Bahia

Mineração

Audiência Popular na ALBA Debate os Impactos da Mineração na Bahia

Representantes do governo, parlamentares e organizações discutiram necessidade de um outro modelo de desenvolvimento

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Audiência popular na ALBA debate impactos da mineração no estado - Ione Rochael/MAM

A Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) foi palco, no último dia 17, de uma audiência popular intitulada “Mineração na Bahia: um Debate Urgente e Necessário”, organizado pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) com o apoio do deputado estadual Marcelino Galo (PT). O evento marcou o encerramento do 1º Encontro Estadual do MAM-BA e reuniu diversas organizações e movimentos sociais.

A audiência abordou questões centrais relacionadas à mineração na Bahia, enfatizando a necessidade de um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável. O evento destacou a importância de legislar em prol da classe trabalhadora. “Precisamos garantir que o desenvolvimento não aconteça às custas das comunidades locais,” afirmou o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL). “É fundamental que a legislação proteja os direitos dos trabalhadores e das populações afetadas pela mineração”, complementou.

Durante a audiência, foram discutidas as desigualdades na distribuição de terras na Bahia e os problemas agrários que antecedem a questão da mineração, afetando várias comunidades rurais e tradicionais. Lucas Zenha, integrante do Projeto Geografar, enfatizou que a Bahia possui mais de 680 concessões de lavra ativa e lidera em pesquisas minerais, com mais de 19 mil autorizações emitidas. Ele descreveu as áreas ocupadas por comunidades que resistem aos impactos da mineração como “territórios de vida.”


Debates destacaram a resistência das comunidades tradicionais aos avanços da mineração / Paulo Daniel

Também foi ressaltada a importância da presença popular nos espaços de decisão e criticada a falta de sensibilidade dos representantes governamentais em ouvir as demandas das comunidades. Após as falas contundentes e emocionantes de moradores de diversas comunidades baianas em conflito com a mineração, o representante da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) e o da Secretaria de Desenvolvimento Econômico apresentaram dados sobre “oportunidades minerais” no estado e os grandes lucros que empresas estrangeiras vêm tendo com a exploração mineral predatória que vêm desempenhando na Bahia. Nenhum deles falou sobre o que havia sido denunciado pelas comunidades anteriormente.

O modelo de mineração adotado pela CBPM, que beneficia principalmente empresas internacionais, foi questionado. José Beniezio, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), defendeu um projeto cidadão com políticas públicas que incluam a regularização fundiária e o fortalecimento da educação no campo. “O modelo de mineração adotado pela CBPM favorece interesses estrangeiros, enquanto nossas comunidades sofrem com os impactos ambientais e sociais”, criticou Beniezio.

A necessidade de uma perspectiva crítica em relação às políticas ambientais, mesmo em governos de esquerda, foi destacada. Hilton Coelho enfatizou que a luta política e a presença nos espaços institucionais são essenciais para garantir avanços ambientais e sociais. Ele defendeu que as comunidades tradicionais são verdadeiras guardiãs do meio ambiente, em oposição a políticas que favorecem o agronegócio e a mineração.

Cristiane Ribeiro, representante de Curaçá, criticou a ilusão de desenvolvimento promovida pela mineração, que resulta em destruição ambiental e social. “A mineração destrói nossas terras e nossas vidas, e não somos consultados antes que isso aconteça”.


Cristiane Ribeiro representou Curaçá no debate popular na ALBA / Helenna Castro

Allan dos Santos, de Uauá, destacou que os investimentos em grandes empreendimentos mineradores não beneficiam as comunidades locais, que acabam por suportar os impactos ambientais e sociais. Para Allan, “Os grandes projetos mineradores trazem lucro para poucos e sofrimento para muitos”.

Claudiana dos Santos, de Jacobina, ressaltou os danos provocados pela mineração em sua região, questionando o verdadeiro desenvolvimento trazido por essa atividade que compromete a qualidade de vida e o ambiente. “A mineração destrói tudo ao seu redor, e nós pagamos o preço”, afirmou Claudiana.

Tawary Titiah, indígena Pataxó Hã-hã-hãe, lamentou a perda de líderes indígenas e criticou a falta de proteção do Estado, enfatizando a importância do território para os povos indígenas e comunidades tradicionais: “Nossos líderes estão sendo perdidos, e o Estado não nos protege” afirmou.

Taciere Santana, representando a Chapada Diamantina, destacou os impactos negativos da mineração na gestão das águas e na economia de subsistência das comunidades locais, destacando a importância da organização comunitária para resistir aos impactos da mineração: “A mineração compromete nossas águas e nossa subsistência”.
 


Tawary Titiah falou sobre a falta de proteção do Estado a ativistas e lideranças / Helenna Castro

A audiência foi concluída com a leitura de uma carta consolidando as demandas e propostas discutidas durante o I Encontro Estadual do MAM Bahia. O documento reforçou a luta por um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável para a Bahia, destacando a mobilização popular e a resistência das comunidades tradicionais como fundamentais para enfrentar os desafios impostos pela mineração e promover um futuro mais equitativo e sustentável. “A resistência das comunidades é a chave para um futuro mais justo”, declarou Simone Jesus, da direção nacional do MAM Bahia. “Juntos, podemos construir um modelo de desenvolvimento que respeite nossas terras e nossas vidas”, concluiu a militante do MAM.

