A arte de Jeff Alan traz o protagonismo negro para a arquitetura expositiva da Caixa Cultural Salvador, a partir desta terça-feira (21), às 19 horas. A mostra “Comigo Ninguém Pode – a pintura de Jeff Alan” apresenta personagens reais da periferia do Recife e também de outras capitais. A abertura contará com a presença do artista que conduzirá uma visita guiada pelo espaço.
A mostra, com 41 obras, já circulou por diversas capitais, além do Recife, apresentando do público as expressões, trejeitos, traços e texturas retintas de negritudes cotidianas testemunhadas em seu dia a dia. A exposição é gratuita e pode ser visitada até o dia 28 de julho.
O expressivo título “Comigo Ninguém Pode" já aponta a força da ancestralidade e do olhar que impulsiona a arte de Alan. É prova de que a planta mística que garante proteção e prosperidade em muitos lares brasileiros é também a força que move e inspira quem caminha confiante e incansável no desejo de expandir conexões e de ampliar as possibilidades de existências negras.
Ninguém pode com Jeff Alan
“Impossível”, palavra que não existe no dicionário de uma equipe que sonha junto. Sob a curadoria de Bruno Albertim, as pessoas pretas enobrecem as telas e estampam novos lugares para si. Ao retomar essas trajetórias, a exposição reposiciona os holofotes e atualiza no tempo o que, historicamente, negaram aos artistas negros: protagonizarem e escreverem, ou, neste caso, pintarem a sua própria história. É assim que olhando o outro como a si mesmo, a mostra disponibiliza mais de 40 trabalhos figurativos, 2 inéditos. Obras de diversas dimensões em acrílica sobre tela e desenho sobre papel que figuram o cotidiano e a cultura das ruas por onde transitam as personagens de Jeff.
Para Albertim, o trabalho primoroso de Alan resgata as narrativas e os rostos ancestrais dos que foram dizimados da história. Dos que choraram a dor de rupturas familiares, de extermínio, de escravização de seus corpos. Na percepção do curador, o artista reescreve a saudade permanente e sem rostos, cuja face sumiu da história. “Jeff Alan preenche os espaços em perverso branco da história. Sua potente narrativa visual, preenche fraturas da memória coletiva e projeta a cura de antigas feridas”, afirma Bruno.
Para ele, ao trazer seus contemporâneos para o centro da composição e a lugares sociais historicamente negados, o trabalho de Alan produz memória e poder social. “Alan põe em decomposição a figura do preto em estado de subalternidade, degradante e naturalizado”, declara o curador que vê com otimismo a chegada da mostra em Salvador, no território da maior população de origem africana fora de África. “Na cidade do abolicionista, Luiz Gama, filho da líder, Luísa Mahin, Jeff nos impele em sua gramática visual a pactuar e impor a nossa liberdade, a cada vez que nos quiserem escravizar outra vez”, declara.
Periferias Paralelas
É da comunidade do Barro, na Zona Oeste do Recife, onde vive e mantém seu ateliê, que o artista encontra toda a matéria-prima para a sua arte. Daltônico, Jeff Alan pinta desde a infância, motivado pela mãe. É da periferia, tecido urbano de áreas vulnerabilizadas, que ele nutre os ingredientes do que tece com os seus pincéis. É deste lugar de fala e de potência que Alan multiplica as vozes das quebradas e a leva para o mundo das suas pinturas. Corpos retratos de periferias brasileiras, como as de Salvador.
Fruto de um grande sonho coletivo, de inquietação e revolta pelas invisibilidades históricas que acompanham os corpos negros, Jeff acredita nessa exposição como o sonho de um povo. “Antes de ir para o museu, essa exposição é para as periferias. A minha obra nasce na rua. Espero que o público se sinta representado e olhe essas obras como quem se olha no espelho”, declara.
As pessoas pintadas por Jeff Alan fazem parte do seu dia a dia. Gente, geralmente, conhecida, com quem já teve alguma troca. É assim, com diálogo, respeito e consentimento que Jeff descreve a sua relação com as personalidades pintadas. No entendimento de sua obra como um ato político, o artista conta que esses retratos nascem durante a pandemia, ao decidir pintar pessoas em situação de rua. “Essa é a minha forma de reivindicar, de falar de sonhos, vida e vontade de viver”, diz.
Ainda dentro da agenda de atividades, o projeto traz nos dias 12 e 13 de junho oficinas com Jeff Alan voltadas para pessoas com alguma prática artística.
Edição: Gabriela Amorim