Na última segunda-feira (03), a co-vereadora Cleide Coutinho (PSOL), da Mandata Coletiva Pretas por Salvador, sofreu ataques de colegas vereadores e foi “convidada a se retirar” do plenário da Câmara pela assistência militar. O mandato coletivo, composto por três mulheres pretas, foi eleito em 2020, sendo as três empossadas na Câmara e diplomadas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Naquele dia, a co-vereadora Laina Crisóstomo (PSOL) precisou se ausentar, por motivos de saúde, e Cleide Coutinho se dispôs a ir para a seção, algo que era comum de acontecer na Mandata Coletiva. O vereador Henrique Carballal (PDT), então, convidou uma de suas assessoras, Viviane Rezende, a também adentrar o plenário. “Ele chega a fazer um vídeo chamando de mandato coletivo! Outros parlamentares começam a fazer falas que questionam o mandato coletivo e pedem que a assessora e Cleide se retirem. O presidente da seção, Isnard Araújo (PL), chama a assistência militar para retirá-las do Plenário”, conta Laina.
A seção chegou a ser suspensa por alguns minutos, mas depois retomada com a presença da co-vereadora Cleide e da assessora Viviane. “Eu não consigo mensurar o nível de violência, de ataque, de perversidade nisso. São muitos os ataques de violência política e de gênero que aconteceram [contra a Mandata]”, acrescenta Laina.
Ela conta que, logo no início da legislatura, as co-vereadoras Cleide Coutinho e Gleide Davis eram proibidas de adentrar o plenário e reiteradamente tratadas como assessoras parlamentares. Até terem sua permanência liberada pela mesa diretora da casa, mesmo não tendo possibilidade de fala no plenário, nem quórum para as reuniões de comissões, por exemplo. Mas, este ano, passaram a receber ataques mais veementes dos colegas vereadores.
“A gente começa a receber ataques muito diretos, numa perspectiva muito perversa de machismo, de racismo e de violência política de gênero. É um nível de violência surreal!”, diz Laina. Ela complementa que, nas últimas semanas, receberam vários ataques no sentido de coibir a atuação das co-vereadoras nas comissões e no plenário. “Mas, em nenhum momento isso foi dialogado com a gente. É sempre um processo da assistência militar tentando barrar a entrada das co-vereadoras”, acrescenta.
Ao Brasil de Fato, o vereador Henrique Carballal afirmou que “defende veementemente o Estado Democrático de Direito” e que não cometeu “nenhum tipo de ataque ou manifestação desonrosa” contra as co-vereadoras. Ele defende ainda que os mandatos coletivos podem abrir espaço para que políticos impedidos de se candidatar pela Lei da Ficha Limpa possam participar de processos eleitorais.
“Não existe lei que estabeleça que mais de uma pessoa seja eleita para assumir o cargo de vereador. Portanto, quem é contra isso são os fascistas, que querem destruir as instituições. Precisamos respeitar as leis e a Constituição, pois é isso que nos salva da barbárie”, concluiu Carballal.
O Brasil de Fato entrou em contato também com a Câmara Municipal de Salvador (CMS), mas até o fechamento desta matéria, não havíamos obtido respostas.
Mandato coletivo
Possivelmente, o primeiro mandato coletivo foi eleito na Suécia em 2002, sendo uma prática adotada por diversos países democráticos nos anos seguintes. No Brasil, em 2021, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editou uma resolução permitindo a candidatura nesses moldes. Mas, mesmo antes disso, o país já contava com esse formato de mandato. Segundo dados do próprio TSE, nos de 2018 e 2020, houve 341 candidaturas e 28 mandatos coletivos eleitos.
A resolução do TSE previa que a candidatura fosse registrada no nome de apenas uma pessoa. Sendo o mandato também vinculado, formalmente, ao nome da pessoa que consta no registro da candidatura. À época da edição dessa resolução, o ministro do TSE Carlos Horbach afirmou que a inexistência da prática do ponto de vista jurídico não impede a promoção das candidaturas no Brasil.
Uma pesquisa acadêmica realizada por pesquisadores e pesquisadoras ligados à Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Universidade de Brasília (UnB) e às universidades federais de Alagoas e de Santa Catarina mostra que os grupos estão ligados sobretudo a partidos de esquerda e centro-esquerda, com pautas identitárias e direcionadas a minorias.
Violência política de gênero
A co-vereadora e advogada Laina Crisóstomo defende que os ataques contra a Mandata Coletiva Pretas por Salvador podem ser enquadrados como violência política de gênero. Em agosto de 2021, foi sancionada a Lei 14.192 que tipifica como crime este tipo de violência. Até novembro de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) vinha contabilizando uma média de 7 procedimentos instaurados por mês para investigar casos de violência política de gênero em todo o país.
A Lei de 2021 afirma ser crime comportamentos para “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio” uma candidata ou detentora de mandato eletivo, por sua condição de mulher, mas também por sua cor, raça ou etnia. Casos como esse devem ser denunciados ao MPF.
https://www.tse.jus.br/servicos-eleitorais/denuncias/canal-de-denuncias-para-violencia-politica-de-genero
Laina conta que esse deve ser o caminho adotado pela Mandata Coletiva, e que também já foram protocoladas denúncias à Ouvidoria da própria Câmara Municipal de Salvador. “Mas a gente tem uma grande dificuldade de implementar, de fato, a Lei de Combate à Violência Política de Gênero. A gente tem vivenciado várias violências nesse caminho, mas essa violência foi muito brutal”, afirma.
Edição: Alfredo Portugal