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OPINIÃO | A curricularização da extensão e a Educação Integral: política central para o Brasil - Parte 1

Professores da UFBA escrevem sobre a curricularização da extensão e a Educação integral

Salvador |
Cursos de graduação passam a ter obrigação de contemplar 10% da carga horária em atividades de curricularização da extensão - UFBA

Recentemente, tivemos o lançamento do Programa de Educação Integral em Tempo Integral pelo governo Lula, e desde 2014 foi promulgado o Plano Nacional de Educação (PNE) do Decênio 2014-2024. No PNE, há uma estratégia da meta 12, referente à Educação Superior, para que todos os cursos de graduação no Brasil, independentemente de serem Universidades públicas ou particulares, contemplem 10% da carga horária dos seus alunos em atividades de curricularização da extensão.

Essa é uma grande oportunidade de conjugar essas duas grandes políticas públicas, a curricularização da extensão e a Educação integral em tempo integral, no sentido de permitir que a escola pública se torne, ou se fortaleça como um grande elo de articulação da sociedade, de fortalecimento dos laços sociais e do capital social, no sentido que Robert Putnam utilizava. Ao mesmo tempo, também permitirá que se qualifique mais o direito à aprendizagem dos nossos jovens e crianças.

Simultaneamente, poderemos fortalecer uma série de políticas públicas. Será possível fortalecer a política pública de permanência dos jovens no ensino médio e na Educação básica como um todo, fortalecer a permanência dos jovens na Educação superior, consolidar a política de extensão universitária e a política de assistência estudantil, que é um dos vieses e um dos braços da política de permanência mais geral. Fundamentalmente, teremos a Educação pública valorizada e alçada como grande lócus de consolidação e efetivação da intersetorialidade de diversas políticas públicas no Brasil, de forma indissociável entre Educação Básica e Superior.

Abordaremos nessa “Parte 1” do texto o contexto histórico da “Curricularização da Extensão na Universidade brasileira”; e na “Parte 2”, “A Curricularização da Extensão, a permanência na escola e o Capital Social”, assim como os vínculos sociais dos estudantes e suas comunidades e a Intersetorialidade de políticas públicas e a contribuição do Brasil para uma prática social universitária.

A Curricularização da Extensão e a Universidade brasileira

A política de curricularização da extensão é uma reivindicação antiga feita pelo movimento extensionista brasileiro, e que fez parte das pautas do Fórum Nacional de Pró-reitores de Extensão e dos extensionistas dos projetos de interlocução do ensino e da pesquisa das Universidades junto aos diferentes atores da sociedade desde as décadas de 1980 e 1990. A extensão universitária no Brasil é muito fortalecida devido à história que nós temos da Universidade Brasileira. A Universidade Brasileira, embora seja uma Universidade tardia, como o pesquisador Luiz Antônio Cunha muito bem definiu em seu texto, é uma Universidade que hoje tem uma série de traços muito distintivos e positivos.

O primeiro deles é que, felizmente, somos herdeiros da tradição da Universidade de pesquisa, a Universidade de Humboldt, na Alemanha, que acabou revolucionando a concepção de Universidade no Ocidente e no mundo, ao estabelecer que a Universidade é o espaço da produção do conhecimento novo, o espaço da pesquisa e do livre pensar, saber e pesquisar. Deve ser o espaço da liberdade de cátedra para o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, como também das humanidades, das artes e da filosofia. Essa compreensão da Universidade Alemã, da Universidade Humboldt, estava no centro de um projeto de desenvolvimento nacional da Alemanha e de consolidação do Estado Alemão, que foi muito bem-sucedido e que permitiu que a nação alemã tivesse e ainda tenha um grande desenvolvimento em todas as áreas do conhecimento, em todas as áreas científicas, das humanidades e das artes.

Não há como negar que a Universidade Brasileira, embora seja tardia e tenha demorado para aparecer e se consolidar em nosso país, hoje carrega muito da prática e da concepção da Universidade de pesquisa. Por outro lado, temos também um perfil de Universidade e de pesquisa comprometido com o desenvolvimento da comunidade; nesse sentido, nos aproximamos da Universidade norte-americana. Se considerarmos os textos de Jacques Drêze e Jean Debelle, como “Conceptions de l'université” de 1968, nos quais discutem concepções de Universidade, há uma divisão das Universidades em dois grandes grupos: as Universidades idealistas e as Universidades utilitárias. As Universidades idealistas são a Universidade inglesa, a Universidade alemã e a Universidade norte-americana. Seriam as Universidades com maior liberdade de pesquisa, com maior autonomia frente ao Estado, frente ao mercado e frente a injunções externas à própria Universidade.

