Semear um espaço cultural dedicado às artes, presente em área rural do município de Conceição da Feira (BA), no Povoado do Cruzeiro, encruzilhada recôncava e semi-árida. Este é o propósito de Deisiane Barbosa, artista natural de São Félix, para a “ocupação casamendoeira”, que está com chamada aberta até dia 21 de abril para sua primeira residência artística, a ser realizada entre 20 e 31 de maio de 2023.
“Terra que brota fruto. Adubo. Chão cavado, líquido submerso. Água e Terra. Adobe que se faz morada. Casa. Lugar de pouso, exposição. Memória ancestral. Planta que é cumeeira, amendoeira. Terreno encruza, partilha ancestral. Plantio aguado, reflorestado. Árvore a brotar artes. Todo este jogo de palavras é ‘casamendoeira’, intervenção artística a ser realizada em um espaço que influencia minhas experiências performativas e poéticas”, descreve Deisiane.
A chamada é voltada exclusivamente para mulheres, mulheres trans e travestis baianas ou que morem em território baiano há pelo menos dois anos, com trajetória de produções em artes visuais, nas diversas linguagens – desenho, gravura, pintura, fotografia, instalação, videoarte, videoinstalação, performance, dentre outras. As inscrições para tal imersão criativa são gratuitas e podem ser realizadas através de link disponível no Instagram do projeto (@casamendoeira), onde também está disponível o edital. O resultado será divulgado dia 02 de maio.
As quatro mulheres selecionadas irão vivenciar doze dias de residência na casa, localizada na encruzilhada de terra massapê do Recôncavo Baiano e da “quentura” sertaneja em Conceição da Feira (BA). A partir dessa vivência que marca a inauguração da casamendoeira, o objetivo do projeto é que as residentes possam fazer intercâmbios artístico-poéticos e produzam narrativas visuais que dialoguem com as memórias da casa, seus ambientes e as habitantes do lugar.
O ponto de partilha é o livro homônimo escrito por Deisiane Barbosa e publicado pela andarilha edições, em 2023, na coleção cachoeiras; uma obra inspirada na história do espaço, do seu chão e de pessoas nascidas ali. As produções fruto da residência irão compor uma exposição na casamendoeira, a ser realizada de 07 de julho a 15 de setembro de 2023. A escritora, costureira de livros, performer e produtora cultural, idealizadora do projeto, também irá intercambiar vivências e expor obras na casa-livro-ateliê.
“As residentes irão participar de uma imersão criativa e pedagógica, em que o processo de criação contará com ateliês individuais. Embora consideremos o livro ‘casamendoeira’ como ponto de partida e desejemos traçar diálogos entre seu universo ficcional e as narrativas produzida pelas residentes, cada uma delas terá plena autonomia criativa para desenvolver suas obras”, explica Deisiane Barbosa. Ela acrescenta que a “ocupação casamendoeira” é ressonância de experiências vividas no Instituto Sacatar (Ilha de Itaparica, 2016) e do Prêmio das Artes Jorge Portugal (Lei Aldir Blanc, Secult/BA, 2021).
Além das criativas selecionadas pela convocatória, mais quatro artistas foram convidadas para a vivência, com o intuito de intercambiar pesquisas e trabalhos desenvolvidos: Tina Melo (artista visual e performer), Rebeca Carapiá (artista e educadora), Luciane Ramos (artista da dança e antropóloga) e Ani Ganzala (artista visual). O objetivo é promover a integração das artes visuais com a literatura e outras possíveis linguagens, em formatos diversos.
Projeto
Durante a etapa de residência presencial será oferecido espaço de criação individual, dormitório coletivo, refeições diárias, traslado de ida e saída para o Povoado do Cruzeiro. Cada residente ganhará uma bolsa no valor de R$ 1.500, mais R$ 800 destinados à produção do trabalho, bem como transporte e embalagem de suas próprias obras.
