No Rastro das Lutas

No Rastro das Lutas: com terceira maior populacional prisional do mundo, Brasil precisa avançar na luta pelo desencarceramento

Brasil mantém péssimas práticas em seu sistema prisional, com população majoritarimente negra, pobre e masculina

Ouça o áudio:

Brasil tem terceira maior população prisional do mundo - Corregedoria-Geral de Justiça MT

A luta pelos direitos das pessoas encarceradas e pelo desencarceramento se mistura à história dos direitos humanos no país. Atualmente, o Brasil tem a terceira maior população prisional do mundo, ultrapassando as 830 mil pessoas em 2022.

E neste sexto episódio da série No Rastro das Lutas: Movimentos populares abrindo caminhos para a democracia e direitos no Brasil, nós vamos falar sobre essa caminhada dos movimentos populares na luta pelos direitos da população encarcerada no país. Esta produção é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço, CESE, que completa 50 anos de atuação em 2023.

Membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Paulo Cesar Carbonari conta sobre o histórico de luta pela dignidade das pessoas aprisionadas e de luta contra o encarceramento em massa.

Ele conta que na década de 1970, quando um grande número de militantes políticos foi preso pela ditadura militar, se desperta para a formação de organizações que reúnem familiares, amigos, militantes para enfrentar essa dinâmica de encarceramento.

“Na década de 1980 essa luta se amplia, sobretudo porque entra na pauta a discussão sobre a qualidade dos locais de aprisionamento, popularmente conhecidos como presídios. Nesse momento se começa a discutir a necessidade de efetivamente as prisões cumprirem aquilo que também será seu papel definido na Constituição de 88, que é a ressocialização, e não a vingança”, conta.
 
Nesse percurso histórico, Paulo César Carbonari destaca ainda a importância das organizações pastorais principalmente no que se refere às denúncias e construções contra a tortura no Brasil. No final da década de 1990, um relatório da ONU desvela ao mundo a existência da prática sistemática de tortura nos ambiente prisionais brasileiros mesmo com o fim da ditatura militar.

“O MNDH vai organizar, junto com várias outras instituições, a campanha Nacional Permanente de Combate à Tortura, com comitês nos estados para efetivamente denunciar as violações e encontrar caminhos para seu enfrentamento. Nos anos 2000, já se avança no sentido de assumir o protocolo facultativo da Convenção contra a Tortura e desse ponto de vista, se instala, o mecanismo e o comitê nacional de prevenção e combate à tortura e também esse mesmo mecanismo passa a ser instalado”, acrescenta.

Francisca Sena, educadora popular, assistente social e doutoranda em serviço social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), feminista negra e pesquisadora das relações patriarcais e raciais e do encarceramento de mulheres negras, nos fala sobre o cenário atual dessas lutas. Ela aponta, com preocupação, para o crescimento exponencial da população carcerária no Brasil e o aumento alarmante das mulheres nesse grupo.

“De acordo com o Sistema Nacional de Informações Penais (SISDepen), de 2000 a 2022, a população prisional no Brasil cresceu 357% e no caso das mulheres, aumentou 810%. Embora as mulheres representem uma minoria da população prisional, esse aumento expressivo do seu encarceramento exige uma atenção nossa”, alerta.

Sena destaca que a realidade das mulheres é marcada pelas desigualdades de gênero, de raça e de classes e há um agravamento dessas desigualdades quando elas são presas. “No cárcere, as questões como gravidez, maternidade, ausência ou limitada atenção à saúde, o abandono impactam diretamente não só a vida delas, mas também a vida de seus filhos e outros familiares”, ressalta.

A ativista e pesquisadora destaca ainda o papel fundamental que as organizações que reúnem familiares de pessoas encarceradas têm desempenhado atualmente, trazendo a urgência de pautas como redução da população prisional e das prisões provisórias, salubridade das prisões, fim da violência institucional, acesso à justiça.

“Essas pautas clamam por urgência, mas é relevante assumir a pauta estratégica do desencarceramento, do abolicionismo penal. O encarceramento em massa é tão naturalizado na nossa sociedade que impede que ela concebam uma vida sem prisões”, aponta Sena. Nesta luta, ela destaca a importância de enfrentar as verdadeiras causas desse fenômeno.

“Isso significa compreender e enfrentar as raízes e as causas desse fenômeno que precisa ser concebido no contexto da sociedade capitalista de base escravista e colonial que é o Brasil. O racismo estrutural, através da ação do Estado, particularmente dos sistemas prisionais e de justiça, têm sido responsáveis pelo genocídio, aprisionamento, julgamento e punitivsmo da população negra empobrecida e periférica”, diz.
 
Neste sentido, Carbonari defende a necessidade de realizar um debate amplo e enfrentar a
extrema-direita e todos aqueles e aquelas que são contra a luta dos direitos humanos. “Há aqui um desafio gigantesco e fortalecer as organizações, as agendas, as lutas que estão empreendidas por diversas formas de movimentos de direitos humanos é fundamental para que a gente possa dar passos concretos. Nesse sentido, impossível desvincular a luta contra o desencarceramento, da luta contra a tortura”, acrescenta.  

Sena lembra ainda que a luta pelo desencarceramento e pelo abolicionismo penal no contexto brasileiro de desigualdade é extremamente desafiante. “Ressalto a importância das organizações políticas e sociais do país se engajarem nesse debate e nessa luta, isso pressupõe, entre outras iniciativas, o apoio e fortalecimento da ação política de familiares da população prisional. A superação do encarceramento em massa só será possível com a superação da própria sociedade racista, patriarcal e capitalista”, acredita.

A série de reportagens e podcasts ''No Rastro das Lutas: Movimentos populares abrindo caminhos para a democracia e direitos no Brasil'' é mais uma iniciativa que se relaciona com as ações dos 50 anos da CESE, trazendo uma abordagem voltada para sensibilização da sociedade acerca da contribuição social, cultural, econômica e política dos movimentos sociais no país. E conta com apoio do programa Doar para Transformar.

Edição: Gabriela Amorim