A Universidade inglesa, na concepção do Cardeal Newman, é uma Universidade basicamente de reprodução do conhecimento já existente. Ela foi muito importante ao se estabelecer como o espaço da elite intelectual, mas acaba sendo completada e aprimorada na concepção da Universidade alemã, que compreende que a Universidade não é somente o espaço da reprodução do conhecimento existente, mas é o espaço da produção do novo conhecimento. É o espaço de uma comunidade de estudantes, de professores e de técnicos que podem pesquisar e contribuir para o avanço científico, humanístico, artístico e filosófico. Ao mesmo tempo, ao garantir esse avanço intelectual autônomo, pode efetivamente proporcionar a formação dos seus alunos.

A terceira Universidade a compor o grupo das Universidades idealistas é a Universidade Norte-Americana, que tem a característica da Universidade Alemã, voltada à pesquisa, mas, adicionalmente e fundamentalmente, é a Universidade que se compromete e está imbuída da missão de desenvolver a comunidade que a cerca. Por essa razão, durante todo o século XIX, essas Universidades receberam doações de grandes terras e outros bens do Estado norte-americano, estando muito implicadas com o desenvolvimento da agricultura, das atividades econômicas e da expansão dos Estados Unidos que ocorreu naquele século, tanto a expansão territorial quanto a expansão econômica.

Esse modelo de Universidade norte-americana é inseparável do projeto dos Estados Unidos como potência, considerando a contribuição que essa Universidade deu para o desenvolvimento da economia, da sociedade, da cultura, das artes, e até mesmo para a corrida armamentista e a corrida espacial. Por esse motivo, essa Universidade sempre foi muito protegida, financiada e apoiada pelos Estados Unidos, especialmente pelo seu Estado, que sempre entendeu que o desenvolvimento nacional passava pelo fortalecimento e pela elaboração de um projeto conjunto com essas Universidades.

As Universidades utilitárias seriam a Universidade Soviética e a Universidade Francesa. O modelo francês é o de uma Universidade estatal, que tem a definição dos seus currículos feita pelas altas instâncias do Ministério da Educação na França, com o financiamento pelo Estado francês, e com a carreira docente estabelecida também pelo Estado. A Universidade Francesa tem a finalidade de promover o fortalecimento do Estado francês e do projeto de desenvolvimento levado adiante por esse Estado. Da mesma maneira, a Universidade Soviética teve um papel fundamental no projeto soviético de superação do semifeudalismo que aquele país vivia e de rapidamente alcançar altos níveis de desenvolvimento econômico, social, científico e cultural. A União Soviética foi o primeiro país a lançar um satélite, o primeiro a colocar um homem e uma mulher ao redor da Terra. Até hoje, houve um avanço científico em todas as áreas do conhecimento, não somente nas ciências espaciais, mas em toda a ciência básica, na Física, na Química, na Matemática e na Pedagogia.
A Universidade brasileira é muito moldada como uma Universidade de pesquisa, com seus professores contando com uma carreira que os orienta no sentido de não serem apenas “dadores de aula”. Eles devem estar fazendo pesquisa, divulgando seus resultados por meio de publicações de artigos, livros e trabalhos em congressos, participando de grupos de pesquisa, orientando alunos e integrando a Pós-Graduação. Ao mesmo tempo, também têm o compromisso com a comunidade. Além dessas inspirações europeias e norte-americanas, o perfil da nossa Universidade é fundamentalmente latino-americano, por conta da experiência da Universidade de Córdoba, na Argentina.

Os princípios da Universidade de Córdoba e da reforma levada a cabo no início do século XX dizem muito respeito à instituição brasileira. A Reforma da Universidade de Córdoba preconizou a Universidade Democrática internamente, ligada à resolução dos problemas sociais, pública e gratuita, voltada ao desenvolvimento comunitário e à região. Esses princípios estão muito presentes, especialmente se observamos os ecos dessa reforma universitária no primeiro Seminário da Reforma Universitária no Brasil, realizado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1961. Esse seminário da UNE não estava isolado, pois o Brasil vivia, à época, a influência de dois grandes pensadores da Educação, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, que estavam afinados com essa concepção na criação da Universidade de Brasília.

