Os dados do Censo Demográfico de 2022, realizado pelo Instituto de Geografia e Estatística do Brasil (IBGE), revelaram que a Bahia tem a segunda maior população de pessoas indígenas do país, um total de 229,1 mil indígenas, ficando atrás apenas do Amazonas.
Cacique Agnaldo Pataxó Hã-hã-hãe, coordenador geral do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), explica que os povos indígenas da Bahia recebem esses dados sem surpresa, mas com muita alegria. “Não foi surpresa pra gente, mas é ótimo, porque temos um dado oficial que demonstra o que nós sempre falamos. Isso vai facilitar e vai municiar a argumentação dos movimentos indígenas da Bahia”, afirma.
Para Agnaldo, a violência contra os povos indígenas ao longo da história da Bahia e do Brasil fez com que muitas pessoas escondessem sua identidade. “A Bahia sempre foi um estado predominantemente indígena e que, devido à invasão, à brutalidade, muitos tiveram de negar sua identidade, e ainda continuam até hoje negando a sua identidade”, afirma.
Nas regiões oeste e sudoeste do estado, onde há graves conflitos com o agronegócio e grandes empreendimentos, como usinas de energia eólica, por exemplo, o Mupoiba identifica grupos de indígenas que preferem manter a identidade em sigilo. “Muitos dos nossos, em reuniões com a gente do movimento, assumem [a identidade]. Mas, para fora, não declaram com medo da represália, com medo da violência”, explica.
Visibilidade
Embora haja uma grande concentração de povos indígenas no sul e extremo sul da Bahia, o Mupoiba ressalta que os povos originários estão espalhados por todo o estado, presentes em todos os biomas, do litoral ao sertão. Dentre os 30 povos identificados pelo movimento no estado, há, por exemplo, o povo Kiriri, que vive em território demarcado no município de Banzaê, norte da Bahia; ali próximo, os Kaimbé, em Euclides da Cunha; às margens do Rio São Francisco, há os Tuxá, em Rodelas, e os Truká-Tupã, em Paulo Afonso.
Além disso, Cacique Agnaldo lembra que diversos povos que, originalmente, habitavam em outros estados, como Minas Gerais, Pernambuco e Alagoas, foram obrigados a migrar para a Bahia, devido a conflitos e outras dificuldades em seus territórios. Apesar de o IBGE identificar a presença de indígenas em praticamente todos os 417 municípios baianos, apenas 18 têm territórios demarcados. De acordo com o censo, 63,27% da população indígena na Bahia vive fora de territórios demarcados.
Um levantamento realizado pelo Mupoiba descreve mais de 60 territórios ocupados por povos indígenas, em vias de regularização ou ainda muito distante dela. Nesta lista, figuram desde áreas que já estão em processo de regularização junto à Funai até aquelas comunidades que estão precariamente assentadas com pleitos em aberto.
“Os nossos povos aqui da Bahia têm poucas terras demarcadas, e a maioria das terras que o nosso povo vive não são terras regularizadas”, ressalta Cacique Agnaldo. Ele destaca que isso demonstra a importância de movimentos como o Mupoiba e Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), que articula as lutas conjuntas dos povos.
“No Mupoiba, nós temos coordenadores regionais e locais em todos os povos da Bahia. Isso facilita a gente traçar uma estratégia comum nas lutas por políticas públicas da garantia do direito por segurança, a garantia de direito por territorialidade, a garantia de direito de proteção ao meio ambiente, aos biomas, na garantia do direito da pessoa física, individual e coletiva. Isso é uma luta comum”, reforça.
Contexto urbano
O coordenador do Mupoiba faz questão de explicar que, embora o IBGE aponte um grande contingente de pessoas indígenas vivendo fora de territórios oficialmente indígenas, isso não significa que todas essas pessoas estejam vivendo em contextos urbanos, como chegou a ser divulgado.
Cacique Agnaldo acrescenta que o IBGE só considera como terra indígena os territórios demarcados pela Funai, ou seja, nesse cálculo não entram os territórios em processo de demarcação, as autodemarcações e outras formas de ocupação comunitária. “Nós temos vários territórios indígenas onde nosso povo vive, só que a terra não é demarcada. Então, então não chega a esse dado de 60% [de indígenas em contexto urbano]”, diz.
O Mupoiba tem se debruçado sobre os dados divulgados pelo IBGE e conversado com lideranças para identificar o contingente real de indígenas morando em centros urbanos. Posteriormente, o movimento deve se reunir com o IBGE para tratar de estratégias para correção dessas distorções.
Por outro lado, o movimento vem tratando com as lideranças indígenas em contextos urbanos sobre as demandas de políticas públicas específicas para essa população. “Não é porque os parentes estão na cidade que não tem luta. A luta é por território e educação, território e saúde, território na garantia dos direitos fundamentais”, acrescenta Cacique Agnaldo. Para ele, os dados do censo podem facilitar a apresentação dessas demandas ao poder público, uma vez que comprovam o que o movimento já vinha defendendo.
“Muitos foram, sim, para a cidade em busca de sobrevivência, logo após a invasão, com a violência que existe nos territórios nossos. Esses parentes vivem nas grandes cidades e outras cidades menores, e antes não tinham essa oportunidade de afirmar que era indígena”, explica.
Mudança de estratégia
O Censo de 2022 revela que há 1.693.535 pessoas indígenas no Brasil, o que representava 0,83% da população total do país. Em 2010, este índice era de 0,47%, ou seja, houve uma ampliação de 88,82% desde o censo anterior. De acordo com o IBGE, esse aumento expressivo pode ser explicado também por mudanças metodológicas utilizadas no censo.
Em 2022, a pergunta “você se considera indígena?” foi feita pelos recenseadores também para pessoas fora dos territórios oficialmente delimitados pela Funai, em agrupamentos indígenas identificados pelo IBGE e outras localidades indígenas, que são ocupações domiciliares dispersas em áreas urbanas ou rurais com presença comprovada ou potencial de pessoas indígenas. Essa alteração deu a oportunidade a mais pessoas se autodeclararem indígenas.
Edição: Alfredo Portugal