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Salvador como cidade inteligente: a coleta de resíduos está valendo?

A gestão de Resíduos Sólidos Urbanos deve ser aprimorada para se atingir o status de Cidade Inteligente - Saneamento Básico.com
A condição para a obtenção do status de Cidade Inteligente não comporta perigos ao meio ambiente

Por Cristina Maria Dacach Fernandez Marchi, professora do Programa de Pós-Graduação em Território, Ambiente e Sociedade da Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Mestre em Planejamento Urbano, Doutora em Geologia, Pós-Doutora por meio do projeto “Pesquisa da gestão dos resíduos sólidos urbanos da região metropolitana de Estocolmo”, no Instituto de Estudos Latino Americanos da Universidade de Estocolmo, Suécia. Colaboradora do Observatório das Metrópoles – Núcleo Salvador.

O mundo contemporâneo vem sendo descrito como pleno de avanços científicos e tecnológicos. Por outro lado, repleto de crescentes agressões ecológicas relacionadas, por exemplo, ao incorreto descarte, coleta, tratamento e destinação final do “lixo” das metrópoles.  

Alguns desafios estão ligados ao processo transformador, que as metrópoles vêm sofrendo, para aprimorarem seus sistemas de saneamento, mobilidade, energia, segurança e digitalização, ou seja, a busca para modificar o padrão atual dos centros urbanos até a condição de cidades que atendam aos anseios dos cidadãos e da modernidade. A condição para a obtenção do status de Cidade Inteligente (CI) não comporta perigos à saúde pública e ao meio ambiente.

Cidadãos aspiram ao aprimoramento das ações de gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) gerados, atividade importante para elevar o status de uma cidade para o de CI. Precisamos ter em vista a importância da adoção de um processo progressivo para a obtenção desse aprimoramento, por meio da observância da Legislação, da instalação de infraestrutura moderna e do engajamento e participação dos cidadãos. Na maioria das cidades brasileiras, ainda é desafiadora a garantia de gestão adequada de RSU, assertiva embasada pela inexpressiva taxa de 3% de reciclagem, informada pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe, 2020).

Em 2023, a cidade de Salvador foi classificada em nono lugar pela edição do estudo desenvolvido pela empresa de consultoria Urban Systems. A divulgação foi anunciada durante a abertura da IX edição do Connected Smart Cities & Mobility (CSCM), que vem revelando as cidades brasileiras com maior potencial de desenvolvimento.  

A classificação no nono lugar é um feito incrível, quando se cogita que essa edição mapeou 656 municípios com mais de 50 mil habitantes e considerou 74 indicadores em 11 eixos temáticos, tais como: Mobilidade; Urbanismo; Meio Ambiente; Tecnologia e Inovação; Economia; Educação; Saúde; Segurança; Empreendedorismo; Governança; e Energia. Para Salvador, os eixos de Tecnologia e Inovação estão na 7ª posição em relação às outras cidades brasileiras, sendo a 1ª no Nordeste. Em relação às demais dimensões, Salvador sobressai em: Urbanismo e Empreendedorismo, 11ª posição; Governança, 18ª posição; Mobilidade, 19ª posição; Saúde, 35ª posição; e, Meio Ambiente, 40ª posição. Vale ressaltar que, nos demais eixos sequer pontua dentre as 100 primeiras cidades brasileiras.

A nossa proposta é examinar e comentar resultados relativos aos indicadores dos serviços de resíduos sólidos, particularmente os da reciclagem. Portanto, busca-se compreender quais conexões e desafios articulam atividades relacionadas à classificação adotada para alcance de CI e a gestão dos resíduos recicláveis em Salvador.

O Eixo Meio Ambiente do estudo do CSCM/2023 aponta para 14 indicadores, sendo cinco relacionados ao saneamento básico: atendimento urbano de água; atendimento de esgoto; tratamento de esgoto coletado; cobertura da coleta de resíduos sólidos e recuperação de materiais reciclados.  No que concerne aos RSU, os indicadores anunciados foram recolhidos do Diagnóstico dos Resíduos Sólidos do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS), que serviu de fonte para o estudo do CSCM.