Confira a carta de demandas e propostas do I Encontro Estadual do MAM Bahia:

CARTA POLÍTICA – POR UM MODELO MINERAL SOBERANO E POPULAR

Entre os dias 14 e 17 de junho de 2024 estivemos reunidas e reunidos, aqui em Salvador, com muita animação e rebeldia realizando o 1º Encontro Estadual do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – Bahia.

 Foi sob o lema ‘’Debater, Unir e Organizar: Por um Modelo Mineral, Soberano e Popular’’ que os afetados e afetadas pela mineração na Bahia, em conjunto com uma rede de setores críticos ao modelo mineral construiu a presente carta política para demarcar as nossas reivindicações diante da estrutura e da conjuntura mineral conflituosa no Brasil e na Bahia. Diversos assuntos foram aprofundados e investigados nesta semana de pré São João na Bahia, objetivando uma maior compreensão do modelo mineral vigente e ensejando alteração profunda por um outro modelo soberano e popular.     

Diante da compreensão que esse modelo mineral brasileiro e latino-americano se apresenta como uma grande contradição, cujas trocas desiguais no mercado internacional perante a dependência econômica e política ainda vigente são decorrentes da formação social brasileira e sob forte influência e dependência econômica do capital global de países hegemônicos.    

Tendo consciência da priorização e destinação das explorações minerais na pauta de exportação, muitos sem qualquer tipo de beneficiamento, e que essa atividade acarreta severas destruições aos territórios de comunidades tradicionais e camponesas, populações de bairros periféricos e até mesmo os trabalhadores do setor mineral, que são amplamente terceirizados e precarizados.    

Sabendo que historicamente é consolidado que somente a organização e a mobilização permanente e ativa dos/as afetados/as pela mineração seja um instrumento que possa viabilizar resistências e favorecer uma possível reformulação da política mineral com base popular.    

Frente a um Governo Federal e estadual na Bahia que venceu democraticamente o fascismo nas urnas e a indústria da desinformação e do ódio, um breve respiro democrático alcançado, eleito com discursos e intenções políticas de contribuir com os povos do campo, das águas e das florestas, o respeito à natureza e a erradicação da fome, que se reitera a necessidade do permanente diálogo e a participação e o controle popular sobre a mineração no intuito da defesa de territórios de vida e de produção de alimentos saudáveis com a preservação da natureza.    

Sendo assim, diante dessa breve conjuntura apresentada que o MAM se manifesta na presente carta reivindicando pautas urgentes e já garantidas na Constituição Federal e adjacências como:    

1 – Questão Agrária como primeiro e um dos principais assuntos de extrema relevância no “drama e na sangria” do território brasileiro; a regularização fundiária de terras e territórios de camponeses (acampados e assentados de reforma agrária), bem como o reconhecimento e a regularização de territórios indígenas, quilombolas, Fundo e Fecho de Pasto, Pescadores e Ribeirinhos, que são as populações que mais preservam a natureza;                    

2 – Segurança hídrica e preservação dos biomas como única saída para questões climáticas frente ao cenário alarmante de previsões científicas e ocorrências catastróficas percebidas no Brasil como as secas na Amazônia, intensas tempestades no Sul e o avanço da aridez no Nordeste brasileiro. São as comunidades tradicionais e os movimentos sociais que possuem as principais respostas e saídas para questões climáticas. A Bahia e sua vasta região semiárida necessita de atenção especial diante projetos minerais que poluem e/ou fazem uso excessivo de água em seus processos extrativos e de beneficiamentos;    

3 – A urgente necessidade de ampliar e diversificar a produção de alimentos de base agroecológica e o fomento a outras formas de geração de renda em territórios impactados pela mineração na Bahia, estado marcado por forte índice de desemprego e informalidade;               

4 – A atenção à Saúde, um direito universal e de primeira ordem garantidos pela luta e manutenção do SUS no Brasil, sejam priorizados em regiões onde a mineração atua com maior incidência, pois é sabido que qualquer alteração do ecossistema e os impactos ambientais provenientes da exploração mineral promovem o adoecimento humano a curto, médio e longo prazo tanto das populações que residem ao redor dos empreendimentos e dos trabalhadores/as do setor;     

5 – Que a renda mineral gerada pelo setor ao extrair um bem finito e pertencente a União/coletividade brasileira seja diretamente revertida para as populações afetadas, de forma prioritária, tendo o povo a incidência nas decisões de alocação de recursos, bem como melhorando a infraestrutura local e o incentivo a diversificação das formas de geração de renda, a fim de evitar efeitos de dependência econômica exclusiva e predatória.       

6 – Os instrumentos de participação e controle popular, medidas garantidas em legislações e acordos internacionais, sejam respeitados e aperfeiçoados. A luta por soberania é uma luta ativa pela garantia de direitos e no exercício da cidadania plena, conforme direitos universais. Um modelo econômico predatório que subjuga o povo brasileiro e baiano não é compatível com uma democracia que se almeja estar ao lado dos povos do campo e populações tradicionais. Desta forma, a participação e as definições do rumo que o setor mineral deverá tomar, daqui em diante, é imprescindível sem a população brasileira participando ativamente dessa escolha e processo coletivo.      

Portanto, após esse rico encontro e intercâmbio de saberes e conhecimentos provenientes dos territórios baianos, com forte presença de jovens e mulheres, que o MAM torna esta carta pública expressando a nossa firmeza em Lutar por um novo modelo mineral soberano e popular.  

Bahia, Salvador, 17 de junho de 2024.

Por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios!