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Educação

Recomposição orçamentária para assistência estudantil ainda é insuficiente

Orçamentos para assistência estudantil e estrutura das universidades tem sido retomado, mas ainda é insuficiente

Salvador |
Assistência estudantil ainda sofre com orçamento curto - UFBA

A política de assistência estudantil no Brasil não é um processo recente. Se trata de uma luta travada por movimentos sociais e estudantis pelo menos desde a década de 1930, e diretamente relacionada aos contextos político, social e econômico de cada época.

Nos últimos anos, no entanto, houve um desmonte nas políticas e recursos voltados para as universidades como um todo, o que gerou fortes impactos nos estudantes mais vulneráveis. Durante o governo Michel Temer (MDB), parte do orçamento das universidades e institutos federais foram alvo de bloqueios, cortes e reduções. Já o governo Jair Bolsonaro (2019-2022) foi o que mais fez cortes nos Ministérios da Educação (MEC) e da Ciência e Tecnologia (MCT) desde 1999, ano mais recente em que há dados no sistema federal.

“A gente constata que destruir políticas públicas é muito fácil. Todo o processo de desmonte são ações muito rápidas, grosseiras, violentas. Enquanto para construir leva muito tempo entre conceber, projetar, implementar e ver os resultados”, lamenta Raquel Nery, diretora da Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (PROIFES-Federação).

Para ela, os efeitos desse desmonte, quando somados à pandemia de covid-19, se refletem na queda de inscritos no Enem; na queda do financiamento que garante as condições básicas de manutenção da comunidade universitária; aumento da evasão dos estudantes; além de um processo de desencantamento da experiência universitária.

“A universidade foi atacada de múltiplas maneiras, a dimensão orçamentária é uma delas, mas também a simbólica, na sua importância, representações. Houve um investimento muito pesado na desconstrução da imagem positiva da universidade na vida brasileira”, avalia.

A diretora da PROIFES-Federação considera ainda outro elemento: as perdas subjetivas. Estas dizem respeito às experiências individuais e histórias dos diversos sujeitos afetados e estudantes que tiveram expectativas frustradas.


Universidades federais sofreram cortes sucessivos em seus orçamentos. Recomposição ainda é insuficiente. / UFBA

Quem conhece muitas dessas histórias é o Diretor do Instituto de Química da UFBA, Martins Dias Cerqueira. Para ele, o período foi especialmente complicado em dois aspectos: o primeiro é o corte de recursos, que precarizou a estrutura da universidade, e tornou o retorno pós pandemia ainda mais difícil.

“Quando paramos, pela pandemia, a universidade estava com verba pra funcionar meio ano apenas. Então, era uma tensão na universidade sobre como a gente ia terminar o ano, sobre faltar dinheiro pra comprar papel higiênico, pagar servidor terceirizado”, lembra.

O segundo aspecto destacado pelo professor, foram os ataques da última gestão federal. “Éramos um alvo de ataques, fake news foram espalhadas. Os ministros da Educação pareciam inimigos nossos. Foi um ambiente hostil”. Hoje, uma das principais preocupações de Martins em sala de aula no que diz respeito à comunidade universitária, é a saúde mental. Refletida, por exemplo, na recorrência de ataques de pânico sofridos pelos estudantes.

“Fingimos que a pandemia não fez nada com a gente, e voltamos ao normal porque tiramos a máscara. As políticas de assistência estudantil, envolvem também saúde, atendimento psicológico e outros atendimentos médicos que ficaram mais fragilizados no pós-pandemia”, aponta.


Recomposição orçamentária

Após quatro anos de desmonte das universidades públicas, ainda com orçamento apertado, foram retomadas em 2023 as políticas de financiamento, assistência e permanência para as instituições de ensino superior no país. Em abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou um repasse de R$ 2,44 bilhões para o fortalecimento do ensino superior e profissional e tecnológico no Brasil.

Do total anunciado, 70% (R$ 1,7 bilhão) tinham como destino a recomposição direta das finanças, sendo aproximadamente R$ 1,32 bilhão para universidades e R$ 388 milhões para institutos. Os outros R$ 730 milhões deveriam ser aplicados para atender obras e ações que foram deixadas sem cobertura pela gestão anterior, a exemplo da residência médica e multiprofissional e bolsas de permanência.

