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Como esse peixe veio parar aqui?

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Peixes e frutos do mar são alimentos procurados para substituir a carne vermelha no feriado - Foto: Chuttersnap/Unsplash
Protagonista nas mesas das sextas-feiras santas, o peixe tornou-se opção inquestionável

A semana santa chegou, trazendo consigo o gostinho do peixe. Protagonista nas mesas das sextas-feiras santas, o peixe tornou-se opção inquestionável. Nessa época do ano, as prateleiras e freezers dos mercados ficam abarrotadas de “peixe tipo bacalhau”, “bacalhau” e “corvina”, sendo o bacalhau bem mais caro de todos, sobretudo em nossos tempos inflacionados. Carestias à parte, um aspecto instiga: de onde veio o hábito do consumo de peixes, nas sextas-feiras antecessoras à Páscoa? A resposta não é simples, falar de cultura nunca é simples. Mas dentre todas as complexidades que abarcam uma cultura, vou me ater a três questões: o jejum, o simbolismo do peixe e os prazeres da carne.

Comecemos com o jejum. Um dos modos clássicos de penitência católica desde os seus primórdios, jejuar seria uma prática, uma forma material, para rememorar o martírio de Cristo. A privação da comida, neste caso, se torna uma maneira de demonstração de fé, respeito, remissão dos pecados e, sob muitos ângulos, uma resistência diante das maiores formas de prazer e sacrilégio humano. Jejuar, para o catolicismo, é uma via de reconciliação entre o corpo e a alma. A quaresma, período que antecede a Páscoa na tradição cristã, é a época perfeita. Pois perdão e reconstrução são ideais a serem alcançados.

Mas se o jejum é a privação total ou parcial de certos alimentos, por que o peixe é única fonte de proteína animal permitida aos fiéis? Primeiramente é preciso memorar a importância dos peixes como produto da economia silvestre no passado Oriente Médio. Há cerca de 2 mil anos, os primeiros discípulos de Jesus eram pescadores e desde aquela época o peixe simbolizava o homem cristão. No que tange à presença de peixe nas mesas dos praticantes católicos, precisamos avançar à época do contexto histórico de Jesus e nos dirigir até a Idade Média.

Naquela época, de acordo com Massimo Montanari, historiador da alimentação, o peixe era menos apreciado que a carne, não só por motivos dietéticos – os médicos consideravam um alimento pouco nutritivo – mas, também, por questões de imagem: segundo uma prática desenvolvida nos monastérios, a Igreja substituiu a carne por peixe em caso de penitências. O peixe era fonte alimentar dos pobres e optá-lo como fonte alimentar em situações de privação era também uma forma de se aproximar ao divino. A presença do peixe, nas mesas das Sextas Feiras Santas, provavelmente veio daí.

Comer carne vermelha era e ainda é sinônimo de poder e prazer, ideais contrários àqueles pregados nos tempos de quaresma. Abundante nas mesas dos nobres e protagonista nos banquetes festivos a carne vermelha era o que se comia “com mais prazer do que qualquer outro alimento”, disse Carlos Magno. E foi por essa razão que, na época carolíngia, os delitos e as covardias eram punidos com abstenção de carne durante curtos períodos ou por toda a vida. Do passado ao presente, o simbolismo da carne quase sempre foi o mesmo nas sociedades ocidentais, a presença da palavra picanha, nos discursos de Lula não me deixa mentir.

Diante desse brevíssimo apanhado histórico, uma coisa é certa: se achegar ao divino pode ser fácil, até sentir o cheiro de um espetinho.

Boa Semana Santa a todos.

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Gabriela Amorim