Bahia

100 dias

Para analista, Jerônimo Rodrigues tenta imprimir marca própria nesses primeiros dias de governo

Antônio Lobo, doutor em Geografia Política e Geopolítica, analisa os 100 primeiros dias de governo Jerônimo Rodrigues

Salvador |
Para Antônio Lobo, Jerônimo Rodrigues tenta imprimir uma marca própria neste que é o quinto mandato do Partido dos Trabalhadores no Governo do Estado da Bahia - Rafael Martins/GovBA

O governo de Jerônimo Rodrigues (PT) chegou a 100 dias no estado da Bahia. Para trazer uma análise desses primeiros dias de governo, o Brasil de Fato Bahia entrevistou o professor doutor Antônio Lobo. Ele é professor de Geografia Política e Geopolítica da Universidade Federal da Bahia (UFBA) em estágio de pós-doutorado na Universidade da Cidade de Nova Iorque e ex-coordenador Geral do Fórum Baiano de Gestão Ambiental nas Instituições de Ensino Superior da Bahia. Em entrevista à repórter Vania Dias, Antônio Lobo falou sobre educação, cultura, segurança pública, meio ambiente, expectativas e futuro com a atual gestão do estado.


Antônio Lobo, professor doutor de Geografia Política e Geopolítica da UFBA, se diz otimista com rumos do governo Jerônimo na Bahia / Arquivo pessoal

Brasil de Fato Bahia – O que representam os primeiros 100 dias de um governo? São determinantes para nos apontar os caminhos, os projetos e as prioridades que estão postas na gestão ou pode nos levar a equívocos de interpretação também? Qual a sua opinião?

Antônio Lobo – Eu acho que essa data dos 100 dias não é meramente figurativa. Muito pelo contrário, é uma data muito importante porque essas primeiras ações sinalizam muito claramente quais são os caminhos que aquele novo governo quer e vai seguir. É o período em que o governante goza de uma certa popularidade. Muitas vezes ele pode até não ter maioria no Congresso, naquele momento, mas é um período que ele goza de uma popularidade em função da vitória eleitoral. Ele pode, inclusive, utilizar dessa popularidade para construir uma maioria no parlamento, atrair mais apoio da sociedade e, consequentemente, fortalecer politicamente o governo.

É um período também de montagem do governo, de ocupação dos cargos estratégicos. Então, pela forma como o governo está sendo montado, pela composição de partidos que estão participando dá pra gente ter uma noção de quais serão os projetos prioritários. Esses 100 dias marcam também a dinâmica. Se vai ser um governo de trabalho intenso em que se abraçam as prioridades e se trabalha com coordenação, com liderança, ou se vai ser um governo sem uma coordenação mais centralizada, sem uma liderança bem definida. Mostra também que tipo de velocidade esse governo vai ter. Então, eu acho que esses 100 dias são importantes, sim, para que a gente possa fazer uma leitura de que tipo de governo a gente vai ter e, ao mesmo tempo, para que o governo possa sinalizar para população que tipo de governo ele vai ser.

Quais pontuações já podem ser observadas nestes primeiros meses de administração do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues?

Na minha opinião, o governo de Jerônimo Rodrigues começou com muita intensidade. Eu acho que Jerônimo quer criar uma marca própria no governo, com a sua cara, com os seus projetos, com uma equipe que reflita mais o tipo de governo que ele quer criar. Uma sinalização importante foram as modificações na composição do governo. Sendo uma continuidade do governo do PT na Bahia, ele poderia ter mantido a gestão com a mesma cara, mas optou por fazer muitas modificações para que o governo passasse a ter uma cara diferente e, consequentemente, o governador Jerônimo possa estabelecer uma forma diferente de diálogo com a população.

Uma marca importante do governo anterior – e que ele manteve – foi a ideia da “correria”. Tanto que o pessoal brinca e chama Jerônimo de “correria dobrada”. Eu acho que essa marca do trabalho intenso, de emendar um projeto com outro, de estar intensamente participando das ações foi uma marca importante e que foi mantida.

