Ao completar 40 anos de luta, o MST chega à marca de 40 mil pessoas assentadas na Bahia e mais de cem mil militantes espalhados por todo o estado. Evanildo Costa, da direção nacional do movimento na Bahia, avalia que o MST passa por um momento de boas perspectivas e muita luta.
Nesta entrevista ao Brasil de Fato Bahia ele ressalta ainda a credibilidade conquistada pelo movimento junto à sociedade de maneira geral e os exemplos de solidariedade e organização social do MST. “Acho que a contribuição que o MST tem dado para a sociedade e irá continuar dando é justamente, através das suas ações concretas. Mostrar para a população que só através da unidade da classe trabalhadora é possível avançar em conquistas”, diz.
Brasil de Fato Bahia - Nesses 40 anos de história, quais foram as principais conquistas do MST na Bahia?
Evanildo Costa - Eu acho que uma das principais conquistas que o MST teve durante essa história de 36 anos na Bahia e 40 no Brasil, foi levar, aqui no estado, mais de 40 mil pessoas que viviam na cidade sem muita perspectiva de vida, para o campo, para poder ter uma estabilidade de vida. Então, são mais de 40 mil pessoas que estão em assentamentos já regularizado e outros em áreas consolidada, ou seja, em pré-assentamento. Essas pessoas estão trabalhando, todas têm uma casa para morar e todas as crianças estão na escola. Eu acho essa uma conquista muito grande do nosso movimento, que soma mais de 100 mil pessoas em todo o estado, que estão vinculadas direto à reforma agrária.
Depois, eu acho que a credibilidade que nós conquistamos na sociedade, de um modo geral, principalmente no último período em que a extrema-direita procurou criminalizar o MST e os movimentos de luta pela terra. Nós mostramos e foi comprovado que a sociedade ajudou a defender o nosso movimento, porque entende que a nossa luta é justa, a nossa luta é pelo cumprimento da Constituição Federal, de desapropriar as terras que não produzem, não cumprem a função social, para destinar para a reforma agrária. E o MST tem feito essa luta constantemente para poder garantir que as terras sejam destinadas para a reforma agrária.
E [a sociedade] entende também que estas terras estando na mão da reforma agrária, do MST e de outros movimentos do campo, com certeza, elas vão produzir alimentação de verdade. E as pessoas que estão ali, além de produzir comida de verdade, vão preservar o meio ambiente e vão reflorestar aquilo que foi destruído pela pecuária extensiva, pelo latifúndio e pelo agronegócio. Então, essa credibilidade da opinião pública também foi fundamental, uma conquista importante que nós adquirimos no último período.
A Bahia está há mais de 16 sendo governada por um partido progressista. Quais são os desafios da militância em governos de esquerda? E quais foram os avanços nesse contexto?
A gente sabe a importância disso, porque nós já vivemos também em governos de oligarquia, em governos autoritários, como vivemos o último no Brasil, em que as pessoas, os movimentos sociais não tinham sequer o direito de questionar, de se manifestar e lutar pelos seus direitos. Muitas pessoas foram reprimidas, foram assassinadas pelo latifúndio. Durante um governo progressista, não tenho dúvida, que [isso] ainda acontece, mas não acontece na mesma velocidade, na mesma crueldade que aconteceu em momentos anteriores, de a gente ter diversas famílias sendo massacradas, torturadas pela polícia e muitas vezes de forma clandestina, por jagunços junto com policiais, dando despejo clandestino em áreas de assentamento.
Por outro lado, temos a própria melhoria para os assentamentos, os governos de esquerda têm outro tipo de sensibilidade de tratar essa pauta. Mas nós também sabemos do nosso papel. Nenhum governo municipal, estadual ou nacional vai fazer ações para os assentamentos, vai desenvolver política se não tiver uma pressão popular. Até porque, o tempo todo há uma luta contra os investimentos nas políticas de reforma agrária, nos assentamentos de reforma agrária. Exemplo disso foram as CPIs criadas nos últimos períodos para poder chantagear o governo, mas ao mesmo tempo, paralisar a reforma agrária.
