Bahia

Coluna

Emergências Climáticas acontecendo e o Plano Municipal de Saneamento de Salvador, onde está?

Plano Municipal de Saneamento Básico de Salvador ainda está no papel - Valter Pontes/SECOM
Salvador é o 49º município em qualidade de saneamento, ainda que seja o 4º maior entre os estudados

Por Claudia Monteiro Fernandes, pesquisadora pós-doc do Observatório das Metrópoles INCT - Núcleo Salvador


Com a recente tragédia vivida no estado do Rio Grande do Sul por conta dos grandes alagamentos, ficou evidente a necessidade de pensar as cidades para além de questões imediatas, mas com base em planejamento de médio e longo prazos. Salvador é uma capital com histórico de alagamentos e deslizamentos, com riscos elevados principalmente em áreas de densa ocupação desordenada do seu território.

As consequências são desastrosas, sobretudo nas vidas dos moradores de bairros populares, em áreas periféricas e do miolo da metrópole. Esse risco vem crescendo com a expansão da ocupação dos municípios metropolitanos do entorno de Salvador. Uma questão política fundamental é pensar o saneamento básico integrado, prevenindo tragédias anunciadas e já vivenciadas inúmeras vezes na região. Falar de saneamento é tratar de obras que nem sempre são visíveis à população, tais como a gestão das águas, a coleta e o tratamento de resíduos.

Com a visibilidade da tragédia anunciada na região Sul, ficou mais que evidente, afinal, que precisamos nos questionar o que é feito dos resíduos sólidos produzidos todos os dias na metrópole, como estão nossos rios, a água que consumimos todos os dias e para onde vai o esgoto. São temas que raramente estão nas pautas dos discursos políticos em momentos de campanha para eleições municipais, como o que vivemos hoje no Brasil.

De acordo com o Ranking do Saneamento de 2024, estudo que avalia os indicadores de saneamento básico dos 100 maiores municípios do Brasil, com dados de 2022, Salvador é o 49º município em  qualidade de saneamento, ainda que seja o quarto maior município em termos populacionais entre os estudados. A região metropolitana de Salvador é a oitava maior e tem a segunda maior tarifa de serviços de saneamento (6,20 R$/m³), ficando atrás apenas da tarifa da região metropolitana de Porto Alegre (7,4 R$/m³).

Planejamento para quê?

Pode até parecer óbvio, mas uma das principais maneiras de prevenir e se preparar para eventos climáticos extremos é planejar intervenções necessárias para a vida na metrópole. No Brasil, o Marco Legal de Saneamento tem mais de 20 anos e tem por base a Lei nº 9.984, de 2000, assim como a Lei nº 12.305, de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Lei nº 11.445/2007, o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que se constitui no principal instrumento da política federal de saneamento básico. O Plano possui horizonte de vinte anos (2014 a 2033), devendo ser avaliado anualmente e revisado a cada quatro anos.

A meta do Plansab é a universalização dos serviços básicos de saneamento até 31 de dezembro de 2033, assegurando o atendimento a 99% da população com água potável, e de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto. O Plansab original estabeleceu metas de universalização dos serviços de abastecimento de água potável em 2023, meta não atingida, e de coleta de resíduos domiciliares em todas as áreas urbanas do Brasil em 2033, bem como para a instalação de unidades hidrossanitárias em todo o território nacional até 2033.

Vamos nos dedicar aqui a analisar um indicador da gestão do Plansab: proporção de municípios com Plano Municipal de Saneamento Básico. Esse indicador tem relação com a gestão federativa do saneamento de forma descentralizada, estabelecendo responsabilidades aos gestores municipais, respeitando as diretrizes estabelecidas no plano nacional.

O Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) é o instrumento de planejamento instituído pela Lei Federal nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a Política Federal de Saneamento Básico. É considerado um dos principais instrumentos do marco regulatório para o setor de saneamento no Brasil.

O documento tem como objetivo estabelecer um planejamento das ações de saneamento, que atenda aos princípios da política nacional. A intenção é melhorar a promoção da saúde pública para toda a população, diante da melhoria nos serviços de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário e limpeza urbana, relacionada ao manejo de resíduos sólidos e drenagem, e atrelada ao manejo das águas pluviais urbanas.

De acordo com o último relatório de monitoramento de 2021, publicado apenas em abril de 2023, em 2021, 1.651 municípios declararam possuir PMSB (32,2%), ainda longe da meta estabelecida para 2023, de 51% dos municípios com PMSB, do total de 5.565 municípios do Brasil. O Nordeste, por sua vez, foi a região com situação mais crítica em relação à existência de PMSB, uma vez que apenas 16,7% de seus municípios possuíam o Plano em 2021, o equivalente a 299 municípios (de um total de 1.794). Salvador não estava entre esses municípios em 2021.

