Não é de hoje que Salvador e região metropolitana lideram listas de maiores taxas de desemprego
Claudia Monteiro Fernandes
Pesquisadora do Núcleo Salvador do Observatório das Metrópoles, economista, doutora em ciências sociais pela UFBA.
Em tempos de festejos tradicionais, festas de largo, de verão e de carnaval, parece contraditório refletir sobre uma das metrópoles mais desiguais do Brasil. Mas é importante lembrar que estamos em pleno debate de projetos políticos eleitorais sobre o futuro desta capital, que foi a primeira do Brasil e hoje é conhecida como uma das mais violentas e com maiores desemprego e informalidade.
O Observatório das Metrópoles é um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), organizado em rede de pesquisadores que investiga temas relacionados aos processos de metropolização há mais de 30 anos, com sede nacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). No núcleo da região metropolitana de Salvador, a coordenação está na Universidade Federal da Bahia (UFBA), com pesquisadores da Universidade Católica de Salvador (UCSal) e do Instituto Federal da Bahia (IFBA). As atividades de pesquisa realizadas são interdisciplinares, de forma a melhor abordar a diversidade da realidade metropolitana e das múltiplas desigualdades regionais.
Desde 2022, o Observatório tem feito esforços de comunicar os resultados de pesquisas que vêm sendo feitas nacionalmente, não apenas nos espaços acadêmicos. É com esse intuito que, em 2024, foi elaborado o projeto nacional intitulado “Observatório das Metrópoles nas Eleições: um outro futuro é possível”, do qual participam os 18 núcleos metropolitanos que fazem parte da rede. Este artigo abre nossa parceria com o Brasil de Fato Bahia, para tratar de temas importantes sobre a região metropolitana de Salvador em momento político fundamental para pensar a metrópole baiana.
Recentemente, Salvador entrou para as manchetes nacionais com o resultado do Censo 2022, que indicou uma redução da sua população. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 colocou a violência do estado da Bahia em evidência nacional e entre as 20 cidades com mais de 100 mil habitantes mais violentas do país, 11 são cidades baianas e três delas estão na região metropolitana: Simões Filho, Camaçari e Salvador.
Não é de hoje que Salvador e região metropolitana lideram listas de maiores taxas de desemprego. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE, no 3º trimestre de 2023, enquanto a taxa nacional de desocupação era de 7,7%, a metrópole baiana tinha taxa de 16,6%, mais que o dobro da média nacional e sempre entre maiores nas 20 metrópoles acompanhadas pelo IBGE. Desde 2019, Salvador ultrapassou o Rio de Janeiro em números absolutos de homicídios, de acordo com o Atlas da Violência. Em 2023, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Salvador foi a segunda capital com maior taxa de homicídios (66 homicídios por 100 mil habitantes), abaixo apenas de Macapá, no Amapá (70 homicídios por 100 mil habitantes), sendo que Salvador tem mais de cinco vezes a população de Macapá.
Essa realidade pode ficar ofuscada pela vocação turística e de serviços da metrópole. Salvador foi indicada como o mais desejado destino turístico em pesquisa do Ministério do Turismo e recebe anualmente em torno de 600 mil visitantes nos primeiros meses do ano e no Carnaval. É inegável que a cada verão a cidade tem sua dinâmica econômica aquecida, com aumento nas vendas do comércio, no setor de bares e restaurantes e serviços. O que preocupa os moradores é que esse aquecimento tornou a economia da metrópole sazonal, como podemos perceber na série histórica das taxas de desocupação do IBGE desde 2012, que mostra queda do desemprego no quarto trimestre de cada ano, mas se mantém em patamar sempre bem acima da média nacional.
Como manter a economia da metrópole dinâmica para seus moradores e não apenas na estação de festas? Como reduzir desigualdades históricas, que têm cara e território dentro da metrópole? São questões que precisam ser debatidas em 2024.
Por exemplo: muitos visitantes chegam na RMS e pouco ficam em Salvador - do Aeroporto, na divisa entre Salvador e Lauro de Freitas, seguem para o Litoral Norte, preferem hospedagem em Camaçari ou Mata de São João, com visitas pontuais ao centro do Carnaval. No resto do verão, a preferência é a praia. E com o aumento do uso da tecnologia dos aplicativos, cresceu muito o número de aluguéis por temporada. Esse aquecimento concentra-se entre os meses de dezembro e fevereiro de cada ano, e não beneficia os moradores das áreas mais segregadas de Salvador. É na Orla Atlântica da capital, conectada com as praias de Lauro de Freitas, que se dá a maior oferta e demanda de imóveis à beira mar, com fácil mobilidade para os pontos turísticos da metrópole.
Essa segregação espacial é a realidade da região metropolitana de Salvador que é vivida no dia a dia dos seus moradores. Os circuitos turísticos e de carnaval “oficial” ficam no Centro Antigo da capital e na orla atlântica entre os bairros tradicionais da Barra até Ondina, onde concentram-se os moradores que se declaram “brancos”, com maiores rendimentos e melhores condições de mobilidade e direito à cidade.
Os moradores do chamado “miolo” da metrópole, do Subúrbio Ferroviário ou de municípios densamente povoados da RMS, como Simões Filho – já mencionado como um dos mais violentos do Brasil em 2023 – participam massivamente das festas de verão, mas principalmente como trabalhadores informais. São nesses territórios que são oferecidos os “Carnavais nos Bairros”, onde são instalados palcos para manter os moradores em seus territórios – em 2024, havia previsão de palcos fixos nos bairros da Liberdade, Periperi, Pau da Lima, Plataforma, Boca do Rio, Itapuã e Cajazeiras. Não é à toa que esses sejam os bairros de perfil predominantemente negro e popular da capital.
Comemoremos, sim, a cidade que é o destino turístico mais desejado do Brasil. Mas vamos construir a cidade para seus moradores em todos os períodos do ano. Enquanto cidadãos que pensam a metrópole, esperamos que as propostas de políticas públicas que serão discutidas em 2024 levem em consideração uma Salvador real, não apenas a cidade idealmente desejada pelos que moram fora dela. É o momento de pensar propostas para uma metrópole segregada e desigual que é Salvador, com mais justiça espacial e social para seus moradores e visitantes.
Edição: Gabriela Amorim