Esses paradigmas são responsáveis por diversos episódios de expulsão de populações
Taciere Santana, militante do MAM
Padrão da mineração na Bahia
O Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) é um dos apoiadores das comunidades afetadas pela mineração na Chapada Diamantina. O movimento traz em pauta a necessidade de autonomia das comunidades em relação às ações e projetos desenvolvidos nos territórios. Questionada sobre os impactos causados pelo mecanismo do capital mineral, a militante do movimento, Jaine Miranda, traz que os efeitos danosos são observados tanto na ordem social, ambiental, econômica e da saúde.
Diante disso, o impacto mais perceptível está no quesito estrutural, uma vez que o setor é responsável por uma série de atividades de desmatamento que alimenta o mercado econômico exportador, enquanto os subsídios destinados a essa atividade não produz nenhum retorno positivo para as áreas e grupos afetados. Esses paradigmas são responsáveis por diversos episódios de expulsão de populações de seus territórios.
O MAM, ao fazer uma leitura dos avanços das pesquisas minerais no território da Chapada, pontua para uma reprodução do que já vem acontecendo em todo o estado baiano, em que mais da metade dos municípios possui processos minerários, sejam eles de pesquisa ou de extração comercial, principalmente devido ao apelo pela da transição energética.
“A realidade mineral da Bahia é desoladora. Por conta dos altos índices de procura por minerais, o mercado internacional está sedento por minerais, principalmente nessa época em que se fala muito em transição energética. Os setores de produção dizem que vão precisar construir torres para energia eólica, mas para isso é preciso muito minério, muita água; para construir placas solares, muito minério e muita água; a produção de carros elétricos também segue os mesmos critérios: muito minério e muita água”, diz Miranda, militante do MAM. Ela ainda acrescenta que “a realidade nossa se liga a uma realidade mundial”.
Movimento Salve a Serra da Chapadinha
A leste de Bocaina, em Piatã, e vizinha do Parque Nacional da Chapada Diamantina, está localizada a Serra da Chapadinha, com uma grande imponência em atributos naturais. A área que comporta a Serra é ainda um santuário no que diz respeito à grandeza hídrica do estado da Bahia.
A região compreende as cidades de Itaetê, Ibicoara e Mucugê. Uma área com poucos moradores, em que a maioria se encontra às margens do rio Una; são na maioria assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e comunidades quilombolas.
Nessas áreas de grande altitude, nascem e crescem diversos rios que alimentam intensamente a Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu, responsável pelo abastecimento de mais de 50 cidades em todo o seu curso e da capital e região metropolitana. Recentemente, a ameaça às potências hídricas do território e degradação de fauna e flora, muitas vezes endêmicas, por meio da grande incidência de pesquisas do setor mineral, vem causando alarme na população e grupos de pesquisas socioambientais.
Segundo integrantes do Movimento Salve a Serra da Chapadinha, a ameaça no contexto mineral já existe há algumas décadas, com processos de alvará de pesquisas desde meados dos anos 1980. Mas em comparação com os últimos anos é perceptível um pacote maior de incentivos para produção e comercialização de produtos oriundos da mineração. “A partir de 2020, começou a ter mais mobilizações na exploração minerária, o pessoal começou a ter mais iniciativa, fazer as pesquisas e isso vem muito em convergência com a política do governo do Estado, de criação de ferrovias, para escoamento do minério, do Porto Sul”, informou um dos integrantes do movimento que pediu para não ser identificado. O Porto Sul é uma construção privada que promete ser um dos maiores complexos de logística do Nordeste e um dos mais importantes do Brasil.
O Movimento Salve a Serra da Chapadinha é pensado para a luta de proteção ambiental, tendo em vista o quanto a instalação de uma mineradora pode gerar de problemáticas para a região. O movimento ratifica que “é fundamental e emergencial a criação da Unidade de Conservação da Serra da Chapadinha para proteger essa região, em especial o fornecimento de água para milhões de pessoas, todos os contextos da biodiversidade”, disse um dos integrantes.
Diante disso, a população civil e políticos aliados propõem como solução emergencial que o governador Jerônimo Rodrigues assine o decreto e torne a Serra da Chapadinha uma Unidade de Conservação Estadual. O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao governo da Bahia e à Agência Nacional de Mineração (ANM) que se cumpram ações de cuidado com os povos tradicionais, a partir da criação da UC.
O território de identidade da Chapada Diamantina não é cobiçado apenas pelo setor mineral, mas o que ocorre é uma confluência dos setores comerciais de produção, a exemplo do agronegócio e energias eólicas e solares. Diante disso, o Fórum Popular da Natureza problematiza o isolamento dos estudos da incidência de tais empreendimentos no território. “A gente está falando de mineração e às vezes a gente isola. Acha que é o único empreendimento grande impactando o patrimônio natural, mas no cenário atual temos licença para o agronegócio, complexos eólicos, e infelizmente o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e o Estado não têm uma avaliação de todas essas influências conjuntas”, pontuou Andréa Mostaço, integrante do Fórum.
Consultamos o grupo de pesquisa Geografar - A Geografia dos Assentamentos na Área Rural, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), para explicar o que significa essa abertura massiva para as pesquisas minerais, que acontecem em todo o estado. Valdirene Souza, pesquisadora do grupo, trouxe o dado que o aumento das autorizações para pesquisa minerais no estado teve um salto de quase 22% das poligonais de autorização de pesquisa do setor, dentre o período de 2021 a 2023, até o mês de junho. Segundo Valdirene Souza, esse avanço sobre territórios marginalizados tende a aumentar o número de conflitos. “A gente observa que é um avanço muito rápido, e consequentemente vai se refletir no avanço nos conflitos. Porque a mineração por si só já é conflituosa. Desde o início das pesquisas já é possível observar os conflitos, uma vez que as comunidades já são afetadas desde a chegada da empresa, que muitas vezes não executam processos de escuta”, pondera Valdirene Souza.
Entramos em contato com a Brazil Iron para que pudesse expor seus posicionamentos em relação às atividades da Mina Mocó. Entretanto, até a finalização desta reportagem, não obtivemos retorno. O espaço segue aberto.
* Texto publicado originalmente no blog Chapada em Revista.
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Gabriela Amorim