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Violência de gênero e Democracia

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Um dos casos emblemáticos de violência de gênero na política no Brasil: Jair Bolsonaro, então deputado, ataca a deputada Maria do Rosário
Um dos casos emblemáticos de violência de gênero na política no Brasil: Jair Bolsonaro, então deputado, ataca a deputada Maria do Rosário - Marcelo Camargo/Agência-Brasil
Com machismo e racismo não há democracia

Todos sabem que a violência de gênero não é um problema exclusivo das mulheres, que não somos apenas vítimas de “algozes”. A sociedade brasileira, o Estado, os órgãos em todas as esferas de governo, a família, os movimentos sociais e as instituições educacionais devem assumir seu importante papel diante desse fenômeno que se alastra no Brasil.

A omissão dos poderes públicos diante das graves denúncias e a subnotificação dos casos só agravam esse cenário.

São muitas as manifestações que revelam a presença do machismo e do sistema patriarcal, herdado do processo colonizador no Brasil desde os seus primórdios. Costumes tradicionais, dogmas religiosos e valores introjetados em práticas sociais, reproduzidos pela educação formal, atuam como “combustível” para manter acesa a chama da misoginia, da discriminação e da opressão contra as mulheres no país.

Estamos tratando de todas as formas de assédio no trabalho, moral, sexual, de muitas expressões de violência física, psicológica, patrimonial, emocional e simbólica que destituem a mulher do seu lugar social, do seu direito à vida digna, seja no âmbito privado, doméstico ou no público. Aliás, é bom reafirmar que ao reproduzirmos nas práticas cotidianas o ditado popular “em briga de marido e mulher não se mete a colher” somos cúmplices de agressões que terminam em feminicídios.

A mídia reportou recentemente alguns casos emblemáticos, mas, e os que não ganham manchetes e grande repercussão? Precisamos falar sobre eles, denunciar e exigir punição dos crimes, com base na Lei Maria da Penha ou de outros dispositivos jurídicos.

Nas redes sociais é comum o registro de casos de violação dos direitos das mulheres, de ir e vir, de dispor de seu corpo, de expressar sua ideologia política ou sua crença religiosa. Tais situações contrariam os princípios da Democracia, da luta histórica do movimento de mulheres no país e no mundo por Equidade, Justiça e Liberdade. Vale lembrar que a opressão sobre os corpos de mulheres negras e indígenas (e seus territórios e identidades) é realçada, como provam as estatísticas oficiais e pesquisas acadêmicas, apesar do silenciamento da mídia hegemônica sobre os recortes de cor/raça e classe da violência de gênero.

Observo que no carnaval e nas campanhas eleitorais esse cenário violento ganha contornos ainda mais graves. É como se o ambiente de festa e da suposta liberdade de expressão autorizasse as práticas autoritárias, de cunho machista. Não podemos banalizar esse fenômeno e compactuar com a impunidade. Não bastam campanhas educativas pontuais de combate à violência de gênero e racismo, é preciso assegurar políticas públicas intersetoriais, com transversalidade e integração entre programas permanentes.

Nos últimos meses, que antecedem as eleições municipais, em Salvador, registramos denúncias envolvendo três mulheres negras. A candidata à prefeita de Salvador, Eslane Paixão (UP) sofreu agressão de um homem que cuspiu nela, no bairro do Rio Vermelho, enquanto fazia campanha eleitoral. Eslane é militante pela reforma urbana, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e presidente estadual da Unidade Popular, desde a fundação do partido, em 2019, e também integra o Diretório Nacional da legenda.  

A vereadora Laina Crisóstomo (PSOL) foi insultada e constrangida em via pública, com agressões verbais de Sandro Filho, militante do Movimento Brasil Livre (MBL), candidato a vereador (PP). Ele é reincidente, em outros episódios a ameaçou aos gritos e pontapés, na porta de seu gabinete na Câmara Municipal e tentou invadir o lançamento de sua candidatura. A vereadora Marta Rodrigues (PT) também denunciou a violência política sofrida através de mensagens difamatórias e calúnias sobre sua atuação parlamentar via redes sociais. A militante, Nayara Campos foi agredida por cabos eleitorais do candidato Paulo Magalhães Junior (União Brasil) em via pública. As vítimas prestaram queixa policial, e a vereadora Laina Crisóstomo também registrou o fato na Casa da Mulher Brasileira. É preciso garantir agilidade e eficiência nas investigações para assegurar a proteção às vítimas e coibir outros casos.

Com machismo e racismo não há democracia. Com violência de gênero o acesso aos direitos e a ocupação dos espaços de poder pelas mulheres não se concretiza. Os partidos políticos precisam investir mais do que o mero cumprimento da lei que assegura cotas para as candidaturas femininas. É preciso dar suporte jurídico, acolher, incentivar efetivamente mandatos de mulheres nas Casas Legislativas, onde ainda são minoria.

O que nos resta? Continuar a luta antirracista e por equidade de gênero para ampliar as conquistas históricas dos movimentos sociais no Brasil, sem as quais não construiremos uma verdadeira democracia.

Edição: Gabriela Amorim