Existe planejamento em Salvador?

No caso de Salvador, capital onde habitam 70,8% da população da RMS, com densidade demográfica das mais elevadas do país (7.050 hab/km² em sua área emersa), estabeleceu-se em 2011, por meio da Lei nº 7.981, um convênio de cooperação com a Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A (Embasa), vinculada à Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento do  Governo Estadual, e criou-se o Fundo Municipal de Saneamento Básico (FMSB), que foi regulamentado apenas em dezembro de 2023, mais de 12 anos depois.

Em 2011, a prefeitura chegou a anexar à Lei nº 7.981 o que chamou de Plano Municipal de Saneamento Básico, elaborado em 2010, mas que continha, na verdade, no Volume I, uma Caracterização Geral do Município (diagnóstico de 159 páginas), e no Volume II - Sistemas de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário de Salvador (216 páginas, sendo 185 delas contendo outro diagnóstico). O então chamado PMSB apresentava metas de curto (4 anos) e longo (8 anos) prazos. No entanto, não houve divulgação de qualquer relatório de monitoramento de resultados relacionados àquele documento.

A Embasa chegou a anunciar que “o Plano de Esgotamento Sanitário da Região Metropolitana de Salvador (PES-RMS) [seria] estabelecido como prioridade para início no ano de 2021, com prazo de execução de 30 (trinta) meses”, o que não aconteceu. Com a assinatura de convênio com a Embasa, a prefeitura de Salvador, na prática, delegou a gestão da prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário ao governo do estado. No entanto, o governo não é signatário direto do convênio, o que parece levar a uma insegurança jurídica nessa relação, colocando em risco os direitos da população da RMS à água e ao saneamento.

Em março de 2023 a prefeitura de Salvador anunciou, 13 anos após a primeira “versão” de 2011, uma versão preliminar do Plano Municipal de Saneamento Básico Integrado de Salvador (PMSBI Salvador), assim como uma minuta de Projeto de Lei elaborada pelos consultores contratados pela Secretaria de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra) em julho de 2022, que, até a data de elaboração deste artigo, em junho de 2024, ainda estava “aguardando aprovação”.

Segundo a Seinfra, a audiência pública de 15 de março de 2023 aconteceu após a última consulta pública, realizada no dia 1º de março do mesmo ano, que foi a conclusão de um processo que envolveu consultas públicas, workshops com especialistas, eventos participativos, oficinas setoriais e reuniões com o Conselho Municipal de Salvador, dentre outras atividades. Na audiência pública, o desafio foi opinar pelo menos sobre um sumário de 400 páginas, em uma sessão que se iniciou às 17h de uma quarta-feira.

Resumindo, apesar dos inegáveis avanços, na prática, o PMSB de Salvador ainda está no papel. E a catástrofe recente de Porto Alegre e outros municípios do Rio Grande do Sul mostrou que são necessários planos e ações do poder público, que levem em consideração a transição climática que já vivemos, com a ocorrência cada vez mais frequente de eventos meteorológicos extremos, que não respeitam fronteiras municipais, mostrando que é necessário superar o “urbanismo de projetos”, formular planos integrados que além dos aspectos setoriais e das restrições dos limites municipais, tomem como unidade de planejamento as bacias hidrográficas, e que será preciso rever a política de tamponamento de rios urbanos e erradicação de áreas verdes que a prefeitura de Salvador vem adotando de modo sistemático.

Pensando o futuro agora

Desde 2015, o Brasil assinou a Agenda 2030 das Nações Unidas (ONU), que apresentou 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma agenda de sustentabilidade adotada pelos países-membros da ONU para ser cumprida até 2030. O objetivo de número 6 é “Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos”. Nesse objetivo, estão definidas como metas a distribuição de água de forma igualitária para a população mundial, a melhoria da qualidade da água, o fim da defecção a céu aberto e a garantia de saneamento para todos. Observar as desigualdades de raça e gênero no acesso à água, saneamento e reciclagem faz parte desse objetivo. A atuação dos poderes locais é fundamental para que esses objetivos sejam atingidos.

Os debates das candidaturas municipais em 2024 podem, portanto, ser uma excelente oportunidade para sabermos quais as propostas dos candidatos para superar esse grande desafio em Salvador e sua região metropolitana. Até o momento, o que se percebe é que implementar a gestão integrada dos recursos hídricos em todos os níveis, apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais, para melhorar a gestão da água e do saneamento, também partes do ODS 6, parece algo bem distante da nossa realidade.

Edição: Gabriela Amorim