Quando Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro elaboram e implementam o projeto da Universidade de Brasília (UNB), eles revolucionam a concepção de Universidade brasileira justamente porque pensam em uma Universidade com pesquisa e pós-graduação muito fortes. A UNB surge justamente a partir da pós-graduação, convidando os professores mais produtivos e engajados na produção científica, artística e cultural, tanto no Brasil quanto fora do país. Ao mesmo tempo, anunciam que aquela Universidade deve se preocupar com a resolução dos grandes problemas nacionais e deve ter um grande compromisso com o projeto de nação. Nesse sentido, a Universidade brasileira recebe diversas influências.

Posteriormente o Fórum de Pró-Reitores de Extensão (1980-1990) elabora a proposta da curricularização da Extensão, que estabelece que 10% da carga horária de todos os cursos de graduação no Brasil deve ser voltada a atividades de extensão, e compreende-se que as atividades de extensão são as atividades de ensino e de pesquisa realizadas pela Universidade em contato com a sociedade, entendida como uma sociedade plural, a Universidade pode e deve estar em contato com os movimentos sociais, mas também pode contribuir com a elaboração, implementação e aprimoramento de políticas públicas no campo da Saúde, da Educação, da assistência social, da agricultura. Entretanto, é também a Universidade que tem relação com o setor produtivo e com todos os setores econômicos que podem pensar um projeto de nação.

Nessa visão, a Universidade brasileira se torna mais sofisticada porque consegue coadunar o ensino, a pesquisa e a extensão para aproveitar o que há de melhor nessas diversas tradições: a da Universidade alemã, da norte-americana e da Universidade de Córdoba. A própria Universidade brasileira se converte em uma experiência de relevo internacional, que acaba se consolidando no século XX com a Universidade de São Paulo, com a Universidade do Distrito Federal (UDF), criada em 1935 por Anísio Teixeira, uma breve experiência que durou de 1935 a 1937, interrompida pela ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, mas retomada com toda a sua força na Universidade de Brasília e com o estabelecimento do parque das Universidades federais e estaduais no país. E agora se distingue mais ainda com a Curricularização da Extensão na Educação Integral em tempo integral.

A Curricularização da Extensão e a Educação Integral

Com o Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014, que estabeleceu que os alunos devem ter uma carga horária mínima de extensão na Graduação, podemos estabelecer uma aliança entre o projeto e a política da curricularização da extensão e a Educação integral em tempo integral. A Educação integral em tempo integral pressupõe que tenhamos uma formação “omnilateral”, que permita a formação para o mundo. Formação para o mundo do trabalho e não somente para o mercado de trabalho, mas que ultrapasse essa dimensão, que seja uma Educação com formação para a vida, uma formação para as artes, para compreender a sociedade em que vivemos, para entender a formação histórica que temos no Brasil e no mundo, para interpretar os diversos desafios sociais, ambientais e econômicos.

Desafios muito presentes na contemporaneidade, como a revolução científica e tecnológica, o desemprego estrutural, desafios de uma geopolítica extremamente mutável. Uma geopolítica que é composta, ao mesmo tempo, por possibilidades de superação do neocolonialismo e do neo ou ultraimperialismo e, simultaneamente, por riscos extremamente graves de possibilidade de guerras mundiais, de esgotamento dos recursos naturais e de acirramento das assimetrias mundiais.