As normas ABNT Certificadora (Associação Brasileira de Normas Técnicas) são responsáveis pelas adequações das normatizações de produtos e serviços da ISO (Organização Internacional de Normalização) para a realidade brasileira. A Norma ABNT NBR ISO 37122/2020 trata dos Indicadores para cidades inteligentes, dividida em 23 eixos, compostos por 80 indicadores.  

Dentre os requisitos do Eixo 16 da ABNT, relativo aos resíduos sólidos, encontram-se seis indicadores que fazem diferença quando aplicados adequadamente nas cidades, tornando-as aptas para alcance de status CI, são eles: porcentagem de centros de coleta (contêineres) de resíduos equipados com telemetria; porcentagem da população da cidade que dispõe de coleta de lixo porta a porta com monitoramento individual das quantidades de resíduos doméstico; porcentagem da quantidade total de resíduos da cidade empregada para gerar energia; porcentagem da quantidade total de resíduos plásticos reciclados na cidade; porcentagem das lixeiras públicas que são dotadas de sensores; e, porcentagem de resíduos elétricos e eletrônicos da cidade que são reciclados (ABNT, 2020).

No esforço de examinar se os requisitos acima preconizados sobre os resíduos recicláveis em Salvador são condizentes aos de uma Cidade Inteligente, faremos algumas inferências. Um dado importante, mas não computado pelos requisitos da ABNT, já que é questão de saúde pública, é sobre a cobertura da coleta total dos resíduos sólidos. Salvador se encontra adequada, 97%. Dados informados pelo Plano Municipal Integrado de Saneamento Básico de Salvador, do ano de 2020, apresentados pela administração municipal, indicam que foram coletadas aproximadamente 913.571 mil toneladas de resíduos sólidos domiciliares, sendo que o estudo gravimétrico aponta para 34% de material reciclável e passível de Logística Reversa (papel, papelão, vidro, metais, plásticos, etc.), 21,90% de material biodegradável e 44,10% de rejeito (SEINFRA, 2023).

Entretanto, perscrutando e persistindo na análise, dados da mesma fonte mostram uma situação preocupante: as instalações e equipamentos envolvidos na coleta seletiva para resíduos sólidos domiciliares. São citados apenas 2 Ecopontos e 5 pontos de coleta com contêineres subterrâneos/elevados, que não dispõem de sensores ou mecanismos de controle e pesagem. Além dessas instalações, divulga a taxa de 1,05% para material reciclado, o que representa um terço da média brasileira.

Esta constatação pode ser um dos reflexos da retirada de Coletores de Pontos de Entrega Voluntária (PEV) durante a pandemia e não recolocados. Vale ressaltar que, em 2015, o poder público municipal iniciou um Programa de Coleta Seletiva (PCS) na capital baiana, que consistiu na instalação de 150 PEV distribuídos em 50 bairros. Porém, no mês de abril de 2020, todos os PEV foram desativados dos locais pela gestão municipal, encerrando uma importante iniciativa pública de coleta seletiva destinada à reciclagem, à logística reversa e à economia circular, atividades altamente qualificadas.

Sob a ótica da sustentabilidade, da oferta de serviços de saneamento de qualidade, do correto manejo dos RSU, para uma cidade ser classificada como inteligente o apropriado seria desenvolver mais programas de coleta seletiva, antecipando o atendimento previsto pelas normas instituídas, assim como a promoção de ações de engajamento e sensibilização dos cidadãos e a disposição de infraestrutura adequada. Além de inserir economicamente os catadores de materiais recicláveis, profissionais responsáveis pela coleta e destinação dos resíduos para reciclagem. Cidades Inteligentes devem possuir uma política pública efetiva de coleta seletiva, com a inclusão socioeconômica dos catadores de materiais recicláveis, visto que, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2017), são os responsáveis por cerca de 90% de todo o material que chega a ser reciclado no Brasil.   

No nosso entendimento, quanto à gestão adequada para os serviços de resíduos sólidos de uma CI, nota-se que Salvador ainda não se encontra com a competência esperada para os indicadores atribuídos na norma ABNT NBR ISO 37122/2020.  Nesse quesito, Salvador não se adequaria como uma das primeiras cidades Inteligentes do território nacional.

A coleta seletiva deve estar inserida entre os principais pilares de soluções inteligentes, para melhorar a vida de seus habitantes, promover emancipação social e garantir um futuro sustentável nas cidades.

Edição: Gabriela Amorim