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Mineração e conflito no Alto Sertão da Bahia

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Mina da Pedra de Ferro, explorada pela Bamin, no Alto Sertão baiano - Divulgação/Bamin
A exploração do minério e os conflitos decorrentes duraram por todo o século XX com altos e baixos

Coletivo de Comunicação MAM-BA

Parte I: O processo histórico da mineração no Alto Sertão

O Alto Sertão Baiano é uma região no interior da Bahia que abrange mais de 40 municípios, estes divididos em cinco territórios de identidade: o Sertão produtivo e a Bacia do Paramirim em sua totalidade, alguns municípios do Velho Chico e do Sudoeste baiano, além da cidade de Rio de Contas na Chapada Diamantina. Sua nomenclatura deriva do termo Certam de cima, correspondente à margem direita do Rio São Francisco, área onde se concentram os maiores pontos de altitude do Nordeste brasileiro.

O processo de colonização na região se deu a partir da descoberta de ouro e da estruturação da Vila de Minas do Rio de Contas, vila que junto com a de Jacobina, se tornou o principal centro econômico do interior da Bahia a partir do século XVIII. Para garantir a atividade mineral, inicia-se um movimento de colonização na região visando inicialmente a prática da agricultura e da pecuária para suprir a grande massa de trabalhadores que eram atraídos pela descoberta do minério e os que foram trazidos para trabalhar em regime de escravidão.

No entanto, ainda em fins do século XVIII, foi descoberta uma diversidade de minérios na região, como o salitre em Palmas de Monte Alto e a ametista em Brejinho das Ametistas, hoje distrito de Caetité, território que, como indica o seu topônimo, nasceu e se desenvolveu em torno da atividade mineral.

A historiografia oficial costumava apontar esse período como de grande desenvolvimento regional, no entanto precisamos questionar o tipo de desenvolvimento possível dentro de um modo de produção escravista. Caetité, por exemplo, além de se formar como um ponto de referência na rota de atravessamento dos minérios e dos trabalhadores das minas, se constituiu enquanto uma base de apoio ao tráfico de mão-de-obra escravizada e disto se forma uma classe dominante latifundiária, escravista e influente.

O processo das lutas, fugas e libertação dos negros formou um território de maioria de população negra, ainda que de forma distante dos centros. A maior prova disso são as 65 comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares em toda a extensão do Alto Sertão baiano (2020). Além de comunidades negras, formaram-se grupos familiares oriundos dos trabalhos nas minas e nas fazendas, e grupos formados por pequenos fazendeiros que faliram e foram marginalizados ou excluídos dos processos de herança. Basicamente um campesinato embranquecido que se fixou em terras de maior disposição hídrica e com maiores condições de produtividade.

O declínio da mineração na Chapada entre fins do século XVIII e início do XIX não ofuscou as descobertas e a inauguração de outras atividades minerais na região. Pelo contrário, o fim deste ciclo estimula o desenvolvimento de outras atividades, como a exploração de salitre em Palmas do Monte Alto e principalmente a exploração de ametista em Brejinho das Ametistas.

Esta exploração se inicia a partir da segunda metade do século XIX e se aprofunda no início do século XX com a injeção de capital alemão. Esse processo foi desenvolvido com inúmeros conflitos entre os garimpeiros, trabalhadores que já realizavam a extração do minério de forma artesanal, e os “donos” dos garimpos.

Da ametista ao ferro

O conflito fundamental entre a mineração e o povo durante o século XX no Alto Sertão envolve a exploração de ametista na área denominada Serra do Salto, formação geológica que se estende por Caetité, Licínio de Almeida, Jacaraci, Pindaí e Urandi e no entorno da Vila de Brejinho das Ametistas, controlada inicialmente pelos alemães e posteriormente adquirida pela família Fernandes.

A exploração do minério e os conflitos decorrentes duraram por todo o século XX com altos e baixos, até o início do século XXI, quando os garimpeiros iniciaram um processo de organização e luta e conseguiram conquistar o garimpo de ametista para obter o controle da exploração a partir do ano de 2003. Porém, a disputa interna entre garimpeiros, a influência política de uma pequena burguesia, a corrupção e a ausência de uma organização política interna e administrativa levaram a cooperativa à falência, entrando em colapso a partir de 2011.

Paralelo à exploração de ametista no século XX, entra em cena a mineração de ferro e manganês com as descobertas realizadas no período anterior a ditadura militar. Em 1964 é dada a autorização de lavra à empresa Urandi S/A subsidiária da antiga Vale do Rio Doce, que concentrou a exploração na área denominada “Pedra de Ferro”, pertencente naquele período ao município de Urandi. Esta atividade ganha força especialmente na década de 1980 e início da década de 1990, período em que eclodiram algumas manifestações de trabalhadores da mineração reivindicando melhores condições de trabalho. Esta exploração só irá arrefecer após a privatização da Vale do Rio Doce em 1997.

Somente com o boom da mineração no início dos anos 2000 que a área da Pedra de Ferro voltará a ser especulada para a produção mineral. Após o abandono da Vale do território minerado, as populações historicamente fixadas, que em alguma medida dependiam do trabalho na mineração, passaram a minerar o espaço de forma artesanal e sem nenhum apoio do Estado.

O principal especulador deste território foi o geólogo João Calvalcanti que inicia o processo de apropriação das áreas mineradas pelos camponeses até concretizar a comercialização destas para investidores da Índia em 2007. Em 2010, o projeto foi adquirido pela ENRC (Eurasian Natural Resources Corporation), corporação multinacional do Cazaquistão que foi adquirida pela Eurasian Group Resources (ERG) em 2013.

O motor desta ofensiva, além do aumento do preço do minério no mercado internacional, foi a política neodesenvolvimentista nacional que retomou o projeto de construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL). Este projeto se inicia sob a gestão da estatal VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., empresa responsável por uma série de violações sobre comunidades quilombolas e indígenas no período das desapropriações para a construção da ferrovia, a partir de 2008, e é adquirido pela ERG em 2021 através de sua subsidiária, a mineradora Bahia Mineração S/A (BAMIN).

Pode-se afirmar que este projeto é o que desencadeia e organiza o principal conflito mineral na região do Alto Sertão baiano deste século, pois é a partir dele que se intensificam as pesquisas minerais no entorno da área da Pedra de Ferro e a consequente tentativa de apropriação privada do território pelas empresas de mineração e energia eólica.

Ancorados na retórica do desenvolvimento, a empresa e o Estado promovem de cima para baixo e sem a participação das comunidades afetadas o esmagamento dos direitos da população ao território e a destruição de relações sociais históricas de produção e reprodução da vida, questões essenciais para a sustentação econômica, política, social e cultural dessas populações do campo.

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Gabriela Amorim