Do ponto de vista de projetos, nesses 100 dias, Jerônimo sinalizou que o seu governo vai dar mais prioridade à educação, no sentido de concluir as obras das novas escolas que estão sendo construídas, mas também de rever as práticas pedagógicas, de rever a condição de trabalho dos professores, de segurança dos alunos nas escolas. Ele tem sinalizado isso de forma muito positiva com inaugurações, visitas constantes às escolas e também com a liberação de uma série de pedidos de professores que estavam emperradas há bastante tempo como, por exemplo, afastamento, licença prêmio, progressão na carreira.

Outra sinalização importante é que ele fortaleceu o combate à homofobia, ao racismo estrutural, principalmente, na máquina do governo. Ele fortaleceu muito a área dos direitos humanos, criando duas novas secretarias que dialogam diretamente com isto.

Eu acho que o fortalecimento dessas áreas e a prioridade que tem sinalizado com a educação e com a infraestrutura do estado – ele passou quase 20 dias na China lutando pela fábrica de automóveis, lutando também para realizar os recursos da ponte do VLT – sinaliza quais serão as áreas estratégicas que o governo vai abraçar nos próximos anos.

Em alinhamento com o Governo Federal, a Bahia tem priorizado o combate a fome. Recentemente, aderiu a compra de 100% dos produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar, por exemplo. Outras ações, empreendidas por Secretarias de Estado, também trabalham nesta direção de subsídio e garantia da Segurança Alimentar e Nutricional. Como você vê essas ações coletivas?

Eu avalio de forma positiva o processo de valorização da agricultura familiar. Entendendo que são trabalhadores extremamente importantes e que colocam 70% da comida na mesa dos trabalhadores e das trabalhadoras do Brasil. Portanto, precisam ser valorizados, precisam ter acesso ao mercado, comercializar os seus produtos com mais facilidade, levando em consideração, inclusive, que são produtos normalmente livres de agrotóxicos. Garantir essa compra, inserindo agricultura familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é uma decisão muito acertada e que, com certeza, vai impactar bastante na melhoria da qualidade de vida no campo.

É bom lembrar que a Bahia é o estado com maior população rural no Brasil. São quase 5 milhões de pessoas vivendo em áreas rurais, no campo baiano. E desses,  aproximadamente 88% são agricultores familiares, não são agricultores patronais. O impacto disso na valorização e no fortalecimento da agricultura familiar é gigantesco.


Antônio Lobo analisa que Jerônimo terá muitos desafios na área de segurança pública e na área ambiental nos próximos anos / Arquivo pessoal

O Bolsonarismo foi extremamente destrutivo com o Brasil e, hoje, vivemos as consequências de uma gestão antidemocrática com repercussão nos números de desemprego, na redução da renda do trabalhador, no aumento da inflação, e, consequentemente, no crescimento da fome dentro desse processo. Por isso, a volta do Bolsa Família fortalecido e dos Programas de aquisição de alimentos e o lançamento do Programa Bahia Sem Fome, que envolve recursos do estado, mas também a convocatória da sociedade e do setor privado a assumir responsabilidades são ações que vão gerar impactos positivos na melhoria nutricional e na redução da fome de todas aquelas pessoas que precisam. Acho até que é um modelo a ser copiado e expandido para todo o Brasil.

Como primeiro governador autodeclarado indígena do estado, já é possível dizer quais políticas e ações já foram iniciadas para atender as urgências e reivindicações dos Povos Originários da Bahia?

Eu acho que é um orgulho para o estado da Bahia e é um orgulho para todos nós baianos ter um governador indígena. Um governador indígena que, ao mesmo tempo, também é camponês, trabalha no cultivo da terra e se forma em engenharia agronômica. Torna-se professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), depois assume a responsabilidade como gestor até chegar ao cargo de governador.  

