O Ministério Público Federal (MPF) denunciou dois homens, um deles um policial militar, por ataques ao Centro Cultural do Candomblé Castelo Alto de Xangô e à Sociedade Floresta Sagrada Alto de Xangô, entidades religiosas que têm a posse e funcionam na Fazenda Santa Inês, no município de Brumado, sudoeste do estado.
Os dois são acusados de invadir e vandalizar áreas consideras sagradas pela comunidade de candomblé que frequenta a casa, emitir ofensas de cunho racista e ameaçar religiosos e religiosas, além de roubar objetos, depois revendidos a terceiros. Se a denúncia for aceita pela Justiça, eles vão responder pelos crimes de furto qualificado, racismo por motivo de intolerância religiosa, crime ambiental e dano qualificado.
Na denúncia, o MPF relata que, em fevereiro de 2022, os dois homens invadiram o Centro Cultural Castelo Alto de Xangô com tratores e caçambas, destruíram áreas de mata essenciais para a prática de cultos religiosos, vandalizaram objetos, emitiram ofensas de cunho racista e ameaçaram colocar veneno na caixa d’água que abastece o templo religioso. Também usaram o trator para derrubar a torre de internet do local, depois revendida como sucata, e destelhar a casa da Floresta Sagrada Alto de Xangô, com o objetivo de impedir as práticas religiosas no local.
Várias testemunhas confirmam os ataques e as ofensas racistas ditas pelos denunciados. De acordo com o MPF, embora estivesse à paisana, o policial militar envolvido no episódio é bem conhecido da população local. Ele estava armado e atuava como se fosse o segurança particular do outro acusado. Segundo a denúncia, ele se valeu da sua posição para conseguir objetivos ilícitos, “abusou das prerrogativas, das facilidades e do respeito do cargo para blindar o outro agressor de qualquer reação das vítimas e atemorizá-las”.
Disputa de terras e intolerância religiosa
No documento, o MPF narra que a Fazenda Santa Inês foi comprada pela União em 1927 e, ao longo de décadas, vem sendo alvo de invasões praticados por uma multidão de particulares. “Nesse cenário, o Alto de Xangô se destaca justamente por ser uma das poucas ocupantes que não exerce a posse de forma clandestina, precária e sem justo título”, ressalta o órgão.
Há mais de 15 anos, a Sociedade Floresta Sagrada Alto de Xangô professa sua fé no interior da Fazenda com autorização da União para exercer posse sobre uma parcela da área total de 366 hectares.
A partir de 2014, a entidade religiosa passou a ser alvo de ataques praticados por particulares que disputavam regiões adjacentes e que começaram a invadir áreas de culto alegando serem os verdadeiros donos do lugar. Alguns deles chegaram a instalar um loteamento clandestino na região, falsificando escrituras públicas para reivindicar lotes situados dentro do imóvel federal.
Por conta disso, o MPF já havia movido uma ação civil pública para garantir a proteção da posse das entidades religiosas. Também já havia oferecido em ação penal contra o grupo que fraudou os registros imobiliários da União e instalou o loteamento clandestino. Há ainda inquérito policial que apura crimes cometidos contra o Alto de Xangô.
Apesar desse pano de fundo, o MPF destaca que o ataque objeto da denúncia não se resume a uma questão de disputa de terras. A destruição das áreas de floresta consideradas sagradas configura não apenas crime ambiental contra patrimônio da União, mas também um ato de intolerância à religião de matriz africana.
Laudos periciais produzidos pela equipe do MPF comprovam o desmatamento e reforçam a importância das áreas de mata para a prática de cultos religiosos. “No caso concreto, a supressão de vegetação foi praticada com o objetivo de atentar contra a dignidade e o sentimento religiosos dos membros do terreiro de candomblé”, afirma a denúncia.
Além da condenação pelos crimes apontados, o MPF pede ainda que os dois denunciados sejam condenados a pagar R$ 20 mil para a Sociedade Floresta Sagrada Alto de Xangô a título de reparação pelos danos morais e materiais. Requer ainda que o policial militar seja condenado à pena de perda do cargo público em virtude do envolvimento no episódio.
*Com informações do MPF
Edição: Gabriela Amorim