Bahia

Calourada

Calourada indígena da UFBA é momento de acolhida e luta

Estudantes indígenas promovem espaço de acolhida dos calouros e destacam importância de políticas de permanência

Salvador |
Calourada Indígena fará uma homenagem a Josefa Pataxó, liderança importante na história das lutas pelo território da Aldeia Mãe, em Barra Velha - Divulgação

Quase 50 novos estudantes indígenas ingressam este ano em um dos cursos da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Para integrar e acolher esses chegantes, mas também para reunir e confraternizar com os veteranos, nesta sexta-feira (31), acontece mais uma edição da Calourada Indígena da UFBA. O evento, além de celebrar a diversidade cultural e a luta dos povos originários, realiza também uma aula inaugural, nesta quinta-feira (30), às 14h, no auditório Raul Seixas da FFCH/UFBA. A entrada é gratuita e cada ingresso pode ser trocado por um quilo de alimento para fortalecer as campanhas de combate à fome.

Nawê Pataxó explica que a Calourada é um evento que se repete há doze anos e tem a sua importância reafirmada a cada edição. Nawê é integrante do Programa de Educação Tutorial (PET) – Comunidades Indígenas, programa de pesquisa, ensino e extensão da UFBA, que atua em diversas aéreas do conhecimento para ajudar, principalmente, os povos indígenas do nordeste.

“Estamos realizando essa calourada, que também é chamada de feira cultural, porque é importante que a gente tenha essa rede de apoio, de contato. A atividade foi criada, em 2010, pelo PET Indígena para celebrar a conquista de entrada na Universidade e para fortalecer a permanência desses estudantes indígenas”, declara Nawê ao falar da relevância desse projeto.

Aula Inaugural

A aula inaugural Indígena 2023 tem como tema “Dona Josefa Ferreira Pataxó, memórias da luta e resistência dos povos indígenas do nordeste”. Nawê nos conta que Dona Josefa Pataxó, como é popularmente chamada, era filha de Epifânio Ferreira, um grande líder do Povo Pataxó no território de Barra Velha. Quando ele estava prestes a falecer, encarregou Dona Josefa de proteger esse território sagrado, também conhecido como Aldeia Mãe, por ser o mais antigo dos povos Pataxós.


Nawê Pataxó destaca a importância da calourada como um espaço de acolhimento para novos estudantes indígenas / Arquivo pessoal

“Dona Josefa cresceu e viu a maneira como seu pai lutava, mas por ser uma mulher indígena, não participava das reuniões e das decisões. No entanto, ela tomou para si o pedido do pai e a missão de proteger o território de Barra Velha. Em um momento importante de ameaça, ela defendeu fortemente a permanência do território”, afirma Nawê Pataxó ao se lembrar dessa história real, ancestralidade e memória que inspiram os Pataxós mais novos.

Dona Josefa foi uma mulher sem estudos e viveu um tempo anterior à Constituição de 1988, que só permitia aos indígenas usufruir, mas não assegurava o direito ao território e à posse das terras. Ela virou símbolo justamente por ter sido um marco da resistência na luta e defesa de Barra Velha. “O legado que ela deixa é justamente esse, de não parar de lutar por nossos direitos. Antes, a luta era no facão ou em uma reunião. Hoje, a luta é no Congresso e no Senado Federal. Por isso, os indígenas procuram mais acesso ao ensino superior. Hoje, a briga é na caneta”, declara Nawê.

Calourada

A Calourada deste ano promete trazer artistas de diferentes povos como os Pataxó e os Tuxá. Dentre os artistas, Breno Tuxá, Akuã Pataxó, Yacunã Tuxá e Bia Tuxá são nomes garantidos. A programação também prevê um desfile de roupas culturais, da designer de moda Ludmila Pataxó que faz roupas autorais e exclusivas. “O público vai poder ver e admirar como é uma vestimenta pintada por indígenas”, comemora Nawê, também conhecido no meio acadêmico como Marcos Juan, seu nome civil.

As atrações musicais serão divididas entre DJs e cantores. “Vamos ter cantor de rap, de música popular brasileira, todos trazendo a música pro lado da luta dos povos indígenas. O rio, a mata, nossas florestas. O público pode esperar dessa noite um evento totalmente diferente dos que já acontecem em Salvador”, promete Nawê sem deixar de destacar que esses artistas não têm tanta visibilidade, mas têm uma relevância enorme para o seu povo.

Permanência

Nawê Pataxó é estudante do quarto semestre de Engenharia Química e, até o momento, se reconhece como o único indígena do curso. Ele defende que o processo de colonização sofrido pelos indígenas que não sabiam ler nem escrever em português e que não tinham conhecimento sobre as leis, foi motivação de lutas que ampliaram o interesse e o desejo dos povos indígenas pelo ensino Universitário. Para ele, o ingresso na Universidade não representa uma conquista individual, mas sim coletiva.


Calourada terá a presença de vários artistas indígenas da Bahia / Divulgação

“Hoje, eu e vários colegas indígenas tentam se graduar para voltar para a aldeia e ajudar de alguma forma. Eu estudo engenharia também para ajudar na luta dos povos indígenas. Eu posso me especializar na área ambiental, trabalhar na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai)”, declara Nawê ao planejar o futuro.

Ele reforça que não frequenta a universidade só pra ter um diploma e defende a sua comunidade ao afirmar que os indígenas universitários não querem só um bom emprego e um bom salário. “Estar na Universidade é sinônimo de ferramenta de luta e de conhecimento. É a gente se especializar para alcançar novos espaços. Para chegar aonde os nossos antepassados não chegaram. É se formar para trazer uma nova visão para dentro das comunidades indígenas”, declara Nawê que fala também sobre o desafio não só de entrar, mas, sobretudo, de permanecer na Universidade.

“Quando você chega em uma capital, você não tem quem possa te ajudar. Muitos, trancam o curso e voltam para a aldeia porque se sentem sozinhos. Daí a importância de uma rede de integração dentro da academia. Você só consegue garantir a continuidade dos estudos dando aos indígenas uma rede de apoio”, afirma.

Nawê argumenta que a Calourada tem também este propósito: mostrar que existem outros estudantes indígenas, que tem outras realidades parecidas com a sua para que possam se ajudar mutuamente.

A questão financeira e socioeconômica somada a uma educação escolar indígena precária, dificultam muito a continuidade dos estudos. Por isso, Nawê acredita que um dos principais desafios para o movimento indígena na universidade é assegurar direitos. “Hoje, a gente tem bolsas de programas de pesquisa, tem a bolsa permanência. Quando se tem uma Pró-Reitoria de Assistência Estudantil que olha para os povos indígenas, se está ajudando demais na permanência desses estudantes dentro da universidade”, afirma.

Logo mais, começa o Abril Indígena um mês importante para visibilidade das agendas e demandas indígenas e Nawê acredita que se pode criar um mundo melhor através da diminuição do sofrimento humano. Ele aproveita esta oportunidade para fazer um apelo: “Dentro das salas de aula existem estudantes indígenas. Eles precisam de um olhar diferenciado da instituição, do professor, dos outros estudantes. O estudante indígena precisa de apoio psicológico e financeiro”, reafirma Nawê.

Edição: Gabriela Amorim