A Bahia tem muitos conflitos envolvendo os Povos Originários, que estão ligados diretamente à expansão da fronteira agrícola no estado, principalmente, nos extremos.  Acho que é positiva a sinalização do governador Jerônimo de criar estruturas de acompanhamento de conflito, que possam dar um melhor suporte às populações indígenas. Essas ações estão no início, e a gente vai ficar na expectativa para ver que rumo elas tomarão porque esses problemas ambientais são muito sérios na Bahia e atingem os Povos Originários.

Segurança pública é um tema que preocupa e que também divide muitas opiniões.  Quer seja porque a polícia militar tem uma maioria de homens negros, e, ao mesmo tempo, os alvos dessa PM também são uma maioria de negros. Quer seja ainda porque, no exercício do seu ofício, PMs também morrem injustamente. Tudo isso segue gerando muitos debates e controvérsias. O que dizer desse setor?

Essa pauta da segurança pública é bastante complexa. Mas acho que o governo acertou em colocar um profissional, delegado da Polícia Federal, na gestão da Secretaria de Segurança Pública (SSP), que inclusive, tem especialização na área de inteligência. Acho que, assim, a gente tende a ter uma SSP que trabalhe mais com inteligência do que uma que valorize mais o confronto de rua e que, muitas vezes, pode ter consequências terríveis.
 
Em relação às medidas, eu acho primeiro que a gente tem que debater muito e aprofundar a discussão sobre a política de combate às drogas, que tem se mostrado uma muito ineficiente no Brasil todo, não só na Bahia. Eu, particularmente, sou à favor da legalização das drogas. Acho que a gente poderia começar com a legalização da maconha, como um projeto-piloto. Como já tem sido feito em vários países da Europa, como já tem sido feito nos Estados Unidos, foi feito, recentemente, em Nova Iorque, com muito sucesso. A legalização da maconha, nessas regiões, reduziu bastante a criminalidade relacionada a esse tipo de produto. Eu morei lá cinco meses e vi isso de perto. Depois, a partir desse projeto-piloto, analisar a possibilidade de outras legalizações. Eu acho muito melhor o usuário ter um acompanhamento médico, ter um acompanhamento psicológico mais efetivo, poder comprar a droga que quer consumir de forma legalizada numa farmácia, do que ter que interagir com grupos criminosos para acessar esse tipo de produto.

Outro ponto importante é aumentar o investimento na área de inteligência. Eu acho que a gente tem que prezar mais pelo trabalho com Inteligência do que pelo confronto para que a polícia possa agir de forma mais segura e mais precisa no que ela tem, de fato, que agir, que é no combate às organizações criminosas e com menos efeitos colaterais para a população e para a própria polícia.

O terceiro ponto importante e que eu espero que o governo leve à frente é a instalação das câmeras no uniforme da polícia. Infelizmente, a gente tem uma polícia aqui na Bahia que trabalha bastante, que é muito dedicada, mas que tem uma altíssima taxa de letalidade. Então, o uso das câmeras para que as ações possam ser devidamente registradas e utilizadas, inclusive, para proteger o próprio policial. Isso impactaria, em uma possível redução de mortes de ambos os lados nas ações policiais.

E pensar na construção de uma polícia comunitária, que possa estar mais presente nas comunidades, mais integrada com a população, para que a gente não tenha uma distância tão grande entre a polícia e as comunidades. Acho que são caminhos que podem ser pensados no sentido de amenizar esse problema da criminalidade na Bahia.


Antônio Lobo aponta que a área da Educação tem sido priorizada pelo governo, mas tem ainda grandes desafios pela frente / Joá Souza/GovBA

É consenso na comunidade escolar, entre professores e estudantes, que a Reforma do Ensino Médio intensifica as diferenças de qualidade e de conteúdos entre os ensinos público e privado. Somado a esse desafio, testemunhamos as notícias de recentes ataques protagonizados por jovens e adolescentes aos espaços escolares. Por onde começar as mudanças propositivas e efetivas para melhoria de qualidade da educação pública da Bahia?

