A alimentação escolar na Bahia dá um novo passo rumo a uma nutrição adequada e livre de agrotóxicos. Atualmente, de acordo com a Lei nº 11.947, de 2009, 30% do valor repassado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) deve ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiar. Na Bahia, no entanto, a partir deste ano, essa compra será de 100%, e a alimentação oferecida nas escolas públicas do estado será fruto das colheitas agroecológicas fornecidas por profissionais da agricultura familiar.
“Estamos falando sobre a compra direta da agricultura familiar. Quando a gente fala isso, a gente destaca que 100% do recurso que vem do PNAE, um recurso do Governo Federal, do Governo Lula, vem para a Bahia. Esse recurso tem uma exigência de compra de 30% da agricultura familiar, mas o governo da Bahia, Jerônimo Rodrigues, tomou um posicionamento de comprar 100% dos agricultores e agricultoras”, explica Débora Rodrigues, atual Presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional da Bahia (Consea-BA), entusiasmada com as recentes decisões.
Essa iniciativa não só estimula o desenvolvimento econômico local e sustentável das comunidades, como também fortalece o trabalho realizado no campo que, nos dias de hoje, é protagonizado por muitas mulheres. Este é o caso de Vanderlea Barboza que desde muito pequena trabalha na lavoura com os pais. “Nasci e me criei na roça. Não tive muito contato com a cidade. Só com o campo. Aqui, a gente trabalha com café, milho, feijão, banana, cenoura, beterraba, tomate, mandioca, abóbora. Nessa região, a gente trabalha com um pouquinho de cada coisa”, declara Vanderlea, agricultora camponesa com orgulho dos produtos que colhe da roça.
Vanderlea se diz muito feliz com a notícia de que as escolas do estado vão ser alimentadas com os seus produtos e o de tantos parceiros da região. Ela reconhece que o benefício do trabalho plantado incentiva o ofício, mas vai além de si mesma. “As pessoas que vão consumir os nossos produtos também serão beneficiadas por comerem alimentos sem agrotóxicos”, declara a agricultora da Fazenda Vila Corina, município de Encruzilhada, no sul da Bahia.
Débora Rodrigues alerta que a questão da territorialidade é um diferencial importante pois quem é do próprio território tem preferência em relação aos outros. Débora explica também que os agricultores e agricultoras que desejam participar do fornecimento de alimentos devem se preparar com as suas cooperativas para apresentar propostas nas chamadas públicas. A partir de um conjunto de critérios que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) define para o PNAE, dos produtos a um conjunto de documentos que precisam ser apresentados, a partir disso, estão aptos a participar.
A chamada pode ser feita por um edital aberto pela Secretaria de Estado da Educação (SEC) ou pelas escolas. “No caso da Bahia, cada escola está fazendo as suas chamadas públicas. Diante desse chamamento, as cooperativas apresentam as suas propostas e atendendo aos requisitos solicitados no edital, atendendo às regras, a partir da seleção deste edital essas pessoas passam a contratualizar o fornecimento de produtos da agricultura familiar que são produzidos por essas pessoas e suas famílias”, declara Débora.
Heitor Novais atua há três anos e meio como gestor comercial da Cooperativa Mista de Produção e Comercialização Camponesa da Bahia (CPC-BA) que tem como base agricultores e agricultoras do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) do estado. “Nossa cooperativa tem como objetivo a organização da produção, beneficiamento e comercialização do que é produzido pelo campesinato baiano”, declara Heitor. A CPC possui experiência com o PNAE e atua, principalmente, nos municípios do sudoeste da Bahia. “A gente recebe a notícia da compra de 100% da alimentação escolar da agricultura familiar com grande expectativa. Essa nova meta de aquisições deve aumentar as vendas dos nossos e de outros empreendimentos, diversificando os produtos comercializados e consumidos nas escolas, ampliando as famílias participantes da política pública e gerando mais renda para a agricultura familiar baiana”, comemora Heitor.
Débora alerta ainda que para prestar esse serviço, agricultores e agricultoras precisam ter a certificação de agricultor e agricultora familiar, documento que reconhece essas pessoas como agricultores familiares. Depois disso, as escolas devem ficar atentas aos prazos e chamadas públicas que é uma exigência do PNAE.
