É preciso não apenas buscar referências indígenas, mas dar lugar aos indígenas
De qual lugar a arte indígena está sendo produzida? Quem está por trás? Quem cura? É preciso não apenas buscar referências indígenas, mas dar lugar aos indígenas. Pois, ao contrário do que se pensa, o produto final de um trabalho, em suas mais diversas nuances da arte, reduz-se a reproduzir discursos e saberes que são ultrapassados, afirmando preconceitos, violências e perpetuação do branco como agente, único e exclusivo, de arte.
Produzir com os indígenas é um exercício metodológico, transcendental, ético e político que deságua, também, no campo do comprometimento social. É preciso tornar “eu” um outro e vice-versa. Romper com a neutralidade, a impessoalidade e extinguir relações de poder guiadas pelo egoísmo e narcisismo ocidental artístico e, convidar, buscar, mobilizar para esse exercício a concomitância originária através de circularidade de saberes, horizontalidade na arte, dialogando e estabelecendo entre si uma complementaridade.
Construir em coletividade.
Desconstruir em coletividade.
Destarte, no bojo das demandas que estão colocadas no âmbito da arte, há um fio condutor que diz respeito ao reconhecimento e ao enfrentamento de uma espécie de “astigmatismo” da realidade do artista indígena: a predação, exploração de sua arte. Só se vê o que reluz, o engajamento e notoriedade que sua obra pode trazer. Os olhos curatoriais brilham como se enxergassem ouro em terras inexploradas. “Eu troco sua arte por esse espelho”. A cambiagem é desigual e não tem propósitos emancipatórios, mas sim de subserviência em que a validade enquanto artista está condicionada a um outro detentor dos códigos da arte, mediador de imposições de um referencial de existência, pautado no capitalismo e no etnocentrismo.
A descolonização da arte sem a participação ativa originária é apenas um passado (colonial) contemporâneo.
Tirar o indígena do lugar de objeto de admiração e torná-lo a ação do que produz.
O artista indígena não faz arte, ele é arte. E se ele é arte, há um coletivo abarcado em sua criação. É preciso que haja respeito para com sua individualidade, subjetividade, auto-coletividade e contexto. Reconhecendo o seu trabalho de luta e resistência que promove a reafirmação cultural. Ainda que o descolonizador não seja chamado para resolver problemáticas mais densas, ele deve contribuir, a partir de sua especificidade profissional, para fomentar questões, reflexões e propiciar respostas.
Pois, como julgar como arte ou não arte aquilo que não se conhece profundamente e especificamente?
Entrar em contato com o artista indígena implica entrar em contato com seu povo. Com cosmovisões, dinâmicas sociais diferentes. Deve-se, portanto, estar disposto a aprender com essa cultura para que se possa desenvolver um trabalho de maneira mais assertiva. Trata-se de apreender, enquanto propostas descolonizadoras, o que está penetrado pela invasão europeia, distorcendo óticas, na relação com outras formas de ser, estar, sentir, agir, viver, conviver, conhecer, produzir e saber. Respondendo assim à autenticidade do artista e, consequentemente, do seu povo.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Gabriela Amorim