O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) cassou a liminar concedida na primeira instância, que havia determinado a imediata reintegração de posse do conjunto de fazendas São José, localizado em Ilhéus (BA). O TRF1 acatou o pedido do Ministério Público Federal (MPF), que alegava tratar-se de área tradicionalmente ocupada pelo povo indígena Tupinambá.
O caso envolve área situada no distrito de Olivença, no sul da Bahia, onde são constantes os conflitos entre indígenas e proprietários rurais. A propriedade, segundo o MPF, está dentro dos limites da Terra Indígena Tupinambá de Oliveira, que passa por processo de demarcação desde 2009, estando em fase de conclusão.
Para o Ministério Público, a liminar em favor do fazendeiro nem sequer poderia ter sido concedida, já que a Lei 6.001 de 1973 veda a concessão de posse a particulares de área em processo de demarcação indígena. Pela Constituição Federal, esses territórios são considerados bem da União.
No recurso, o MPF também reforçou a existência de estudo antropológico que comprova a presença dos Tupinambá no território antes da chegada do autor da ação na área em disputa. O documento, no entanto, não foi considerado pelo juiz, caracterizando cerceamento de defesa, conforme apontou o MPF.
Na avaliação do órgão, a decisão equivocada pela reintegração de posse tomou por base apenas os documentos apresentados pelo fazendeiro, como escritura de compra e venda, recibos de pagamentos de salários de empregados, notas fiscais de produtos rurais, comprovante de venda de cacau, entre outros.
“Para o reconhecimento desse direito, há que se ater às várias peculiaridades da matéria, atinentes ao tipo de posse indígena, diverso da civil, visto que atrelada, nos termos da própria Constituição, aos usos, costumes e tradições da comunidade envolvida, e ao conceito de ocupação permanente, não podendo desconsiderar as expulsões de que os índios foram vítimas ao longo dos anos”, afirma o recurso do MPF.
Na decisão, o TRF1 destaca que a apelação do fazendeiro perdeu a utilidade jurídica, com o início do processo demarcatório do território, 18 dias após o ajuizamento da ação. “Já não basta ao particular articular as salvaguardas civis ao uso do imóvel. O alegado direito à propriedade passa a se sujeitar ao risco de perda, por força dos direitos conferidos pela Constituição aos indígenas, tal como eventualmente reconhecido pela União”, entendeu o Tribunal.
A Corte considerou, ainda, que não há na petição inicial argumentos que comprovem a ausência do direito dos indígenas à terra, nem eventuais falhas no processo administrativo que seriam capazes de impedir a ocupação do território pelos Tupinambá.
Jurisprudência
O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendimento consolidado no sentido de que a remoção forçada de indígenas das terras tradicionalmente por eles ocupadas não lhes retira o direito garantido pela Constituição Federal ao território. A legislação brasileira prevê que o direito territorial dos povos indígenas é originário e congênito, afastando a ideia de que basta o título de propriedade para assegurar a posse a particulares que reivindicam o terreno. Além disso, considera nulos e extintos os atos que tenham por objeto o domínio de terras tradicionalmente ocupadas.
Por esses motivos, o MPF argumenta que não podem ser aplicados às questões territoriais indígenas os conceitos civilistas de posse e propriedade. “A presença de indígenas em determinada área está ligada diretamente ao conceito de habitat e à necessidade de manutenção do território como meio de garantir a sobrevivência física e cultural, ainda que inexistentes construções ou obras que comprovem a posse de acordo com os preceitos civilistas”, afirma no recurso acolhido pela Justiça Federal.
Para o Ministério Público, não restam dúvidas de que os Tupinambá já ocupavam o território antes de ele ser adquirido pelo autor da ação. “O fato de terem sidos expulsos, pouco a pouco, de seus territórios, não descaracteriza a ocupação tradicional”, concluiu o órgão.
Edição: Gabriela Amorim