Então, por isso tem que ter governo popular, mas tem que ter lutas concretas, enfrentamento concreto contra o latifúndio e contra o próprio Estado burguês, para que ele, de fato, cumpra o seu papel de desenvolver políticas públicas para melhorar a vida do povo no campo. Então, a nossa experiência enquanto movimento aqui no estado da Bahia, é dizer que é importante ter o governo popular, mas mais importante ainda é ter a luta cotidiana para fazer com que o governo cumpre a pauta dos assentados e acampados e dos movimentos no contexto geral.
Como a experiência do MST pode ajudar a sociedade na construção desse novo mundo tão sonhado?
Acho que a contribuição que o MST tem dado para a sociedade – e irá continuar dando – é justamente, através das suas ações concretas, mostrar para a população que só através da unidade da classe trabalhadora é possível avançar em conquistas, é possível superar os momentos difíceis como os que a gente passou, inclusive nos últimos períodos. Por exemplo, quando o MST adota práticas de solidariedade, essas ações, não tenha dúvida, ajudaram milhares de pessoas nas periferias urbanas dos grandes centros. Fizemos distribuição de alimentos nos períodos de enchente, fizemos limpezas de casa, levantamos casa para muitas famílias na cidade. O MST desenvolveu diversas ações de solidariedade em todo o Brasil. Então, eu acho que essas ações têm mostrado e ajudado a fazer com que a sociedade entenda que só através da unidade da classe trabalhadora que nós vamos conseguir superar os nossos problemas.
E outra coisa é na evolução da consciência. Os trabalhadores precisam cada vez mais ter consciência, que eles têm que ter cada vez mais unidade, porque se a gente não tiver unidade, a gente não consegue superar, porque as riquezas estão acumuladas, estão concentradas na mão de poucos. E nesses momentos de dificuldade, essas riquezas que estão concentradas nas mãos de poucos não estão à disposição de ajudar as pessoas que mais precisam. Nós não vimos grandes doações de alimento do agronegócio para as pessoas em processo de dificuldade. Então, só a gente ter esse nível de consciência de nos ajudar e de nos unificar e evoluir o nosso nível de consciência já é muito importante para poder a gente superar a dificuldade e avançar com a reforma agrária e avançar no processo de uma sociedade fraterna e igualitária para todos.
Quais são as perspectivas para o futuro do movimento?
O MST hoje vive um momento muito importante na sociedade brasileira, onde que as pessoas reconhecem o movimento, até pelo tanto de perseguição, CPI que foi feita para perseguir militantes, para desmoralizar a organização no contexto geral. Mas essa CPI, essas perseguições serviram para a gente fazer um grande debate em toda sociedade baiana e brasileira, sobre a importância da reforma agrária. Mostrou também para a sociedade que o nosso movimento é um movimento sério. O movimento enfrentou a sua quinta CPI e saiu dessa CPI maior do que entrou. As pessoas que nos acusaram são as pessoas, inclusive, que saíram desmoralizados de todo esse processo.
Então, por isso a nossa perspectiva para o futuro, eu acho que a gente tem que continuar avançando na luta pela reforma agrária, na luta pela terra que é o nosso principal objetivo. Mas também é importante a gente avançar num processo da luta institucional. Passamos a entender isso principalmente nos últimos períodos, que é importante ter pessoas comprometidas em todos os espaços de decisão, não basta estar só no campo fazendo a luta pela reforma agrária. É importante que nas Câmaras de Vereadores tenham pessoas que defendem a reforma agrária, que defendam os movimentos sociais, que defendam as bandeiras populares, que combatam o feminicídio, que combatam LGBTfobia, que combatam todos os tipos de preconceito. Acho que isso é de fundamental importância.
Sem dizer que jamais deveremos abrir mão da nossa luta concreta que vai, de fato, garantir com que as políticas e as conquistas cheguem onde devem chegar para beneficiar os trabalhadores. A nossa expectativa é muito otimista para o próximo período, porque nós entendemos que estamos vivendo um momento novo, um momento importante, mas também entendemos que é um momento de organizar a classe trabalhadora, que só o povo na rua é que vai fazer de fato as mudanças necessárias para mudar a vida do povo baiano e do povo brasileiro.
Edição: Alfredo Portugal