Um teto digno para morar. Essa é a bandeira do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB) que completa 20 anos de atuação e de defesa pelo direito à moradia. Atuantes em diferentes regiões de Salvador, o Centro Histórico ou no Subúrbio são, hoje, os dois principais espaços de luta do movimento e, mesmo com a distância geográfica, enfrentam desafios bem semelhantes. Firmes no desejo de conquistar um endereço fixo e digno que lhes proporcione melhor qualidade, as famílias seguem resilientes e incansáveis de suas batalhas.
Junto com as duas décadas do Movimento, a ocupação Quilombo do Paraíso completa 15 anos de resistência no Subúrbio e está posicionada, estrategicamente, ao lado de um condomínio do programa Minha Casa Minha Vida. A coordenadora estadual do MSTB, Rita Ferreira, atua e vive desde o começo nesta ocupação e explica que algumas famílias seguem à espera da tão sonhada casa própria.
Das 120 famílias que viviam em Paraíso no início, algumas se mudaram para o empreendimento de urbanização integrada de interesse social do Minha Casa, Minha Vida. Essas famílias do MSTB foram integradas ao programa por serem remanescentes da área na qual o conjunto foi construído, uma vez que precisaram sair do local onde viviam anteriormente para dar espaço à construção do Residencial Paraguari II, em novembro de 2018.
Segundo Rita, as famílias foram redirecionadas para o lado do equipamento na expectativa de depois serem remanejadas de volta para as suas casas tão sonhadas. No entanto, nem tudo saiu como esperado. “Em 2018, nós saímos do terreno, nessa ocupação. Ficamos ao lado. Em 2022, começou a entrega das unidades habitacionais da qual só 81 unidades foram entregues e 39, até o momento, ainda aguardam por suas casas”, conta Rita. Ela acrescenta que entrou no movimento não só pela moradia, mas por reparação para a sua comunidade.
“As famílias estão aqui, vivendo de forma sub-humana, ao lado do Hospital do Subúrbio, esperando as demais receberem as unidades. Estamos passando por um problema seríssimo, porque estamos fazendo enfrentamento ao governo do estado por essas entregas que são unidades habitacionais das famílias. É ação indenizatória”, explica Rita.
Procuramos a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano (SEDUR) para tratar do assunto, mas até o fechamento da matéria não havíamos recebido resposta.
Centro Histórico
Do outro lado da cidade, no Centro Histórico, a situação não é diferente. A líder do MSTB na região se queixa da ausência de diálogo com os poderes públicos. O lugar, de reconhecimento mundial e cartão postal da cidade, acumula desafios grandiosos para a luta. Segundo Maura Cristina, o Movimento enfrenta por lá as questões da especulação imobiliária e gentrificação da região.
“Sofremos ameaças constantes de reintegração de posse, exclusão total da participação popular sobre os destinos das habitações, sejam vazias ou ocupadas. Projetos que não nos incluem. Sempre voltados para os interesses de empresários”, afirma. Ela aponta ainda que o centro passa por um forte processo de gentrificação, com instalação de hotéis e restaurantes de luxo, ao mesmo passo em que são retiradas linhas de ônibus, escolas e outros aparelhos públicos de uso dos moradores.
Maura reside há 16 anos no mesmo casarão e diz terem ocupações que passam dos 23 anos esperando um encaminhamento mais sólido para tal situação. “É importante dizer que o MSTB mantém uma mesa de negociação com o Governo do Estado da Bahia desde 2008, com a promessa de definição do direito das famílias que moram nas ocupações, nos casarões ocupados por muitos anos”, enfatiza Maura.
Ao mesmo tempo, ela defende a importância desse espaço de negociação, pois acredita que é através dele que alguns avanços foram implementados e outros mais podem vir. “Quando fizemos essa mesa, na época, em 2008, foi uma caminhada. Nós éramos três ocupações. Hoje, nós já somos seis ocupações dentro do Centro histórico”, relembra.
Futuros Possíveis
No entendimento de que lutar pela garantia de moradia não é mais o único propósito do Movimento, Rita atualiza a luta ao perceber que um dos principais desafios dentro do Movimento Sem Teto da Bahia, hoje, é discutir a comunidade do bem viver.
“Ao longo dos anos, entendemos que os nossos problemas não acabam só com a moradia. O projeto ‘Minha casa, minha vida’ é construído fora dos territórios desejados pelas famílias. Sem uma creche, uma escola, sem a mobilidade urbana”, declara Rita ao pontuar também que a maior parte das famílias que ocupa ou mora nessas unidades habitacionais são mulheres e mãe solo. “Discutir a comunidade do bem viver e de que forma as unidades habitacionais são entregues para essas mulheres é um desafio para o MSTB”, afirma.
Engajada e comprometida com o Centro, Maura defende a necessidade de reconhecer aquele espaço como bairro. Para ela, instalar equipamentos e serviços para quem reside é uma maneira de reconhecer e respeitar o legado da ancestralidade africana no local. “Somos um movimento que fazemos proposições e entendemos que a construção e a solução para a insegurança e a miserabilidade histórica do Centro Histórico só será legítima com a escuta radical do povo, em especial, o povo negro que aqui vive, trabalha, faz cultura e mantém de pé o Centro”, declara Maura Cristina.
Rita diz que, para o futuro a comunidade sonha com a liberdade e com uma vida comunitária auto-sustentável, aonde homens e mulheres possam tirar o seu sustento de lá. “Por isso, hoje, nós estamos com o projeto da Farmácia Viva. Queremos transformar o equipamento pensado pelo Estado para nossas famílias. Já que nós não tivemos a oportunidade de sentar e discutir de que forma seriam essas moradias. Já que elas estão sendo só entregues, vamos transformá-las do jeito que queremos”, afirma Rita. Ela acrescenta que há um sonho coletivo de transformar o equipamento recebido em um equipamento agroecológico para que as famílias possam desse próprio território tirar o seu sustento.
Para Maura, a ambição para o futuro é a regularização da permanência da comunidade em suas casas, com a devida reforma. “Legalização da água e energia elétrica, moradia digna. Considerar os imóveis ocupados pelas famílias de baixa renda e os com potencial para moradia, destinados à moradia popular. E é muito importante que tenha o reconhecimento como zona especial de interesse social”, declara Maura Cristina, que também é integrante da coordenação da Articulação do Centro Antigo, que reúne diversos movimentos que debatem essa questão. “É fundamental o diálogo de propostas para que a gente possa fazer do Centro Histórico um bairro de verdade e não um bairro só para receber turistas”, declara.
No Subúrbio, Rita reafirma que hoje, o MSTB ocupa terrenos para garantir moradia digna para as famílias. “E é só a primeira etapa. Porque nós precisamos formar homens e mulheres para que entendam o seu papel na sociedade. O Movimento Sem Teto da Bahia é de extrema importância para pensar as formações políticas dos companheiros”, afirma.
Edição: Gabriela Amorim