Bahia

Hip hop

Nos 50 anos da Cultura Hip Hop, Bahia discute valorização da produção em todo o estado

Fora da capital, artistas e produtores lutam para preservar e reconhecer a riqueza das produções das periferias

Salvador |
Cultura Hip Hop também é cultivada no interior do estado - Prefeitura de Vitória da Conquista

Em 2023 é celebrado o marco de 50 anos da Cultura Hip Hop. O Instituto de Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) recebeu, no mês de julho, o pedido de abertura do processo de registro especial da Cultura e Movimento Hip-Hop como Patrimônio Imaterial do Estado. O processo nasce de uma solicitação de reconhecimento da Casa do Hip Hop Bahia.

Entender o Hip Hop como patrimônio imaterial é um passo para a valorização da diversidade e preservação cultural da Bahia. Artistas de diversos segmentos encontram no hip hop uma forma de expressão de existência diante de uma sociedade cercada pelas desigualdades sociais.

O rapper alagoinhense, Hiran, acredita que reconhecer o movimento como patrimônio tem um local de fortalecimento da cultura que existe na Bahia há muito tempo. “Uma ferramenta cultural, social e de salvação, de cura como hip hop tem que ter o seu lugar de reconhecimento perante a sociedade. A Bahia é muito forte no hip hop, ela sempre foi muito forte, apesar de não ter tido reconhecimento como tal”, afirma.

Cultura Hip Hop fora da capital

Hiran é um dos nomes da cena baiana da Cultura Hip Hop que produzem música fora de Salvador. Natural de Alagoinhas, a 136 km da capital baiana, Hiran vê no reconhecimento como patrimônio do estado a possibilidade de legitimação também de outras formas de criação e desenvolvimento dessa cultura, para além da predominância da capital.


Hiran, de Alagoinhas (BA), é um dos nomes de destaque na cena hip hop no interior do estado / Divulgação


“Eu acho que mesmo o olhar sobre a cultura da Bahia não estando mais tão centralizado em Salvador, quando você vai analisar o contexto de agora, Xênia França, de Camaçari, Afrocidade de Camaçari, eu, de Alagoinhas, Rachel Reis, de Feira de Santana, o próprio Russo [Passapusso], de Feira de Santana, quando você vai ver já existe, sim, um processo de descentralizar, mas ainda são poucas pessoas comparada à quantidade de pessoas que têm [na capital]. E no hip hop, especificamente, isso está mais atrasado ainda”, observou o cantor.


Segundo Hiran, essa é uma oportunidade de levar visibilidade para a Cultura Hip Hop que resiste longe dos grandes centros urbanos. “Tem muito artista de hip hop ao redor da Bahia toda, e essa galera fica num limbo. Eu acho que atrair os olhares para o hip hop na Bahia é bom para essas pessoas, porque faz elas serem vistas, pelo menos um pouco, porque é difícil realmente elas terem um lugar sob o sol”, pontuou.

Também atuando na cena do hip hop fora da capital, a produtora musical conquistense Nessyta Lopes acrescenta a esse pensamento o impacto do reconhecimento nas populações periféricas, sobretudo negras.

“O reconhecimento do hip hop como patrimônio é também o reconhecimento do trabalho realizado nas periferias, pelo povo preto e pobre que também é produto criador de cultura e por todos os benefícios que essa cultura traz a partir da sua raiz étnica, urbana e social, promovendo autoestima, empoderamento e valorização da história do povo negro no Brasil”, disse.

Lopes entende que para preservar a existência dessa cultura, as fronteiras devem ser superadas e o diálogo também deve ser nacional. “O reconhecimento da Cultura Hip Hop como patrimônio imaterial é importante não só na Bahia, mas no Brasil. Para preservar a manutenção da sua existência, para fortalecer as comunidades envolvidas com sua realização, para dar significância para aquilo que já tem significado para grande parte da nossa sociedade”, argumentou.

Valorização dos pequenos produtores de Hip Hop

Apesar de hoje cantar ao lado de grandes nomes da cena musical como Margareth Menezes, Linn da Quebrada, Gloria Groove, Baco Exu do Blues e Caetano Veloso, Hiran reconhece a importância da valorização do rap que vem de pequenos produtores e de longe dos grandes centros urbanos.

“O hip hop fora da capital ele é forte, como sempre foi, apesar de ser desestimulante para muitas pessoas que eu conheço pelo menos, que são da cultura hip hop de fora de Salvador, de não serem vistas, não serem lembradas, de não terem as mesmas oportunidades que a galera que está nos grandes centros... Quem tá em Salvador tem uma facilidade de acessar certas coisas que a galera do interior não tem, mas a galera continua resistindo. O hip hop é uma parada que vem da alma primeiro. Ele cura a alma primeiro, antes de trazer dinheiro e de trazer outras coisas”, destacou Hiran.

Segundo Nessyta, a Cultura Hip Hop produzida em Vitória da Conquista, bem como outros locais nas periferias da Bahia, recebe forte influência de Salvador e também de estados do sudeste, que também concentram oportunidades maiores de valorização. Apesar disso, eles possuem autenticidade e originalidade próprias.


Nessyta Lopes é uma das vozes femininas do hip hop baiano / Divulgação

“Nós sempre fizemos Hip Hop a partir de nós mesmos, a influência vem muito do sudeste, pois estamos distantes geograficamente da capital. Mas isso não nos impediu de construir nossa identidade regional. O sudoeste baiano tem uma força significativa na construção da história do Hip Hop na Bahia. E a troca com a capital só nos fortalece. Pensar um Hip Hop baiano é sobretudo pensar essa descentralização, visto que a Bahia é imensa e absorve diferentes referências. Estar distante só fortalece o corre para que ele aconteça a partir de vários lugares”, conta.

Valorização do Hip Hop no legislativo

Em Vitória da Conquista, a Cultura Hip Hop tem ganhado destaque e valorização, também, ao nível legislativo. Desde julho de 2022, a lei 2.653/2022, proposta pelo vereador Alexandre Xandó (PT) está em vigor, instituindo o Dia Municipal do Hip Hop. A data escolhida foi 12 de novembro – data que coincide com o Dia Internacional do Hip Hop.


Vereador Alexandre Xandó foi autor da lei que instituiu o Dia Municipal do Hip Hop em Vitória da Conquista (BA) / Divulgação

“O Hip Hop tem uma importância histórica no resgate de juventudes periféricas em Vitória da Conquista. A institucionalização da data mostra a força que esse movimento, que atua há mais de 20 anos, em várias frentes da cidade, tem. É preciso que o poder público reconheça essa força e fomente a realização de mais atividades ligadas à Cultura Hip Hop”, ressalta Nessyta.

A lei institui, ainda, a Semana Municipal do Hip Hop, celebrado com um evento para Vitória da Conquista e região. Este ano, o Hip Hop Festival será realizado nos dias 10 e 11 de novembro, no Centro Cultural Camilo de Jesus Lima, e deve reunir representantes dos elementos da Cultura Hip Hop, como o Break, o Grafite, DJ (DiscJokey), MC (Mestre de Cerimônia). As atividades incluem oficinas, debates, palestras, com intuito de difusão e preservação cultural do "Hip Hop" como ferramenta de integração social.

Nessyta Lopes reconhece a institucionalização como uma valorização dos agentes culturais que, ainda hoje, produzem cultura sem o devido reconhecimento. “Essa lei também é um instrumento para a cobrança dos nossos líderes governantes que devem oferecer condições para que a juventude que produz cultura na cidade tenha seu trabalho reconhecido e valorizado”.

Edição: Gabriela Amorim