A Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) foi palco, no último dia 17, de uma audiência popular intitulada “Mineração na Bahia: um Debate Urgente e Necessário”, organizado pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) com o apoio do deputado estadual Marcelino Galo (PT). O evento marcou o encerramento do 1º Encontro Estadual do MAM-BA e reuniu diversas organizações e movimentos sociais.
A audiência abordou questões centrais relacionadas à mineração na Bahia, enfatizando a necessidade de um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável. O evento destacou a importância de legislar em prol da classe trabalhadora. “Precisamos garantir que o desenvolvimento não aconteça às custas das comunidades locais,” afirmou o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL). “É fundamental que a legislação proteja os direitos dos trabalhadores e das populações afetadas pela mineração”, complementou.
Durante a audiência, foram discutidas as desigualdades na distribuição de terras na Bahia e os problemas agrários que antecedem a questão da mineração, afetando várias comunidades rurais e tradicionais. Lucas Zenha, integrante do Projeto Geografar, enfatizou que a Bahia possui mais de 680 concessões de lavra ativa e lidera em pesquisas minerais, com mais de 19 mil autorizações emitidas. Ele descreveu as áreas ocupadas por comunidades que resistem aos impactos da mineração como “territórios de vida.”
Também foi ressaltada a importância da presença popular nos espaços de decisão e criticada a falta de sensibilidade dos representantes governamentais em ouvir as demandas das comunidades. Após as falas contundentes e emocionantes de moradores de diversas comunidades baianas em conflito com a mineração, o representante da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) e o da Secretaria de Desenvolvimento Econômico apresentaram dados sobre “oportunidades minerais” no estado e os grandes lucros que empresas estrangeiras vêm tendo com a exploração mineral predatória que vêm desempenhando na Bahia. Nenhum deles falou sobre o que havia sido denunciado pelas comunidades anteriormente.
O modelo de mineração adotado pela CBPM, que beneficia principalmente empresas internacionais, foi questionado. José Beniezio, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), defendeu um projeto cidadão com políticas públicas que incluam a regularização fundiária e o fortalecimento da educação no campo. “O modelo de mineração adotado pela CBPM favorece interesses estrangeiros, enquanto nossas comunidades sofrem com os impactos ambientais e sociais”, criticou Beniezio.
A necessidade de uma perspectiva crítica em relação às políticas ambientais, mesmo em governos de esquerda, foi destacada. Hilton Coelho enfatizou que a luta política e a presença nos espaços institucionais são essenciais para garantir avanços ambientais e sociais. Ele defendeu que as comunidades tradicionais são verdadeiras guardiãs do meio ambiente, em oposição a políticas que favorecem o agronegócio e a mineração.
Cristiane Ribeiro, representante de Curaçá, criticou a ilusão de desenvolvimento promovida pela mineração, que resulta em destruição ambiental e social. “A mineração destrói nossas terras e nossas vidas, e não somos consultados antes que isso aconteça”.
Allan dos Santos, de Uauá, destacou que os investimentos em grandes empreendimentos mineradores não beneficiam as comunidades locais, que acabam por suportar os impactos ambientais e sociais. Para Allan, “Os grandes projetos mineradores trazem lucro para poucos e sofrimento para muitos”.
Claudiana dos Santos, de Jacobina, ressaltou os danos provocados pela mineração em sua região, questionando o verdadeiro desenvolvimento trazido por essa atividade que compromete a qualidade de vida e o ambiente. “A mineração destrói tudo ao seu redor, e nós pagamos o preço”, afirmou Claudiana.
Tawary Titiah, indígena Pataxó Hã-hã-hãe, lamentou a perda de líderes indígenas e criticou a falta de proteção do Estado, enfatizando a importância do território para os povos indígenas e comunidades tradicionais: “Nossos líderes estão sendo perdidos, e o Estado não nos protege” afirmou.
Taciere Santana, representando a Chapada Diamantina, destacou os impactos negativos da mineração na gestão das águas e na economia de subsistência das comunidades locais, destacando a importância da organização comunitária para resistir aos impactos da mineração: “A mineração compromete nossas águas e nossa subsistência”.
A audiência foi concluída com a leitura de uma carta consolidando as demandas e propostas discutidas durante o I Encontro Estadual do MAM Bahia. O documento reforçou a luta por um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável para a Bahia, destacando a mobilização popular e a resistência das comunidades tradicionais como fundamentais para enfrentar os desafios impostos pela mineração e promover um futuro mais equitativo e sustentável. “A resistência das comunidades é a chave para um futuro mais justo”, declarou Simone Jesus, da direção nacional do MAM Bahia. “Juntos, podemos construir um modelo de desenvolvimento que respeite nossas terras e nossas vidas”, concluiu a militante do MAM.
Confira a carta de demandas e propostas do I Encontro Estadual do MAM Bahia:
CARTA POLÍTICA – POR UM MODELO MINERAL SOBERANO E POPULAR
Entre os dias 14 e 17 de junho de 2024 estivemos reunidas e reunidos, aqui em Salvador, com muita animação e rebeldia realizando o 1º Encontro Estadual do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – Bahia.
