Nos acampamentos e assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a relação com a terra e o alimento começa ainda na infância. Garantir a sobrevivência das culturas alimentares através da educação para o alimento é um entendimento passado ainda nos primeiros anos de vida. Por isso, as crianças Sem Terrinha constroem desde cedo uma conexão diferenciada com a terra e com os frutos que brotam dela.
Síntia Paula Carvalho, coordenadora do Setor de Educação do MST na Bahia, explica que a terra para o Movimento tem um valor primordial. “A luta pela terra é a luta pelo direito da moradia, de produzir alimentos saudáveis, de morar e ser um camponês com direitos. Um Sem Terra, com direitos”, diz. É com esse valor inegociável que as crianças são ensinadas a conviver, vivenciar e participar deste processo de permanência na terra.
“As crianças sem terrinha moram no assentamento. Vivem no assentamento. Elas conduzem junto com suas famílias a sua terra, o seu lote, a sua casa, o seu espaço de produzir alimentos saudáveis. E esse é o nosso principal objetivo de ter terra”, acrescenta Síntia.
Ela explica que esse processo inicia antes até de que os Sem Terrinha comecem a frequentar a escola formalmente. “As crianças, desde a primeira infância, antes mesmo de ir para escola, elas já têm essa compreensão do que é produzir sem veneno, o que é produzir sem agrotóxico, de cuidar dos bens da natureza, de trazer agroecologia e produzir agroecológico para dentro do seu lote, para dentro da sua família. Ter relações saudáveis e produção de alimentos saudáveis”, explica.
Neste mesmo entendimento, Maria Gilmara e Silva, mais conhecida como Gil, militante da Regional Nordeste do MST na Bahia e também colaboradora do Setor de Educação, reforça que o diferencial do ensino infantil no Movimento é justamente o conhecimento para produzir os próprios alimentos de forma saudável, colocando em prática a agroecologia e formando crianças conscientes para transformar o meio em que vivem.
A relação de Gil com os Sem Terrinha começa desde o acampamento, na orientação e valorização da importância de produzir alimentos saudáveis até a importância de estar na escola. “As nossas crianças são educadas nesta relação. Acreditando que só a educação é capaz de transformar e adequar a realidade de cada um, levando para eles a importância de cuidar do ambiente que eles vivem”, declara.
Gilmara, que também é pedagoga, constrói no contato com as crianças um caminhar juntos. “O MST tem essa tarefa de acompanhar a educação de nossas crianças e nossos adolescentes e jovens. E, de geração em geração, contribuir nesse processo de luta, sem esquecer da questão do ensino da escola, da pedagogia, do nosso jeito de ser, com a nossa identidade Sem Terra”, acrescenta.
Ela afirma que uma das singularidades do ensino oferecido no Movimento é a união de cultura e educação no espaço escolar, levando, por exemplo, poesias e músicas para dentro das escolas. “Esse é o nosso papel enquanto o Setor de Educação, enquanto educador das nossas áreas de reforma agrária: contribuir para a formação das nossas crianças para que tenham o desejo e o interesse de continuar na terra. De se formar, de estudar e de dar continuidade na própria militância”, pontua a pedagoga Síntia.
Culturas alimentares
Garantir a sobrevivência das culturas alimentares através dessa educação para o alimento é pauta fundamental na luta do MST. A militante Gil defende que a educação dos Sem Terrinha sempre teve o foco na preservação das culturas. “Isso é tão importante para nós! Porque é uma história de luta, de resistência, de construir e acreditar na transformação social de ter sujeitos conscientes”, declara.
Uma preocupação que alcança também as culturas alimentares. “A cultura da alimentação saudável sempre teve presente na infância e sempre foi assim no MST. O Movimento sempre teve essa preocupação com a infância. O cuidado de ter uma alimentação saudável e de fazer esse debate dentro das nossas escolas sobre o que é ter um alimento saudável, o que é produzir alimentos sem veneno, sem agrotóxico, alimento agroecológico”, defende Síntia.
Ela ainda acrescenta que tratar, na escola, de temas como de onde vem a comida, sementes crioulas, transgênicos, agroecologia, tem uma importância enorme na infância, que segue até a vida adulta.
“A criança tem o direito de aprender. Tem o direito de saber o que é alimento saudável, o que é comida com veneno. Saber qual é a melhor forma de viver. Isso para nós tem um lugar e esse lugar precisa ser discutido e debatido. De que a alimentação saudável é o caminho para a sobrevivência da humanidade, dos bens, da natureza, do cuidado com o outro, do cuidado das relações. Em uma sociedade com o rompimento do racismo e do patriarcado. Esses debates precisam ser feitos desde a infância”, acrescenta Síntia confiante do trabalho educativo que desenvolve no Movimento.
Edição: Gabriela Amorim