O ano era 2023 e, pela primeira vez em mais de 520 anos de resistência, um Ministério específico para os povos originários era erguido, e a liderança indígena, deputada federal eleita por São Paulo, Sônia Guajajara, assumia a pasta.
Outro momento importante foi a presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que passou a ser presidida por uma indígena, Joênia Wapichana, que também foi a primeira deputada federal indígena no Brasil.
No Congresso Nacional, em meio aos 513 deputados, estão elas: Célia Xakriabá e Juliana Cardoso, mulheres indígenas que não se calam quando se trata da defesa dos direitos tradicionais. Elas fazem parte do movimento político que quer aldear a política, “Bancada do Cocar”. São elas as vozes dos mais de 1,7 milhão de indígenas no Parlamento, nos corredores da chamada “Casa do Povo”. Seus rostos são marcados e seus andares acompanhados pelo olhar daqueles que não engoliram ter indígenas em espaço de poder.
Mulheres indígenas em movimento
Linha de frente na luta pela demarcação, mobilizações e defesa da Mãe Terra, as mulheres indígenas estão cada vez mais ocupando espaços de protagonismo. Se antes era difícil ver mulheres caciques, tuxauas ou lideranças em seus territórios, hoje isso está cada vez mais presente em vários povos.
A líder indígena Elínia Macuxi, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, do estado de Roraima, coordenadora de mulheres de sua região, pontua que nos últimos anos houve grandes avanços. Em sua visão, elas estão cada vez mais organizadas, e os intercâmbios com outras mulheres de estados diferentes é um fortalecimento dessa luta.
Elínia faz um pedido: “Para as mulheres do Brasil, peço que nós tenhamos essa força, essa união, para poder continuar na luta, defendendo nossos direitos, direitos das mulheres, direitos sobre o Território, educação e saúde”, reforça.
Ancestralidade e luta
Com a força do maracá e com os pés firmes no chão, as mulheres originárias são guerreiras, embora muitas das vezes ainda invisibilizadas em seus trabalhos. Elas são as parteiras, pajés, curandeiras, artesãs e até Ministra de Estado e, mesmo assim, ainda enfrentam preconceitos de uma sociedade que nasceu do estupro de milhares de mulheres indígenas.
Não é muito difícil ouvir pessoas falando que sua avó foi “pega no laço”. Essa frase remete a um passado sombrio desse país que derramou sangue das ancestrais indígenas. Isso não deve ser usado como orgulho para quem quer contar a história de seu passado ancestral.
Resistência das mulheres indígenas
Apesar do Ministério dos Povos Indígenas e Funai serem comandados por lideranças indígenas, os desafios são como um barco no rio: é preciso ir remando e muitas das vezes contra a maré. O Ministério teve que ser criado do zero, e a Funai reconstruída. Sem orçamentos suficientes, o primeiro ano foi de muitas batalhas no governo, mas como sempre as mulheres se mantiveram firmes e de cabeça erguida.
A presidenta da Funai, Joênia Wapichana, declarou após retomada do órgão indigenista, que no primeiro ano o recurso foi insuficiente para atender as demandas dos povos indígenas e para reestruturar a Funai, que há anos estava “jogada às traças”.
“A Funai voltou! No entanto, é preciso que tenhamos mais recursos para conseguir atender os territórios indígenas no Brasil. Mas já há avanços: conseguimos colocar dentro do Concurso Unificado 30% de vagas específicas para indígenas na Funai”, destacou Joênia.
CESE e o apoio às mulheres indígenas
Ocupando cada vez mais espaços de poder e de tomadas de decisões, mulheres indígenas ganham voz e falam por elas mesmas. E em lugares que antes eram invisibilizadas.
Elas desempenham papel importante dentro e fora de seus territórios. São detentoras de saberes ancestrais, são raízes de seus povos, de histórias que resistem ao tempo, protegendo a floresta e o território da exploração, das queimadas, da poluição, fazendo um enfrentamento direto aos impactos climáticos para conservação de ecossistemas e biodiversidade.
A Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), como organização ecumênica, segue reafirmando seu compromisso apoiando a luta dos povos indígenas nas diversas regiões do país por seus direitos culturais e territoriais. Nos últimos quinze anos, a CESE apoiou cerca de 580 projetos voltados para o fortalecimento dos povos indígenas, sendo 110 específicos para mulheres indígenas.
O projeto “Patak Maymu: Autonomia e participação das mulheres indígenas da Amazônia e do Cerrado na defesa de seus direitos”, tem como objetivo fortalecer a autonomia e incentivar a participação ativa de mulheres indígenas e suas organizações para defesa dos direitos fundamentais e na preservação dos seus territórios, com apoio e financiamento da União Europeia.
No ano de 2023, o Patak Maymu apoiou 27 organizações indígenas. O projeto conta com a parceria de importantes organizações indígenas da Amazônia e do Cerrado, como: Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab); organizações e coletivos de mulheres indígenas de povos do Cerrado: Organização de Mulheres Indígenas Takiná (Mato Grosso), Organização de Mulheres Indígenas Guarani Kaiowá - Kunhangue Aty Guasu e Fundo Indígena da Amazônia Brasileira (Podáali).
Por meio da parceria com organizações que priorizam a igualdade de gênero em suas atividades, a iniciativa busca capacitá-las através de atividades de formação, comunicação e apoio a projetos. Essas ações contemplam a diversidade das mulheres indígenas e organizações mistas, incluindo a juventude indígena no contexto urbano.
A expectativa é que o projeto alcance mais de 3 mil mulheres indígenas com o desenvolvimento das ações, durante os três anos de vigência.
Edição: Gabriela Amorim