Bahia

Coluna

Educação antirracista: avanços e desafios

Imagem de perfil do Colunistaesd
Implementação total da Lei 10.639/2003 ainda está distante em praticamente todo o país - Agência Brasília
Mesmo com 21 anos de criada, a Lei 10.639 ainda não cumpriu plenamente o seu papel.

Desde 2003, fruto da mobilização nacional do movimento negro, o Brasil conta com a Lei 10.639, que prevê a inclusão da história e da cultura afro-brasileira nos currículos de todas as escolas públicas e privadas do país.

O objetivo da lei é valorizar a herança ancestral e a presença contemporânea dos chamados “afrodescendentes”, enfatizando o seu papel na formação socioeconômica e cultural do país, destacando o protagonismo e a resistência  diante do processo opressor desde o regime escravista até a atualidade.

Mesmo com 21 anos de criada, a lei ainda não cumpriu plenamente o seu papel. De acordo com um estudo lançado em janeiro de 2024 pelos institutos Geledés e Alana, somente 29% das prefeituras incluem a temática racial de forma satisfatória na grade curricular das escolas municipais. Esse levantamento reúne experiências exitosas das redes municipais de ensino em Belém (PA), Cabo Frio (RJ), Criciúma (SC), Diadema (SP), Ibitiara (BA) e Londrina (PR)
Das prefeituras, 18% ignoram totalmente a história e a cultura da população negra, enquanto 53% só fazem projetos esporádicos e poucos estruturados, se limitando a atividades pontuais no Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro. Essa cultura de “eventos”, como desfiles e exposições, não é eficaz, é preciso aprofundar o debate, promover uma revolução de valores que impactem as práticas sociais a partir do cotidiano das pessoas.

A mesma pesquisa desses institutos  indica que, entre os fatores que prejudicam o cumprimento da lei, está a resistência dos professores, dos diretores e das famílias, que entendem a educação antirracista como desnecessária ou até prejudicial aos estudantes. Sabemos que a crença disseminada de que o racismo estrutural brasileiro não existe, alimenta a cultura do silenciamento diante da opressão racial, que persiste no contexto social contemporâneo, bem ilustrada na mídia com frequência.

O sistema educacional  pode naturalizar as desigualdades socio raciais e a perversa disparidade de oportunidades de acesso da população negra aos direitos sociais: à saúde, ao trabalho, à educação, à cultura, as chances de ascensão social e aos postos de comando do poder público e da iniciativa privada.Essa realidade é naturalizada quando o ambiente escolar ensina que os africanos e seus descendentes só participaram da história do Brasil como escravizados e silencia marcos importantes dessa cultura.

Mas, como nos ensinou Paulo Freire, a comunicação, a cultura e a educação podem ser instrumentos de transformação social potentes, de efetivas mudanças nas pessoas e na sociedade, de democratização do poder político. Seguimos acreditando nessa educação crítica e revolucionária, aprendendo com os movimentos sociais a reescrever nossa história.

Tive oportunidade de conhecer duas experiências na Bahia: o Plano Municipal de Educação Antirracista da Prefeitura de Cachoeira, no Recôncavo baiano e a da Escola Municipal Maria Quitéria, em Camaçari, Litoral Norte da Bahia. A de Cachoeira, em 2022 recebeu, na categoria voto popular, o Prêmio Nacional Espírito Público, promovido e apoiado pela Fundação Lemann, República.org, Instituto Humanize, Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Columbia Global Centers e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A de Camaçari premiou a professora de Língua Portuguesa e assessora técnica da Secretaria de Educação do Estado (SEC) Vitalina Silva, na categoria Educadores Inovadores, na segunda edição do Prêmio do Movimento LED- Luz na Educação, promovido pela Rede Globo e Fundação Roberto Marinho.

Dentre os poucos avanços obtidos temos a nova Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola apresentada pelo Ministério da Educação esse mês de maio.

Além dos investimentos de 55 milhões nas escolas, a criação da política foca na formação de gestores escolares e professores em educação para as relações étnico-raciais. Atualmente, segundo o MEC, apenas 1,5% dos gestores e 0,92% dos docentes têm formação de 80 horas na área, essa etapa ofertará programas de formação para os educadores.

Estão previstos editais para a produção de cinco protocolos de prevenção e resposta ao racismo em instituições de ensino para a educação infantil, o ensino fundamental, o ensino médio e a educação superior. As medidas também incluem ações de afirmação das trajetórias negras e quilombolas, o compartilhamento e a disseminação de conhecimentos sobre a educação e a cultura quilombola, bem como da cultura negra e de ações que promovem a educação antirracista.

Diante de políticas públicas “bem intencionadas”, nos cabe continuar exigindo o efetivo combate ao racismo, em todas as dimensões da vida social brasileira, no esporte, na política ambiental, na educação, na representação política institucional, no ambiente de trabalho e na mídia. Afinal, tudo que conquistamos devemos às bandeiras de luta dos movimentos sociais em geral e do movimento negro em particular. Sigamos!

Edição: Gabriela Amorim