Um estudo publicado nesta segunda-feira (13) na revista "Nature Sustentability" detalha como a expansão rápida da geração de energia eólica e solar, nas últimas duas décadas, favoreceu o avanço irregular de empresas sobre terras, inclusive públicas, para a instalação de usinas no Brasil, em especial no Nordeste. O material também avalia a presença de atores privados estrangeiros no mercado.
O levantamento realizado pelos pesquisadores demonstra que, até 2021, mais de um terço dos parques eólicos foi construído em locais sem título de terra, sendo que áreas públicas não-designadas de uso comum respondem por 7% do total ocupado e outras formas de terras públicas, 2%. Além disso, 28% da área registrada até aquele ano baseia-se exclusivamente no Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento inválido como comprovante de titulação fundiária.
A análise foi feita por pesquisadores da Universidade de Recursos Naturais e Ciências da Vida (Áustria) e da London College (Inglaterra) e cruza dados espaciais de parques eólicos e solares, situação fundiária e investimentos realizados entre 2000 e 2021.
Empresas globais, principalmente da Europa, têm dedicado significativos investimentos ao setor energético do Brasil. Embora empresas listadas como nacionais respondam por 89% dos parques eólicos, a maioria opera como subsidiárias de conglomerados internacionais. Empresas com participação estrangeira atuam em 78% do terreno ocupado por parques eólicos. O índice sobe para 96% no caso de usinas de energia solar fotovoltaica.
As dez maiores empresas eólicas constam como brasileiras, mas sete delas são subsidiárias de companhias de fora e somam 68% da área dedicada a esses parques no país. As gigantes Enel (Itália) e Engie (França) detêm juntas 52% da área.
A energia solar fotovoltaica centralizada mostra um nível ainda maior de participação estrangeira: está em 90% da área ocupada pela atividade. Só a Enel está em 30% dessas terras. A análise destaca ainda que muitas dessas empresas têm financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) exige a garantia de direito de utilização do espaço para conceder a outorga, que autoriza a instalação e a operação, às empresas. Com isso, há uma corrida pelo arrendamento ou cessão de uso da área onde o parque será instalado.
Esse processo tem prejudicado severamente os pequenos proprietários, que estão sujeitos a contratos abusivos, como demonstrou estudo publicado pelo Inesc em 2023.
"Dado o ritmo de aquisição de terras, há uma correlação direta entre a privatização (da terra) e o desenvolvimento de parques eólicos e solares fotovoltaicos", escrevem os autores em uma nota que acompanhou a publicação. "Isso é particularmente grave no Nordeste do Brasil, onde as condições geofísicas são ideais para o desenvolvimento de energia renovável, mas a posse da terra é sujeita a uma profunda insegurança e conflito decorrente de inequidades históricas na propriedade da terra, lacunas regulatórias e governança fraca", acrescentam.
Grilagem verde
No Brasil, parques eólicos e usinas solares fotovoltaicas têm se expandido rapidamente desde 2010. Essa expansão foi impulsionada por políticas energéticas voltadas a diversificar a matriz elétrica e reduzir a dependência nacional em hidrelétricas.
Se, por um lado, o objetivo foi alcançado, por outro o avanço se deu com poucos cuidados para evitar impactos, especialmente sobre comunidades e povos tradicionais e campesinos.
"A grilagem verde enfatiza o impacto de agendas 'verdes' que legitimam esses negócios de terra, como esforços para mitigar as mudanças climáticas. A modificação da posse da terra no contexto da transição energética leva a uma reestruturação abrangente das regras legais e da autoridade para garantir o acesso e o controle sobre a terra e, como relatado no Brasil, também pode contribuir para a anistia de grilagens ilegais anteriores e, portanto, para formas legitimadas de desapropriação", escrevem os pesquisadores.
Em janeiro deste ano, um grupo de 29 organizações ambientais e ligadas a comunidades impactadas pela energia eólica, com apoio do grupo Nordeste Potência, lançou um documento que traz mais de cem recomendações para reduzir os impactos fundiários da expansão das fontes eólica e solar.
"Não é possível que os setores de energia eólica e solar perpetuem práticas irregulares em nome de uma 'agenda verde', nem que bancos, Estados e o governo federal compactuem com as inúmeras violências envolvidas na geração de eletricidade", diz a coordenadora do Nordeste Potência, Cristina Amorim. "Medidas responsáveis devem ser tomadas urgentemente, para que possamos combater as mudanças climáticas e as desigualdades sociais ao mesmo tempo", complementa.
Edição: Gabriela Amorim