Bahia

Assédio sexual

Estudantes indígenas denunciam professor por assédio na UFSB

Universidade afastou o professor e abriu um procedimento administrativo que segue em sigilo

Salvador |
Estudantes indígena denunciaram ter sofrido assédio sexual por parte de professor da instituição - Divulgação/UFSB

Estudantes da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) noticiaram casos de assédio sexual praticados por professor da instituição. Uma denúncia foi oficialmente registrada e esse gesto encorajou outras mulheres que também relatam sofrer das mesmas violências no ambiente acadêmico. As abordagens eram repetidas e direcionadas às mulheres indígenas que estudam na universidade.

Por e-mail, a assessoria de comunicação da UFSB informou que foi instaurado um processo administrativo disciplinar (PAD) para apurar a denúncia. O docente foi afastado das suas atividades, e a comissão vai apurar os fatos narrados no processo. O prazo para a conclusão dos trabalhos é de 60 dias, prorrogáveis por mais 60. O procedimento segue em sigilo, de acordo com a universidade.

As estudantes criticam a morosidade do processo e pedem um posicionamento oficial da UFSB e políticas que combatam, efetivamente, os casos de assédio dentro da instituição. Marcley Pataxó, Presidente do Núcleo dos Estudantes Indígenas da UFSB, diz que os casos vêm ocorrendo com indígenas do curso de direito e que frequentam o campus de Porto Seguro. Pelas dificuldades de comprovação e de documentação dos fatos, até o momento, só uma estudante quis registrar a denúncia que foi formalizada em Boletim de Ocorrência na Delegacia Especializada de Atendimento a Mulheres (DEAM) da região.

“A gente espera que a situação seja realmente confirmada e constatada e que haja a exoneração do professor. A gente quer também que ele pague por danos morais, tendo em vista que pode depois cometer o mesmo crime em outra instituição, com outras pessoas. A gente tem esse medo. De que não tenha efeito nenhum sobre a carreira dele”, declara Marcley.

A UFSB acaba de receber a nota máxima no Índice Geral de Cursos (IGC) do Ministério da Educação (MEC). Para Marcley, o reconhecimento aumenta também a responsabilidade e o compromisso institucional de ser exemplo e de garantir enfrentamentos para assédios e abusos praticados no ambiente acadêmico. “A gente quer que as instituições tenham políticas mais firmes de combate ao assédio, importunação sexual e que isso seja uma política institucional, não só uma prática”, afirma Marcley Pataxó.

Assédio

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 57% das vagas de ensino superior no Brasil são preenchidas por mulheres, porém apenas 21,5% destas conseguem sair com o diploma na mão. Essa evasão está ligada às diversas dificuldades enfrentadas cotidianamente pelas mulheres para a permanecerem nas universidades. Para as estudantes indígenas na UFSB não tem sido foi diferente.


A universidade informou que afastou o professor e abriu um procedimento administrativo para investigar a denúncia / Divulgação/UFSB

Uma das estudantes assediadas, que denunciou o professor, Ynaê Costa* conta que ficou sem reação e sem saber a quem pedir ajuda após o primeiro episódio violento, que aconteceu logo nos primeiros dias de aulas. “Logo quando entrei na UFSB, esse servidor estava sentado ao meu lado e pediu minha caneta para assinar a lista de presença. Eu emprestei e, após me perguntar se eu era indígena e da região, ele disse que eu tinha umas formas de corpo muito diferentes e bonitas. Achei estranha a conversa e não respondi”, relembra.

Ela conta que outros episódios de assédio aconteceram a seguir. “Eu já não estava conseguindo ir às aulas e um pânico, ansiedade, tomaram conta de mim. Este senhor, sem minha autorização, tocou a mão no meu o braço e, em seguida, no meu seio, enquanto dizia que se sentia excitado na sala de aula quando me olhava”, relembra a estudante que, momentaneamente, ficou paralisada diante do ocorrido.

“Eu fiquei em choque, sem conseguir responder nada na hora. Ele prosseguiu dizendo que queria sentir o gosto que uma indígena tem. Eu fiquei muito nervosa, paralisada e trêmula, mas consegui dizer para ele não me tocar. Disse que aquele gesto era crime e que, desta vez, eu não me calaria”, conta Ynaê.

A estudante nos conta ainda que o professor tentou se desculpar, após saber que a denúncia havia sido formalizada, e, em seguida, disse que ela não conseguiria levar o assunto adiante por não ter provas. Ela conta que decidiu seguir com a denúncia ao saber que o mesmo professor assediara outras estudantes. “Eu não sou a única, eu não sou um caso isolado. Elas não querem fazer a denúncia por medo de serem taxadas de loucas. De serem marcadas por esse senhor nas aulas e acabar se prejudicando”, declara.

A estudante conta que também sente medo, mas optou por expor a violência sofrida assim mesmo. “Eu espero que o meu caso não seja descartado, escondido e que seja resolvido. Que a instituição tome as medidas cabíveis, investiguem. Quando sofremos assédio é difícil lidar com a situação, pensamos que somos nós, mulheres, as culpadas e que não houve nada demais. Terminamos por carregar sozinhas o peso dos traumas gerados por uma sociedade patriarcal, mas me conforta a certeza de que a UFSB não é lugar de manifestação ou encobrimento de situações como esta”, declara.

Educação como caminho

O assédio, sustentado pelas relações de poder, pelo patriarcado e pelo machismo está infiltrado em toda a sociedade. Para Ynaê Costa, o combate ao assédio sexual é uma luta que envolve a conscientização e algumas medidas possíveis para enfrentar esse problema incluem a educação. “Promover a educação sexual desde cedo, ensinar valores de respeito, consentimento e igualdade, a fim de combater estereótipos de gênero e preconceitos”, enumera a estudante como primeiro passo na direção de mudanças.

Políticas institucionais eficazes de combate ao assédio sexual, com medidas punitivas para os agressores e apoio às vítimas; incentivo à denúncia e que os relatos sejam tratados com seriedade e respeito pelas autoridades e instituições; responsabilizar os agressores e as instituições que permitem o assédio sexual, garantir que haja punição que interrompa a ocorrência de novos casos são alguns caminhos possíveis de mudança propostos pela estudante.

A desconstrução do patriarcado e do machismo passa pela desconstrução de padrões culturais que sustentam a violência contra as mulheres. “É necessário promover a igualdade de gênero e combater todas as formas de opressão e discriminação. Essas são apenas algumas das possíveis medidas que podem ser adotadas para combater o assédio sexual. É importante lembrar que a luta contra o assédio sexual é um trabalho contínuo e que requer o engajamento de toda a sociedade”, conclui.

* Utilizamos um nome fictício para preservar a identidade da estudante.

Edição: Gabriela Amorim