De acordo com Raquel, essa recomposição diz respeito ao que o estudante vai encontrar na universidade, ou seja, uma formação de excelência, lastreada em uma boa infraestrutura: de salas de aulas, laboratórios, internet, materiais e equipamentos necessários.

O reajuste do valor das bolsas de pesquisa é outro elemento fundamental apontado pela diretora da PROIFES-Federação. Como o reajuste de bolsas de fomento tecnológico e extensão em até 94%, e o reajuste de 40% nas bolsas de mestrado e doutorado da Capes e do CNPq, cujos valores estavam congelados havia 10 anos.


Raquel Nery, do PROIFES-Federação, lamenta a destruição das políticas públicas de permanência ao longo dos anos / Proifes/Divulgação

“Essa medida tem um impacto enorme na vida dos nossos estudantes. Porque o estudante que trabalha para sobreviver ou complementar a renda, deixa de viver a universidade. Tem coisas que a universidade demanda em termos de experiências, práticas, vivências, que requer tempo, ambiência dentro das várias instâncias que a vida universitária abriga”, pondera Raquel.

Por fim, a diretora não deixa de destacar as necessidades básicas, como alimentação e moradia. Um exemplo, é a abertura do restaurante universitário no campus da UFBA do Vale do Canela.

Apesar dos avanços, Martins faz ressalvas. O diretor do Instituto de Química acredita que a recomposição orçamentária foi um alento. Mas ainda é parcial. “Esse aumento de bolsas deu esperança aos estudantes porque o custo de vida aumentou muito da pandemia pra cá. Mas não estamos folgados. A bolsa ainda é muito defasada, não cobre as despesas”, diz.

“Tudo passa pelo orçamento”, continua. O professor lembra que não é possível, por exemplo, aumentar a assistência médica, se o número de psicólogos contratados na universidade é pequeno; ou atender às necessidades dos estudantes em vulnerabilidade de moradia sem a estrutura básica mínima nas residências universitárias.

“Não é porque a reitoria quer, é porque não tem orçamento. Estamos falando de recomposição, porque tá abaixo do mínimo. Não estamos com orçamento equivalente ao de 2014 nominal ainda. E se fosse igual, ainda estaria defasado devido à inflação. A universidade é lugar de acolhimento, mas, para isso, o orçamento precisa ser recomposto de forma mais intensa, o que ainda não está sendo feito”, explica.

Assistência estudantil

Para reconstruir décadas de trabalho proveniente da luta dos movimentos sociais e estudantis, é preciso muito mais tempo, recursos e políticas, é o que apontam os professores. O objetivo é garantir que a assistência estudantil permita que os estudantes mais vulneráveis socialmente exerçam seu direito de permanecer na universidade.


Martins Dias Cerqueira, diretor do Instituto de Química da UFBA: "Tudo passa pelo orçamento" / CFQ/Divulgação

Raquel explica que o caminho a ser traçado não é simples, porque a universidade está sustentada no tripé: ensino, pesquisa e extensão. Ou seja, é preciso primeiro localizar a política de assistência estudantil nessa dimensão da universidade.

“A universidade nunca existe em si mesma e para si mesma. De um lado, ela está em interação com os estudantes, porque o processo de formação não diz respeito apenas ao mundo do trabalho, mas também à dimensão humana. A priorização da política de assistência estudantil é resultado do reconhecimento de que um dos sentidos da universidade está nos sujeitos estudantes”, observa.

Para aprimorar essa assistência, Raquel defende que é preciso considerar esses sujeitos nas suas várias dimensões: a saúde física, a saúde mental, a infraestrutura com bibliotecas, acesso à internet, alimentação, boas salas de aula e laboratórios e boas condições de trabalho dos professores e professoras. Além disso, a diretora acredita que a universidade precisa estar atenta a elementos como a evasão, estágios supervisionados, à relação entre as características curriculares dos cursos e as demandas do mundo do trabalho, em um mundo que se transforma rapidamente.

“Todos esses elementos também fazem parte dos desafios que a universidade encontra e que dizem respeito também aos usos dos recursos que a sociedade lhe fornece para que ela funcione e se volte, no fim das contas, para a própria sociedade”, completa Raquel.

* Este conteúdo foi produzido com o apoio da Apub.

Edição: Gabriela Amorim