Palmira Nery Onofre, Palmirinha Onofre, Palmirinha, Vovó Palmirinha... são muitos nomes em uma só mulher. Não poderia ser diferente diante de tantas histórias presentes na vida da filha de um baiano com uma imigrante italiana. Palmirinha nos deixou, e o silêncio da sua ausência ecoou em mim uma necessidade de presença: Afinal, quem foi Palmirinha?

Palmirinha nasceu num sítio em Bauru [uma cidade Paulista que já tinha nome de comida] no dia 29 de junho de 1931. Em seu livro, “A receita da minha vida”, Palmirinha nos conta sobre os maus tratos que sofrera de sua mãe durante a infância. Aos 7 anos, Palmirinha saiu da casa de seus pais para morar com uma senhora francesa, em São Paulo. Lá, era dama de companhia e dormia na mesma cama de sua senhora. Palmirinha recebia um salário que era depositado mensalmente em uma poupança e recebia educação. Ela ficou com essa senhora até o dia em que soube da morte da pessoa que ela mais amava na vida, seu pai.

Quando o pai de Palmirinha faleceu, sua mãe procurou a senhora francesa para que ela lhe desse o dinheiro da poupança. Como a senhora francesa morava ilegalmente no Brasil, ficou com receio que a mãe de Palmirinha a prejudicasse de alguma forma e acabou “devolvendo” Palmirinha para a sua mãe. De volta à casa de seus pais, com 16 anos, Palmirinha começa a trabalhar nas Lojas Americanas. Em algum dia em que voltou do trabalho, Palmirinha recebe a notícia que sua mãe a havia vendido para um fazendeiro por 5 mil réis.  Assustada, Palmirinha resiste em ir com o fazendeiro e acaba sendo resgatada por uma tia que morava vizinho à sua casa.

Aos 19 anos, Palmirinha casou-se com seu primeiro e único marido, e com ele vieram muitas agressões físicas e psíquicas. Como era de família italiana, Palmirinha conta que resistiu muitos anos com o seu marido, pois a mulher separada não era bem vista pela família. Casada, moradora da cidade de São Paulo, mãe de três filhas e com dificuldades financeiras, Palmirinha encaixotou peças de automóveis, limpou escritórios, foi mãe e dona de casa. Aí é hora que gente se pergunta: Como ela chegou à cozinha?

O que levou Palmirinha para cozinha foi um blusão. Suas três filhas revezavam um blusão para irem para escola. Como estudavam em turnos diferentes, uma menina usava o blusão em um turno e passava para que a outras o usassem em turnos posteriores. Com a mudança de horário em uma das escolas, uma das filhas ia para aula sem o blusão. Foi daí que a professora chamou atenção de Palmirinha e disse que se a filha não tivesse um blusão, não poderia assistir à aula. Palmirinha comprou um blusão, dividiu o pagamento, a cada atraso seria contabilizados os juros. Ela se perguntou: Como irei conseguir esse dinheiro?

Ela conseguiu pagar o segundo blusão fazendo uma receita de pão doce que aprendera com sua mãe. Dessa base de pão doce, nasceu um delicioso sonho que ela vendia de porta em porta na Vila Mariana. A receita foi um sucesso e com ela Palmirinha conseguiu não só pagar uma dívida, mas conseguiu “ganhar a vida”. Suas receitas ficaram famosas no bairro em que morava e, anos depois, Palmirinha já estava cozinhando para a Vasp, Nestlé, Brastemp... e, no meio desse movimento todo, aos 63 anos, foi entrevistada em um programa de TV cujo tema era “Criei meus filhos sozinha”.

Essa entrevista rendeu-lhe um convite de Ana Maria Braga, e Palmirinha começou sua trajetória formal na TV aos 66 anos. Dos seus 66 até os seus 87 anos, Palmirinha não parou e eternizou-se na vida de seu público – “suas amiguinhas”, como ela gostava de chamar. Aqui, propositalmente, não vou me delongar porque essa parte da história todos nós conhecemos. Palmirinha nos deixou sabendo que ensinou muitas pessoas a ganharem dinheiro com as suas receitas de salgadinhos e comidas. Palmirinha nos deixou sendo um exemplo de coragem e uma prova de que nunca será tarde para fazer tudo aquilo que gostaríamos de fazer.

Quando Palmirinha saiu da TV Gazeta, em 2010, ela disse que ficou com medo, pois achou que seria esquecida. Essa minha pequena homenagem é para reforçar: Palmirinha, você jamais será esquecida.

*Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Gabriela Amorim