Além da residência artística e da exposição, serão realizadas oficinas criativas voltadas aos estudantes da Escola Municipal Firmino Dias, situada no Povoado do Cruzeiro, nos dias 29 e 30 de maio de 2023. O projeto “ocupação casamendoeira” foi contemplado pelo Edital Setorial de Artes Visuais 2019 e tem apoio financeiro do Governo do Estado, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda, Fundação Cultural do Estado da Bahia e Secretaria de Cultura da Bahia.
Seleção
“Através desta residência artística queremos partilhar narrativas que enredam e inscrevem os femininos e suas memórias, ações, gestos, práticas, saberes, sonhos, trajetórias”, enfatiza Deisiane. Além de Deisiane, compõem a equipe de seleção Yasmin Nogueira, artista visual, performer, pesquisadora e arte educadora, que propõe em sua poética a investigação em torno do feminino e negritude; e Laura Castro, escritora, educadora, pesquisadora, curadora e editora, dedicada a uma vasta pesquisa e experimentação da literatura expandida, produção em livros de artista e propostas performativas de praticar a escrita literária.
Outra ação do projeto é a formação de quatro jovens da comunidade para trabalharem como mediadores da exposição, encarregados de auxiliar nas visitas mediadas ao longo dos três meses da programação. Deisiane Barbosa conta que parte dos moradores do Povoado do Cruzeiro nunca visitou um museu ou galeria de arte e comenta a importância de viabilizar experiências artísticas para além de espaços legitimados para tal.
“Relato isso com muita propriedade. Eu só vim ter acesso a outras linguagens artísticas, além da literatura, ao ingressar na universidade (a UEFS e a UFRB), a partir do ano de 2010. O Povoado do Cruzeiro se qualifica como área de remanescentes quilombolas, uma região periférica e carente da aplicação direta de políticas culturais como esta. Com isso, a casamendoeira se apresenta como espaço de acesso, partilha e expansão de potencialidades artísticas”.
Deisiane conta que, a partir deste projeto, a casamendoeira se torna o primeiro espaço cultural dedicado às artes presente em área rural do município de Conceição da Feira, impactando toda a região do entorno. “Queremos que a casa se torne um ponto de cultura, propondo ações de arte educação para o território do Recôncavo Baiano, bem como um ateliê aberto para vivências artísticas de seus diversos segmentos”, pontua.
Casa de Dona Norma
O espaço fica localizado no Povoado do Cruzeiro, zona rural de Conceição da Feira (BA). Uma construção de 1967, feita em adobe, que abrigou uma família com cinco filhos e filhas, nove netos e netas, e hoje é residência da artista Deisiane Barbosa e ateliê da andarilha edições (em atividade desde 2019). “casamendoeira” também dá título ao livro feito de memórias assopradas por uma casa arborizando, à beira da ruína, narrando a configuração daquele lugar, desde a retomada do terreno, ao seu processo de reflorestamento.
“Andarilha que sou, faço da casamendoeira meu pouso. É nela onde está a minha história e a dos meus familiares, a casa de vovô e vovó. Foi nela onde passei minha infância e adolescência. É a partir dela e com ela que começo a escrever e que me formo poeticamente. É desse lugar do afeto que pretendo provocar as artistas residentes, a serem tocadas pelo tempo-espaço e memórias ancestrais que aqui habita”, descreve Deisiane Barbosa.
A casamendoeira é lazer familiar, ao seu lado está a casa de Dona Norma, avó da escritora. Em sua porta há uma amendoeira, cumeeira ancestral, plantada antes de ser levantada a residência em adobe. “Meu avô plantou a amendoeira antes mesmo de construir a casa. Nasceram os filhos e netos, foram construídas novas residências em torno e esse ambiente ficou desabitado, virou depósito, quase ruiu por completo. Com o passar do tempo e das minhas andanças como artista, inquieta, decidi restaurá-la. casamendoeira é casa-livro-ateliê, reflorestada, retomada, para o coletivo e em comunidade”, pontua Deisiane, costureira de livros e palavras.
Com informações da Ascom casamendoeira
Edição: Gabriela Amorim