Foi sob o lema ‘’Debater, Unir e Organizar: Por um Modelo Mineral, Soberano e Popular’’ que os afetados e afetadas pela mineração na Bahia, em conjunto com uma rede de setores críticos ao modelo mineral construiu a presente carta política para demarcar as nossas reivindicações diante da estrutura e da conjuntura mineral conflituosa no Brasil e na Bahia. Diversos assuntos foram aprofundados e investigados nesta semana de pré São João na Bahia, objetivando uma maior compreensão do modelo mineral vigente e ensejando alteração profunda por um outro modelo soberano e popular.
Diante da compreensão que esse modelo mineral brasileiro e latino-americano se apresenta como uma grande contradição, cujas trocas desiguais no mercado internacional perante a dependência econômica e política ainda vigente são decorrentes da formação social brasileira e sob forte influência e dependência econômica do capital global de países hegemônicos.
Tendo consciência da priorização e destinação das explorações minerais na pauta de exportação, muitos sem qualquer tipo de beneficiamento, e que essa atividade acarreta severas destruições aos territórios de comunidades tradicionais e camponesas, populações de bairros periféricos e até mesmo os trabalhadores do setor mineral, que são amplamente terceirizados e precarizados.
Sabendo que historicamente é consolidado que somente a organização e a mobilização permanente e ativa dos/as afetados/as pela mineração seja um instrumento que possa viabilizar resistências e favorecer uma possível reformulação da política mineral com base popular.
Frente a um Governo Federal e estadual na Bahia que venceu democraticamente o fascismo nas urnas e a indústria da desinformação e do ódio, um breve respiro democrático alcançado, eleito com discursos e intenções políticas de contribuir com os povos do campo, das águas e das florestas, o respeito à natureza e a erradicação da fome, que se reitera a necessidade do permanente diálogo e a participação e o controle popular sobre a mineração no intuito da defesa de territórios de vida e de produção de alimentos saudáveis com a preservação da natureza.
Sendo assim, diante dessa breve conjuntura apresentada que o MAM se manifesta na presente carta reivindicando pautas urgentes e já garantidas na Constituição Federal e adjacências como:
1 – Questão Agrária como primeiro e um dos principais assuntos de extrema relevância no “drama e na sangria” do território brasileiro; a regularização fundiária de terras e territórios de camponeses (acampados e assentados de reforma agrária), bem como o reconhecimento e a regularização de territórios indígenas, quilombolas, Fundo e Fecho de Pasto, Pescadores e Ribeirinhos, que são as populações que mais preservam a natureza;
2 – Segurança hídrica e preservação dos biomas como única saída para questões climáticas frente ao cenário alarmante de previsões científicas e ocorrências catastróficas percebidas no Brasil como as secas na Amazônia, intensas tempestades no Sul e o avanço da aridez no Nordeste brasileiro. São as comunidades tradicionais e os movimentos sociais que possuem as principais respostas e saídas para questões climáticas. A Bahia e sua vasta região semiárida necessita de atenção especial diante projetos minerais que poluem e/ou fazem uso excessivo de água em seus processos extrativos e de beneficiamentos;
3 – A urgente necessidade de ampliar e diversificar a produção de alimentos de base agroecológica e o fomento a outras formas de geração de renda em territórios impactados pela mineração na Bahia, estado marcado por forte índice de desemprego e informalidade;
4 – A atenção à Saúde, um direito universal e de primeira ordem garantidos pela luta e manutenção do SUS no Brasil, sejam priorizados em regiões onde a mineração atua com maior incidência, pois é sabido que qualquer alteração do ecossistema e os impactos ambientais provenientes da exploração mineral promovem o adoecimento humano a curto, médio e longo prazo tanto das populações que residem ao redor dos empreendimentos e dos trabalhadores/as do setor;
5 – Que a renda mineral gerada pelo setor ao extrair um bem finito e pertencente a União/coletividade brasileira seja diretamente revertida para as populações afetadas, de forma prioritária, tendo o povo a incidência nas decisões de alocação de recursos, bem como melhorando a infraestrutura local e o incentivo a diversificação das formas de geração de renda, a fim de evitar efeitos de dependência econômica exclusiva e predatória.
6 – Os instrumentos de participação e controle popular, medidas garantidas em legislações e acordos internacionais, sejam respeitados e aperfeiçoados. A luta por soberania é uma luta ativa pela garantia de direitos e no exercício da cidadania plena, conforme direitos universais. Um modelo econômico predatório que subjuga o povo brasileiro e baiano não é compatível com uma democracia que se almeja estar ao lado dos povos do campo e populações tradicionais. Desta forma, a participação e as definições do rumo que o setor mineral deverá tomar, daqui em diante, é imprescindível sem a população brasileira participando ativamente dessa escolha e processo coletivo.
Portanto, após esse rico encontro e intercâmbio de saberes e conhecimentos provenientes dos territórios baianos, com forte presença de jovens e mulheres, que o MAM torna esta carta pública expressando a nossa firmeza em Lutar por um novo modelo mineral soberano e popular.
Bahia, Salvador, 17 de junho de 2024.
Por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios!