Bahia

RACISMO

Caso Atakarejo: empresa irá pagar R$ 20 milhões para ações de combate ao racismo na Bahia

Acordo encerra ações civis públicas sobre implicação da empresa na tortura e morte de Bruno e Yan Barros

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Supermercado fez acordo para encerrar três ações civis públicas que pediam a responsabilização da empresa na tortura e morte de dois jovens negros - Divulgação

Foi homologado na última terça-feira (19) o acordo judicial no qual o Grupo Atakarejo se compromete com o pagamento de R$20 milhões para custear ações de combate ao racismo e promoção da igualdade racial na Bahia, em reconhecimento ao dano coletivo à comunidade negra referente às mortes dos jovens Bruno Barros (29) e Yan Barros (19). O acordo define que o valor será pago em 36 parcelas mensais fixas ao Fundo de Promoção do Trabalho Decente (FUNTRAD).

As três ações civis públicas (uma no âmbito trabalhista e duas no âmbito cível) que resultaram no acordo judicial foram protocoladas em maio de 2021 pela Associação Educafro, o Centro Santo Dias de Direitos Humanos, o Odara – Instituto da Mulher Negra e entes públicos baianos e federais. Bruno e Yan foram vítimas de tortura por funcionários da rede de supermercados, na loja situada no bairro de Amaralina, e em seguida entregues a criminosos que os executaram a tiros.

Em fevereiro deste ano, o Atakarejo chegou a tentar fechar um acordo no valor de R$2,5 milhões, que foi considerado insuficiente e recusado pelas partes interessadas na ação.

Além de buscar a reparação coletiva em razão da morte de dois jovens, a ação também argumentava que o Atakarejo mantém um ambiente de trabalho racista, sendo responsável por uma cadeia de relações de trabalho que promovem ou ao menos possibilitam violências iguais ou análogas às que vitimaram Bruno e Yan.

Além do pagamento de R$20 milhões, o acordo de 42 cláusulas prevê uma série de ações relacionadas ao espaço de trabalho, políticas de contratação e atualização do Código de Ética e Conduta da rede de supermercados.

Dentre as mudanças previstas, o Atakarejo se compromete em implementar ações de educação em direitos humanos para todos os funcionários; equiparar em seu quadro de funcionários uma proporção de negros que corresponda ao total do estado onde estiver instalado; criação de programas de estágio específico para pessoas negras; criação de programas de desenvolvimento de carreiras exclusivo para funcionários negros; não contratar empresas de segurança patrimonial que tenha em seus quadros policiais da ativa ou que tenham sido expulsos por crimes relacionados à violência física.

A empresa concorda ainda em manter ativo um canal onde trabalhadores, clientes e fornecedores possam registrar denúncias relacionadas a situações de preconceito ou discriminação, e se compromete a não proibir filmagens das abordagens realizadas por seus trabalhadores dentro das lojas ou fora delas, enquanto estiverem a serviço da empresa.

“As organizações do movimento negro lideraram esse processo que culminou com um resultado que amplia os níveis de responsabilização de empresas envolvidas em atos de violência racial. Não haverá jamais qualquer tolerância contra o racismo e estamos desenvolvendo novos mecanismos para a luta contra esse terrível mal”, enfatiza o advogado Marlon Jacinto Reis, representante das três organizações nas ações civis públicas.

O Instituto Odara também acredita que a indenização e as medidas aplicadas ao Atakarejo apontam para um caminho de responsabilização de empresas que cultivam uma cultura organizacional violenta, racista e, muitas vezes, letal contra a comunidade negra, e que, embora a responsabilização criminal dos agentes envolvidos diretamente no episódio da morte de Bruno e Yan sejam de extrema importância, também é fundamental que o Atakarejo seja pressionado a rever e realizar mudanças organizacionais no sentido de coibir esse tipo de ação no interior das suas lojas.

“Esses R$20 milhões não substituem as vidas perdidas desses dois jovens, entretanto, precisamos responsabilizar quem é de direito”, afirma Valdecir Nascimento, fundadora e coordenadora de captação de recursos e articulação política do Instituto Odara.

Para Valdecir, a ação se desenrolou de forma rápida, se comparada a outros processos envolvendo reparação ou condenação por casos de violência racial. Ela destaca que a ação, no entanto, não se encerra com o acordo e que será preciso também fiscalizar as medidas tomadas pelo Atakarejo e os recursos provenientes da indenização.

“Estaremos de olho no comportamento e nos passos que o Atakarejo vai dar. Também será preciso acompanhar e fiscalizar a destinação e aplicação dos recursos, porque conhecemos as fragilidades da gestão pública, sobretudo no que diz respeito ao investimento para assegurar mudanças na realidade da população negra”, explica. Ela conclui afirmando que “com esse acordo nós temos ganhos, mas precisamos ficar atentas para não perder o que nós ganhamos”.

As famílias de Bruno e Yan Barros também estão sendo acompanhadas pela Defensoria Pública e advogados particulares, e aguardam a homologação de acordo extrajudicial que tramita em sigilo.