A Força das Mulheres no Campo
Durante muito tempo, o trabalho das mulheres no campo tem sido invisibilizado, tratado como uma “ajuda” dada aos serviços de seus maridos, pais ou irmãos. Nos últimos anos, as mulheres têm se esforçado para demonstrar a importância de sua lida nos quintais produtivos, por exemplo, e na produção de alimentos para consumo da família e para comercialização.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), as mulheres são responsáveis por mais da metade da produção de alimentos no mundo, desempenhando um importante papel na preservação da biodiversidade e garantia da soberania. No Brasil, dados do Instituto Brasileiro e Estatística (IBGE) de 2017 apontam que 70% da produção de alimentos provém da agricultura familiar.
“No campo, nós mulheres, somos muito fortes. Nós trabalhamos em pé de igualdade com os homens. No plantio, no manejo, na colheita, na comercialização. A gente trabalha de igual para igual. E nossa força vai além porque cuidamos dos alimentos, ainda cuidamos e alimentamos os animais, a casa, os filhos”, defende Vanderlea Barboza.
A presidenta do Consea-Ba também defende a força e participação ativa das mulheres na produção agroecológica. “Hoje, na Bahia você tem um número expressivo. O estado baiano é um dos estados com o maior número de agricultores e agricultoras familiares, e as mulheres sempre tiveram uma presença muito forte”, declara Débora ao defender essa presença não só em números, mas também na garantia da qualidade. “Nos movimentos de mulheres da agricultura familiar, há uma prática que conta com esse saber feminino, a exemplo dos quintais produtivos, da produção de hortaliças, da produção de alimentos agroecológicos que conta com a presença feminina em todas as suas etapas”, declara.
Heitor Novais também reconhece a importância de destacar o papel das mulheres em todas as atividades produtivas e econômicas, de organizações políticas e sociais do campo. Só na CPC, onde trabalha, já é possível reconhecer essa presença. “A cooperativa é presidida por uma jovem liderança, Francisca Silva Santos, e composta por agricultoras, cafeicultoras, apicultoras, farinheiras, quitandeiras e guardiãs de sementes de todo o estado. Estamos em luta e acreditamos que sem feminismo não há agroecologia”, reconhece Heitor.
O Consea voltou!
No dia 28 de fevereiro, em Brasília, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) foi novamente restituído. A presidenta do Consea-BA. Débora Rodrigues, apesar de reconhecer a destruição do Conselho pelo governo anterior, defende que a sociedade civil seguiu atuante e nunca esteve parada.
“A gente não parou. Realizamos a conferência popular. A gente continuou atuando fortemente nos conselhos estaduais e voltamos, agora, ao Planalto para ocupar esse espaço da sociedade civil no monitoramento e na construção de novas políticas”, declara Rodrigues que viajou para capital federal exclusivamente para o evento.
Ela conta que durante o encontro o presidente Lula deu posse aos conselheiros e conselheiras e foi possível discutir com as representações de diversas Secretarias de Governo o plano de trabalho e as ações estratégicas de enfrentamento à fome para o próximo período. “Foram momentos para compreender a ação do governo no apoio à população Yanomami e a toda tragédia que eles vivem. E também de reafirmar compromissos. A gente sai daqui com a tarefa de realizar a próxima conferência de Segurança Alimentar Nutricional (SAN) que deve acontecer em novembro”, declara Débora ao garantir que a Bahia assume também a tarefa de fazer as conferências territoriais e estadual.
Para Débora, o retorno do Consea significa o apoio às pessoas que estão em situação de fome como uma prioridade no país e na defesa do direito humano a alimentação. “A volta significa recomeço, reestruturação da política de segurança alimentar na construção de um Brasil soberano, da dignidade humana, da reconstrução de um conjunto de política, mas, principalmente, da retomada da sociedade civil na participação dessas políticas”, celebra Débora.
Ela reconhece que os desafios são grandes, mas não perde a alegria. “Estamos animadas por tocar as coisas, para continuar resistindo e incomodando do ponto de vista de provocar o governo, incidir, avaliar e propor questões de enfrentamento a fome. Vamos esperançar”, declara.
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública. O governo federal repassa, a estados, municípios e escolas federais, valores financeiros de caráter suplementar efetuados em 10 parcelas mensais (de fevereiro a novembro) para a cobertura de 200 dias letivos, conforme o número de matriculados em cada rede de ensino.
O PNAE é acompanhado e fiscalizado diretamente pela sociedade, por meio dos Conselhos de Alimentação Escolar (CAE), e também pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), pelo Tribunal de Contas da União (TCU), pela Controladoria Geral da União (CGU) e pelo Ministério Público.
Edição: Gabriela Amorim