Por conta desse cenário e dessa potencialidade, propomos a conjuminação entre curricularização da extensão e Educação integral em tempo integral, já presente na legislação da Educação integral em tempo integral. Essa legislação foi possível devido justamente a uma série de diálogos estabelecidos com os movimentos sociais, com os movimentos dos educadores e dos pesquisadores que trabalham com Educação integral, que conseguiram incidir diretamente na elaboração e na aprovação da lei da Educação integral, como pode ser observado abaixo. Na sanção da Lei do novíssimo Ensino Médio, a curricularização da extensão foi inserida justamente na interface com o Tempo Integral:

Alterações na LDBEN (Reforma do Ensino Médio), com relações diretas com a Educação Integral:
Art.1º A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), passa a vigorar com as seguintes alterações:
(...)
"Art. 35-B. O currículo do ensino médio será composto de formação geral básica e de itinerários formativos.
(...)
§ 4º Para fins de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio em regime de tempo integral, excepcionalmente, os sistemas de ensino poderão reconhecer aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas pelos estudantes em experiências extraescolares, mediante formas de comprovação definidas pelos sistemas de ensino e que considerem:
I - a experiência de estágio, programas de aprendizagem profissional, trabalho remunerado ou trabalho voluntário supervisionado, desde que explicitada a relação com o currículo do ensino médio;
II - a conclusão de cursos de qualificação profissional, desde que comprovada por certificação emitida de acordo com a legislação; e
III - a participação comprovada em projetos de extensão universitária ou de iniciação científica ou em atividades de direção em grêmios estudantis."
Art. 2º No planejamento da expansão das matrículas no ensino médio em tempo integral, serão observados critérios de equidade, de modo a assegurar a inclusão, nas diferentes etapas e modalidades educacionais estabelecidas na legislação, dos estudantes em condição de vulnerabilidade social, da população negra, quilombola, do campo e indígena e das pessoas com deficiência.


A Educação integral em tempo integral necessita, de maneira muito forte, que haja uma extensão do tempo de formação, e essa extensão precisa acontecer por meio de uma qualificação desse tempo, uma qualificação que permita uma formação omnilateral em que os tempos e espaços desse educando lhes garantam o direito à aprendizagem das ciências, das humanidades, das artes, uma formação estética, ética, política, o exercício da cultura corporal, uma formação cognitiva, mas também afetiva, também filosófica, com a participação no mundo de maneira integral.

A Universidade pode contribuir, de uma maneira diferenciada, no sentido de que não precisa ter uma dinâmica, uma pedagogia, uma didática tradicional, mas que seja inovadora através de uma interação de seus professores e estudantes com professores e estudantes da Educação básica por meio da extensão universitária e possa garantir um ensino de ciências mais experimental, possa garantir um ensino das humanidades de maneira mais reflexiva, possa permitir abordagens de temas geradores de maneira mais interdisciplinar, multidisciplinar ou transdisciplinar, que possa ultrapassar a disciplinaridade. A disciplinaridade é muito importante, mas além da disciplinaridade, que demanda um aprofundamento devido, há um momento também em que temas geradores podem estar presentes para poder acionar diversas disciplinas e permitir uma interlocução e o crescimento da capacidade crítica e cognitiva dos alunos a partir do enfrentamento desses temas geradores. Esses temas podem ser a transição sócio-energética, a transição sócio-ecológica, a geopolítica, a resolução dos problemas sociais, como a fome e a miséria, o tema da inteligência artificial, a arte contemporânea, as discriminações, dentre outros.

São temas geradores que acionam conteúdos e disciplinas, as mais diversas, como a Física, a Química, a Biologia, a Matemática, ao lado da História e da Literatura. Um tema gerador como a dívida pública, o papel do Banco Central, a política de desenvolvimento, o processo de desindustrialização do Brasil, ou os ciclos de desenvolvimento do Brasil (o Brasil no século XX passou por um processo de industrialização e hoje voltou a ser novamente um país majoritariamente exportador de commodities) é tema gerador que aciona a Matemática, a História, a Geografia, mas também a Literatura e as Ciências Naturais.

A curricularização da extensão pode ser uma das grandes chaves para permitir que o processo de Educação integral e de tempo integral não seja apenas um processo burocrático de extensão da carga horária, com o prolongamento das disciplinas da maneira como são ministradas hoje. Pode, na verdade, possibilitar uma subversão na forma de ensinar e aprender na Educação básica e no ensino médio.

Alessandra Santos de Assis é Professora da UFBA e doutora em Educação pela UFBA; Márcia de Freitas Cordeiro é Professora substituto da UFBA e Doutora em Difusão do Conhecimento/Gestão Escolar UFBA; Penildon Silva Filho é Professor da UFBA e doutor em Educação pela UFBA; Silvia Maria Leite de Almeida é Professora da UFBA e Doutorado em Educação pela UFRGS

Edição: Alfredo Portugal