O ENEM é um “leilão” pré-universitário que não democratiza o acesso à universidade. Esse Exame impede algumas pessoas de ingressarem no nível superior, porque não obtiveram a pontuação imposta pela métrica da nota de corte do curso escolhido e/ou por zerarem a dissertação. Democratizar o acesso à universidade é criar um número de vagas em instituições públicas que inclua todas, todes e todos. Se para iniciar a carreira acadêmica é imperioso fazer um Exame, trata-se de um processo seletivo e classificatório com dinâmica excludente em um hodierno vestibular unificado.
Desde a criação em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) apresenta indicadores estarrecedores e significativos para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Esse Exame foi criado com o escopo de avaliar o Ensino Médio para criar políticas educacionais idiossincráticas com fulcro na melhoria. Os resultados há vinte e cinco anos delatam uma Educação Básica deficitária, contudo a práxis pedagógica nacional continua inalterada nas mais distintas regiões brasileiras, perpetuando a educação bancária já tão criticada há décadas pelo Patrono da Educação brasileira Paulo Freire.
As chamadas pérolas do ENEM, que vão de sero mano/cerumano, trasladam por árvores ginecológicas e chegam a bacias esferográficas, são midiatizadas jocosamente sem quaisquer preocupações pedagógicas e éticas apesar de preservar a autoria. Nada risíveis, essas preocupantes estruturas cognitivas delatadas por estudantes do último ciclo da Educação Básica foram incapazes de engendrar um novo programa nacional de alfabetização, alterar matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia e das Licenciaturas, promover formação continuada para docentes sobre a Teoria da Aprendizagem Significativa de David Ausubel ou até mesmo acerca da elaboração de itens.
Em nosso país, assim que a criança adentra o ambiente escolar na Educação Infantil para o seu desenvolvimento integral, é convidada a interagir pela primeira vez fora do seu lar. Nas instituições privadas, um corpo docente graduado e especializado – às vezes, inclusive, bilíngue – promove aulas e avaliações (orais e escritas) diversificadas. Já, nas instituições públicas, o professorado, graduado, graduando ou só com o extinto curso de Magistério, com parcos recursos materiais e muita criatividade, ministra as aulas que são possíveis e entrega um portfólio com as atividades desenvolvidas no final do ano para mães, pais e demais responsáveis.
No Ensino Fundamental, em escolas particulares, crianças e adolescentes desenvolvem o senso crítico e semanalmente realizam avaliações processuais objetivas e discursivas inter, multi, transdisciplinares com leituras imagéticas e textuais, respondendo a itens. Nas escolas públicas, crianças, adolescentes, adultas/os e idosas/os, nem sempre com aulas diárias, são pontuadas/os por presença, atividades disciplinares, projetos de componentes curriculares que nem sempre se engajam na respectiva intencionalidade formativa e/ou um instrumento de extensão curta, devido à necessária economia de papel e tonner, com algumas questões. Se o instrumento tiver uma maior extensão, a impressão foi realizada na Secretaria de Educação ou em residências de docentes generosas/os.
No Ensino Médio privado, adolescentes expandem o capital cognoscitivo e relacional, continuam realizando semanalmente as já mencionadas processuais avaliações, participam de intercâmbios e experimentam inúmeros simulados pós-aulões preparatórios para o ENEM e demais processos seletivos nacionais e internacionais. Enquanto no Ensino Médio público, para adolescentes, adultas/os e idosas/os, docentes dedicados – mas nem sempre graduados no referido componente curricular que ministram aulas –perpetuam a transmissão de conteúdos em lousas e reforçam a pontuação por presença, atividades disciplinares, uns projetos interdisciplinares e o obrigatório curto instrumento em que as questões devem ser respondidas no verso pela ausência de espaço na frente. Às vésperas do Exame, surgem aulões preparatórios institucionais e/ou caritativos e, às vezes, são oportunizados simulados até com patrocínios políticos. Ah... E há ainda as/os estudantes autodidatas que incluem na travessia ensinomediana uma maratona de vídeos do YouTube para suprir o hiato significativo das suas aprendências escolares.
Nos dias do ENEM, momento do grande “leilão” pré-universitário, com lances altíssimos vociferados e tímidas ofertas sussurrantes, adolescentes, adultas/os e idosas/os, oriundas/os da capital e do interior das mais distintas unidades escolares públicas e privadas respondem a um extenso exame com itens muitíssimo bem elaborados e redigem um texto dissertativo-argumentativo. Para aquelas/es que não participaram de exames – nacionais (Prova Brasil e SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica) ou estadual (SABE – Sistema de Avaliação Baiano de Educação) – que examinam habilidades de linguagens e letramento matemático, estreiam entre os descritores e os detratores. O “leilão” é irretratável e a/o arrematante que der o lance mais alto conquista o bem (vaga). Quem ofertou valores, mas não venceu a disputa, ganha uma SISUda lista de espera, que é mais bem aguardada do que uma postagem instagrânica de uma celebridade.
Destarte, a celebração das Bodas de Prata do ENEM é festejada exclusivamente por famílias seletas (e de algumas/alguns privilegiadas/os bolsistas!) que oportunizaram para as/os herdeiras/os uma Educação primorosa até com acompanhamento psicológico concomitante e, ansiosamente, aguardam a pontuação máxima na dissertação e os primeiros lugares nas melhores universidades públicas nacionais e nas famosas internacionais. Na contramão, demais famílias, temendo (por total despreparo!) os volumosos e exímios Cadernos das áreas do saber, render-se-ão aos ainda necessários programas federais de financiamento e, endividadas, sonham desde o primeiro semestre com a formatura do primeiro membro familiar acadêmico. Um salve ao ENEM? Não...
ENEM, com a coleção de tantos descritores dados nacionais no auge dos seus 25 anos, salve dos algozes detratores regionais a deficitária Educação Básica pública!
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* Régia Mabel da Silva Freitas é pós-doutora em Educação (USP) e doutora em Difusão do Conhecimento (UFBA).
Edição: Gabriela Amorim