Trabalho doméstico

No Rastro das Lutas: após 10 anos de PEC das Domésticas, categoria ainda luta por direitos

Nesta segunda reportagem e podcast da série No Rastro das Lutas, vamos ouvir as trabalhadoras domésticas

Ouça o áudio:

PEC das Domésticas completa 10 anos. Trabalhadoras apontam desafios e conquistas - Freepik

A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) das Domésticas completou 10 anos em 2023 e a carteira assinada, primeiro direito trabalhista garantido por essa categoria profissional, completa meio século. Lideranças importantes para o movimento contam essa história de luta e fazem um saldo avaliativo das conquistas e rotinas que cercam o dia a dia dessas trabalhadoras. Esta é a segunda reportagem da séria No Rastro das Lutas: Movimentos populares abrindo caminhos para a democracia e direitos no Brasil, produzida em parceria entre o Brasil de Fato e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE).

“Em 2023, nós completamos 10 anos da PEC 72/2013, a PEC das Domésticas, mas a gente sempre gosta de retroagir e falar um pouco da Lei 5.859, que nos garante o primeiro direito, que é a carteira assinada, e completa 50 anos. Tem meio século que esse nosso primeiro direito está garantido e, infelizmente, não respeitado. Nunca atingimos pelo menos 40% do total de mais de 6 milhões de mulheres e de homens no trabalho doméstico com a carteira assinada, com contrato formalizado”, é o que alerta Luiza Batista, coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD).


Luiza Batista, coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) / Arquivo pessoal

A luta por direitos básicos para as trabalhadoras domésticas não vem de hoje. Cleusa Aparecida Aparecida da Silva, coordenadora da Casa Laudelina de Campos Mello, lembra, por exemplo, de uma pioneira na defesa dessa classe trabalhadora, quando o Brasil viu nascer o primeiro movimento sindical da categoria, na cidade de Santos, em 1936, por iniciativa de Laudelina de Campos Mello, mulher negra, abolicionista, em busca de melhores condições de trabalho para toda a comunidade.

“Desde 1920, como consta nos anais da história, a mãe do Geraldo Filme, que é a  Augusta Geralda, e Laudelina de Campos Melo já realizavam, junto com as trabalhadoras domésticas, a Festa das Cozinheiras do clube paulistano da Glória onde acolhiam e  acompanhavam as mulheres para curso de qualificação profissional, para ampliação da escolaridade”, conta Aparecida. Ela lembra que, naquela época, as mulheres mais velhas que não tinham mais a possibilidade de continuar exercendo trabalhos domésticos eram simplesmente expulsas das casas dos ex-patrões, sem direitos sociais, nem sequer lugar para morar.
 
“Laudelina começou a alugar os casarões – espaços que foram das elites, mas que no momento, preferiam as moradias verticais, os prédios e, por isso, alugavam essas casas como pensão. Com esse dinheiro que arrecadava dos homens do pensionato, Laudelina garantia a sustentação dessas trabalhadoras que foram abandonadas no meio da rua. Em 1936, ela funda a primeira associação de empregada doméstica no Brasil, na cidade de Santos, São Paulo”, declara Cleusa Aparecida.

Luiza Batista, que viveu e se aposentou na profissão, hoje, aos 67 anos, é uma referência na luta por respeito, dignidade e autonomia de mulheres negras que se dedicam a lida do ofício. Ela não nos deixa esquecer que o trabalho doméstico é uma herança do Brasil colônia, do Brasil que traficava pessoas negras. A raiz do serviço doméstico sempre esteve ancorada nas práticas culturais da escravização, da exploração, da força física de corpos negros.

“Nós não nascemos escravos. Nós fomos traficados, sequestrados dos nossos países e aqui fomos escravizados para gerar a riqueza desse país. Ainda hoje, o futuro dessa profissão é de muita luta, porque a gente não consegue a fiscalização. A gente tá sempre fazendo denúncias nos meios de comunicação sobre o trabalho análogo à escravidão e a questão dos empregadores que não respeitam a lei. A lei tem que ser respeitada. Infelizmente, a gente ainda luta pela garantia daquela companheira que tem direitos e que o patrão não respeitou. E a gente só consegue isso, através de uma ação judicial. Então, os desafios dos sindicatos filiados são muitos e, com certeza, não serão resolvidos num passe de mágica”, declara Batista.

Cleusa Aparecida, da Casa Laudelina resgata outros marcos históricos importantes na militância das trabalhadoras, antes das PEC. Conferências e Encontros que foram essenciais para construir os argumentos e os caminhos de legitimidade na luta por equiparação dos direitos.


Cleusa Aparecida da Silva, coordenadora da Casa Laudelina de Campos Mello / Arquivo pessoal

“Em 1997, aqui na cidade de Campinas, teve um Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas e a gente cria a Confederação Nacional da América Latina. De 2003 a 2005, junto com o governo federal, a gente acompanha o lançamento do Programa Nacional de Qualificação Profissional, trabalho doméstico cidadão. E a cidade de Campinas foi contemplada e as meninas participaram ativamente desse processo. Em 2011, acontece a 100ª (centésima) Conferência Mundial do Trabalho, em Genebra. As companheiras daqui de Campinas participaram e de lá sai a convenção 189, que defende o trabalho doméstico decente dentro da OIT”, declara Cleusa Aparecida.

Ela finaliza apontando para uma caminha ainda longa na efetivação desses direitos. “Quando falamos de reparação é que o estado brasileiro deve reparar os mais de 380 anos de escravização no Brasil. A questão da violência é um dos temas prioritários em função do feminicídio. A gente faz essa junção pegando a questão de gênero, raça e classe. É a nossa pauta fundamental nessa jornada de luta. Enfrentar o racismo patriarcal, enfrentar o capitalismo, enfrentar as fobias LGBTQIA+. São essas demandas que, enquanto Casa Laudelina, nós temos atuado e feito incidência política em construção também com várias outras redes nacionais e regionais. Uma fortalecendo, construindo grandes leques de aliança para que a gente possa, de fato, vivenciar uma vida feliz”, declara Cleusa com o otimismo de quem nunca deixa de reivindicar e de acreditar.

A série de reportagens e podcasts No Rastro das Luta é mais uma iniciativa que se relaciona com as ações dos 50 anos da CESE, trazendo uma abordagem voltada para sensibilização da sociedade acerca da contribuição social, cultural, econômica e política dos movimentos sociais no país. E conta com apoio do programa Doar para Transformar.

Edição: Gabriela Amorim