Boa parte dos índices que nos ajudam a entender e a medir a qualidade da educação não são bons aqui na Bahia. Isso não é de agora. Fruto de um processo histórico, de muitos anos, 40, 50 anos de desvalorização da educação no estado.

Eu acho que o governo Jerônimo tem um desafio muito importante pela frente com  relação à necessidade de melhorar esses diversos índices. Se você tem uma escola bem estruturada, com profissionais motivados, qualificados, bem remunerados, escolas com boas estruturas, elas tendem a ter qualidade e a ter um ambiente pacífico.

Então, por tudo isso, acho que o governo Jerônimo, na minha opinião, está no caminho certo. Já mostrou que está priorizando a educação, está construindo e inaugurando novas escolas, com uma estrutura muito boa. E precisa prestar muita atenção, agora, para a necessidade de melhoria dos nossos índices em ações que precisam ser desenvolvidas para pacificar as nossas escolas.

Aproximar a comunidade escolar das famílias para que haja mais interação, mais acompanhamento e, consequentemente, criar uma estrutura com mais valorização dos professores, dos servidores. Não só na qualificação, na progressão da carreira, mas também na motivação e na remuneração. Acho que o desafio é imenso e essa reforma do ensino médio, infelizmente, não nos ajuda a resolver esses desafios. Acredito que essa reforma precisa ser revista. Ela já foi paralisada pelo Ministério da Educação e a gente precisa construir uma outra reforma que, de fato, valorize a nossa escola.

O retorno do Ministério da Cultura (MINC) e o diálogo deste com a Secretaria de Cultura do Estado movimenta muitas esperanças e desejos nos artistas, profissionais duramente afetados pela pandemia. Quais as suas expectativas e o que dizer sobre a atuação desse setor nesse começo de gestão?

A cultura foi um dos setores mais atacados e mais violentados nos últimos anos pelo Bolsonarismo. Em um governo centralizador e com traços fascistas, a primeira coisa que ele faz é atacar a educação, atacar as pesquisas para vender fake news e atacar a cultura. Infelizmente, isso aconteceu no Brasil nos últimos anos.

O governo Lula sinalizou, agora, com recursos e com uma ministra muito bem escolhida e que tem representatividade no campo cultural, que é a nossa querida Margareth Menezes, e o governo da Bahia tem sinalizado que vai buscar as parcerias necessárias com o novo Ministério da Cultura. Colocou um secretário de Cultura que tem muita experiência no campo da gestão, o que certamente vai ser importante nesse sentido, e tem sinalizado um processo de valorização das ações da cultura na Bahia, porque a cultura é o coração do estado, é o espírito do estado da Bahia e é uma das principais fontes de renda e de produção simbólica.

Antônio, tem mais algum ponto importante sobre esses 100 primeiros dias que você gostaria de acrescentar?

Eu quero dizer que a minha expectativa com o governo Jerônimo como professor, como cidadão, como um geógrafo que trabalha com a questão da geopolítica, com geografia política, a expectativa é muito boa. Acho que Jerônimo é um homem do povo, que tem a cara do povo e o povo já mostrou que se identifica com ele. O compromisso no atendimento aos anseios do povo, no atendimento às necessidades daqueles que mais precisam é muito grande. E eu acredito que ele tenha consciência do tamanho da responsabilidade e do compromisso que ele tem.

Por fim, eu quero deixar como sugestão que o Governo da Bahia preste mais atenção à pauta ambiental. A expansão do grande agronegócio na Chapada Diamantina preocupa muito, porque é o berço das nossas águas, é uma área de transição de biomas, que precisa ser preservada. Eu peço atenção também na expansão acelerada dos parques eólicos que tem impactado muito fortemente nas comunidades. Tem gerado cercamento de terras que, historicamente, serviam e foram utilizadas como terras coletivas, de fundo e fecho de pasto. Muitos projetos têm atingido fortemente a migração de pássaros, principalmente de pássaros com risco de extinção, como é o caso das ararinhas azuis, aqui na região de Canudos.

Edição: Gabriela Amorim