Com o tema “Bicentenário da Independência da Bahia: Mulheres insubmissas protagonistas da Democracia”, as mulheres baianas vão às ruas para marcar o Dia Internacional da Mulher, o histórico 8 de Março. Nesta quarta-feira, a partir das 13h, representantes de organizações, movimentos e coletivos de mulheres se encontram no Largo da Lapinha de onde saem em caminhada até o Centro Histórico, em Salvador. O percurso simboliza a trajetória das heroínas nas lutas pela Independência no estado: Maria Quitéria, Maria Felipa, Joana Angélica e a Cabocla, as homenageadas deste ano.
Esta é 5° edição da Marcha 8M Bahia, uma organização livre formada por diferentes movimentos de mulheres. O ato público denuncia a violência do racismo estrutural, do sexismo, do feminicídio, da misoginia, da lesbofobia e de todas as formas de opressão contra mulheres, ao mesmo tempo em que exalta a efetiva contribuição feminina nas lutas democráticas contra o fascismo. Ao todo, assinam conjuntamente a ação cerca de 70 entidades, representantes de mulheres urbanas e camponesas, trabalhadoras domésticas, marisqueiras, pescadoras, negras, quilombolas, LGBTQIAP+ e tantas outras.
Marta Leiro, uma das fundadoras do Coletivo de Mulheres do Calafate, que há 30 anos desenvolve ações na comunidade, no bairro da Fazenda Grande do Retiro, periferia de Salvador, reconhece a luta das mulheres que vieram antes e segue resiliente na luta por dias melhores. Ela defende a Marcha do 8M como uma mobilização que se articula e valoriza a diversidade sem deixar de destacar também as diferenças e subjetividades que atingem as mulheres.
“A Marcha dá visibilidade às bandeiras do movimento feminista e é uma ação construída, organizada e realizada pelos movimentos sociais, com a participação de ativistas e o apoio de universidades e sindicatos. A Marcha é o momento de reconhecermos nossa diversidade e tudo o que nos une, mas também o que nos diferencia”, declara Leiro.
Para Suely Santos, da Rede de Mulheres Negras e membro da Comissão de Organização da Marcha, esse 8 de Março representa a continuidade da luta contra o racismo e o sexismo. “Essa luta não se encerra nessa data e nem começou neste dia, mas ganha o destaque e a ênfase na luta contra o fascismo considerando os últimos anos de desgoverno, com o recrudescimento das desigualdades, da fome e das intolerâncias”, declara Suely.
Heroínas de ontem e de hoje
As mulheres foram essenciais na luta pela Independência da Bahia e são elas também as centenas de heroínas anônimas que revindicam as suas vozes e os seus lugares hoje. Reverenciadas na Marcha deste ano, Felipa, Quitéria e Angélica se somam a Marta, Suely e a tantas outras vozes que assinam os seus nomes e as suas narrativas nas trincheiras por equidade, justiça e liberdades.
“O tema do nosso 8M é um convite a visitar a história. Muitas de nós não temos conhecimento ou aprendemos de maneira errada a história da Independência da Bahia, principalmente no que se refere à participação das mulheres. Trazemos a reflexão e damos visibilidade à participação feminina na luta pela democratização do Brasil”, declara Marta Leiro.
Em sintonia com esse pensamento, Suely também acredita que é necessário trazer para o 8 de Março a visibilidade das mulheres. “É uma relação do antes e do depois. Quem foram essas mulheres na participação desse grande fato histórico e o que elas nos inspiram para que a gente continue na lida para seguir lutando”, declara.
O percurso da Lapinha ao Pelourinho simboliza a consolidação da Independência do Brasil na Bahia, a partir da participação popular. “Nesse sentido, o movimento de mulheres faz referência à participação feminina e às suas insurgências nesse movimento histórico e sensibiliza para o engajamento dessas forças que nos inspiram nas lutas de agora”, declara Suely Santos.
Suely, que é também coordenadora da Casa da Mulher Negra, defende a figura histórica de mulheres negras como Maria Felipa. “As outras mulheres que foram insurgentes no período da violência, como Maria Quitéria e Joana Angélica, já se faziam presentes nos livros didáticos. A figura de Maria Felipa é uma figura que volta para a visibilidade e é resgatada da invisibilidade pelos esforços do movimento negro e do movimento de mulheres negras”, afirma Suley, ao valorizar o resgate de personalidades de relevância para a construção do Brasil. “Maria Felipa, pra mim, é a grande personalidade deste 8 de março”, complementa.
Raça e Classe nas lutas das mulheres
São muitos os desafios que estão postos nas lutas dos movimentos e organizações de mulheres. Suely reafirma que para exigir políticas públicas é preciso compreender e relacionar as variáveis de raça e de classe. Ela alerta que as violências atingem as mulheres de maneira diferenciada e que são elas, dos seus lugares e territórios e da classe a que pertencem que promovem o enfrentamento à violência. Uma responsabilidade que deve ser do estado.
“O feminicídio é uma questão para Segurança, Educação e Saúde Pública. Eu acho que as medidas de combate a essas deficiências ainda são ineficientes. Principalmente, as medidas de proteção às mulheres. O estado tem que se preocupar e priorizar a criação de fundos financeiros específicos e direcionados para esse enfrentamento”, declara Suely.
Na defesa de que o feminicídio é uma questão prioritária, Suely fala sobre a criação e a ampliação do número de casas e de abrigos de proteção à mulher, o aumento de Delegacias Especializadas e a criação de um plano nacional instituído como possibilidade de caminhos para garantia da vida das mulheres.
“Não existe uma política pública ampla com diversas ramificações na área da saúde, da educação que se preocupem com a segurança da mulher. É preciso construir um plano nacional de relevância e bem estabelecido que tenha ressonância nas cidades. Um grande projeto de defesa à vida da mulher”, declara.
Feminismos Negros
Suely Santos, da Rede de Mulheres Negras, observa que as mulheres de comunidades, em sua maioria, são negras e geralmente se juntam pela necessidade de sobrevivência e pelos problemas que as atingem coletivamente: a violência doméstica, o desemprego, a violência policial. O movimento se organiza a partir dessas demandas de combate às violências sofridas.
“Eu acho que o movimento e a organização de mulheres cresce, especialmente, nos territórios quilombolas, indígenas, em comunidades populares urbanas, em instituições religiosas e é bom destacar isso porque o movimento feminista tradicional tem mais pertencimento dentro de construção de teorias nas Universidades”, provoca Suely ao destacar que há um diferencial dentro desses feminismos e dentro da organização de mulheres como um todo, que nasce a partir dessas variáveis de raça e classe.
A reivindicação por igualdade no mercado de trabalho, por exemplo, ainda é uma pauta de só algumas categorias profissionais. “Existe uma distinção dessas categorias dentro da organização das mulheres e dentro do feminismo brasileiro. São as variáveis de raça e classe que indicam de que lugar você está organizada e de onde você está fazendo a ação de movimento de mulheres”, pontua Suely, que defende o movimento de mulheres negras, feministas ou não, como a grande referência de organização atual de mulheres.
Edição: Gabriela Amorim