O denominador comum das lutas é a questão agrária em sua dimensão territorial, envolvendo a terra
Lucas Zenha é Doutor em Geografia pelo PPGEO/UFBA; Pesquisador do Grupo de Pesquisa GeografAR/UFBA; Professor na UNIFESSPA.
Valdirene Sousa é Doutoranda em Geografia pelo PPGEO/UFBA; Pesquisadora do Grupo de Pesquisa GeografAR/UFBA; Professora no IFBA
O modelo mineral praticado na Bahia segue a estrutura/conjuntura da atividade minerária brasileira, porém guarda suas particularidades regionais e apresenta nuances de agressividade e pujança na expropriação dos “territórios-abrigos” das comunidades tradicionais e das populações do campo. Como ponto de partida, conforme destacado por Germani (2006), é importante analisar as “condições históricas e sociais que regulam a apropriação privada dos bens da natureza”. Assim, o espaço geográfico deve ser analisado na sua totalidade que envolve terra, água, subsolo, ar, sol, a relação sociedade/natureza tanto na pauta do campo, quanto da cidade. O denominador comum das lutas é a questão agrária em sua dimensão territorial, envolvendo a terra, as técnicas e as condições de trabalho. Tudo isso está situado sobre uma lógica mercantil vinculada ao “desenvolvimento desigual e combinado”, como contribuiu Neil Smith (1988) algumas décadas atrás. É por esse caminho e via metodológica que se pretende analisar “o problema mineral baiano e seus elementos conjunturais” no presente texto.
O histórico de exploração mineral na Bahia foi destrinchado a partir da concepção de territórios extrativo-minerais do passado, presente e futuro, desenvolvida por Lucas Antonino (2019). Na atualidade, se observa uma “nova roupagem”, porém o modus operandi é semelhante ao modelo de exploração mineral colonial. A gênese do processo se mantém centrado na lógica da dependência, no imperialismo, na financeirização da natureza, no saque mineral e na pilhagem dos territórios. Nesse contexto, se verifica o aumento dos processos e da área minerada no Brasil e na Bahia nos últimos 35 anos (Mapbiomas, 2021) sob uma vertiginosa e crescente demanda global por bens primários que produziu o “boom das commodities”, conforme apontou Milanez (2017). Nesse cenário, destacam-se também as alterações no arcabouço jurídico que, estrategicamente, produzem a “desburocratização” dos processos minerários por meio da ação do Estado, além do histórico de diversos desastres-crimes da mineração no Brasil (a exemplo dos fatos trágicos ocorridos em Mariana, 2015; Barcarena, 2018; Maceió, 2018; e Brumadinho, 2019).
Atualmente, no plano mundial, a demanda por minérios se intensifica em decorrência da crise do imperialismo e da necessidade de aprofundar o padrão de violência (a partir dos conflitos bélicos) enquanto mecanismo de sobrevivência e domínio sobre os povos da periferia do mundo. Outro aspecto concomitante, que concorre dentro desse processo, é a chamada transição energética, enquanto política dos países centrais (EUA, Grã-Bretanha, União Europeia, Japão) e a China, assim como a disputa tecnológica em torno das tecnologias 5G. São elementos que têm conduzido a uma corrida acelerada sobre os bens minerais dispostos, em especial, na América Latina e na África.
Diante dessa conjuntura, o avanço da mineração e a ampliação e aprofundamento dos conflitos territoriais entre o capital hegemônico e as populações do campo no Brasil e na Bahia tendem a ascender rápida e continuamente. Com um Governo Federal de “frente ampla”; com a força do lobby da mineração, tanto no poder executivo quanto no legislativo, e até mesmo no judiciário; a presença de uma Frente Parlamentar da Mineração contando com mais de 230 parlamentares – sendo que 122 deles também integram a frente do agronegócio; além do surgimento de organizações vinculadas ao setor corporativo, como o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), o Sindicato das Indústrias Extrativas de Minerais Metálicos, Metais Nobres e Preciosos, Pedras Preciosas e Semipreciosas e Magnesita no Estado da Bahia (SINDIMIBA) e o Instituto de Desenvolvimento da Mineração (IDM). Assim, cercado por todos os lados, o sistema se reestrutura e retroalimenta, perpetuando um modelo de minerar injusto e violento.
O Governo Federal anunciou, em agosto de 2023, o lançamento do Plano Nacional de Minerais Estratégicos, com foco na produção energética e de fertilizantes, pretendendo “atacar todos os gargalos da mineração” e promover uma “mineração ágil” pois, estima-se que atualmente existam 70 mil licenças paradas, aguardando trâmites da Agência Nacional de Mineração (ANM). Se o atual cenário é preocupante, o que vislumbrar dos planos esboçados?
O discurso do Governo da Bahia adota a mesma lógica há décadas e enaltece o estado como a “terra de minérios” e o setor mineral a “bola da vez” da economia, mesmo o Brasil e o mundo passando, simultaneamente, por um debate e uma situação de crise climática. Coloca-se em pauta temas como “transição energética”, a busca por “minerais críticos”, práticas de ESG (do inglês “environmental, social and governance”) e outras narrativas que buscam justificar a importância da mineração e enfatizar sua essencialidade. Argumentos e discursos contraditórios que nos induzem a enxergar a conjuntura de forma pessimista.
Para consultas a respeito de pesquisas sobre mineração e conflitos na Bahia, acesse: https://geografar.ufba.br/mineracao
REFERÊNCIAS
ANTONINO, Lucas Zenha. Territórios Extrativo-Mineral na Bahia: Violações de Direitos e Conflitos nos Territórios Terra-Abrigo. Tese (Doutorado em Geografia). Instituto de Geociências. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2019.
GERMANI, Guiomar Inez. Condições históricas e sociais que regulam o acesso à terra no espaço agrário brasileiro. In: Geotextos, v.2, n.2, p.115-147, 2006.
MAPBIOMAS. Área ocupada pela mineração no Brasil cresce mais de 6 vezes entre 1985 e 2020. Reportagem. Disponível em: <https://mapbiomas.org/area-ocupada-pela-mineracao-no-brasil-cresce-mais-de-6-vezes-entre-1985-e-2020 2021>. Acesso em 10/10/2021.
MILANEZ, Bruno. Boom ou bolha? A influência do mercado financeiro sobre o preço do minério de ferro no período 2000-2016. Versos - Textos para Discussão PoEMAS, v. 1, n. S2, p. 1-18, 2017.
SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual: natureza, capital e a produção do espaço. Trad. Eduardo de Almeida Navarro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. As Geografias dos Movimentos Sociais na América Latina: Avanços Teóricos. [2017] data provável.
SACK, Robert David. Human territoriality: Its theory and history. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
WANDERLEY, Luiz Jardim de Moraes. Conflitos e Movimentos Sociais Populares em Área de Mineração na Amazônia Brasileira. (Mestrado em Geografia) - UFRJ/PPGG, Rio de Janeiro 2008.
Edição: Gabriela Amorim