Bahia

Hanseníase

Bahia registrou mais de 1500 casos de hanseníase em 2022; casos podem estar subnotificados

Doença tem cura, e tratamento pode ser feito pelo SUS

Salvador |
Hanseníase tem cura, e tratamento pode ser feito no SUS - Secretaria de Saúde de Jundiaí

Uma das enfermidades mais antiga que se tem registro, a hanseníase, tem cura, mas ainda representa um grave problema de saúde pública no Brasil. Doença infectocontagiosa de evolução crônica e que se manifesta, frequentemente, por lesões na pele acompanhadas de sintomas neurológicos como dormências e diminuição de força nas mãos e nos pés. A hanseníase pode ser tratada de forma gratuita na rede pública de saúde. Essa iniciativa, no entanto, não tem sido suficiente para erradicar a doença no país.

Na Bahia, o número de casos também é representativo. Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde (Sesab), só no ano de 2022, o estado registrou 1.537 novos casos. De 2019 a 2022, esses casos chegaram a somar quase 7 mil novos registros. Para vencer essa realidade é preciso combater o preconceito e ampliar a conscientização da sociedade sobre a doença, é o que defende Paulo Machado, médico com experiência nas áreas de imunologia e dermatologia.

Com muitos anos de atuação, ele reforça que o Brasil é o país com segundo maior em número de casos absolutos dessa doença. E explica que a atenção deve se concentrar no aparecimento de áreas ou lesões na pele – manchas, placas ou infiltração difusa – com perda de sensibilidade local ou nas extremidades e faz o alerta de que todo sujeito com esse tipo de queixa deve ser investigado para hanseníase, porque é uma doença endêmica no país.

“Esses são os principais sinais de alerta. Aparecimento de lesões de pele e nessas lesões diminuição ou perda de sensibilidade. Sensação de formigamento, de dormência em extremidades, principalmente os dedos das mãos e dos pés, diminuição de sudorese e eventualmente até de crescimento de pelo”, explica Paulo que é coordenador e investigador do Serviço de Imunologia do Hospital Universitário Professor Edgar Santos (Hupes) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e cuida de pacientes com confirmação diagnóstica para hanseníase.


Paulo Machado, médico com experiência nas áreas de imunologia e dermatologia / Arquivo pessoal

O médico chama atenção de que no Brasil há mais de 30 mil novos casos diagnosticados anualmente. “O que é uma taxa alta, mas essa taxa pode estar subestimada porque muitos casos demoram de ser diagnosticados. Muitos pacientes não têm acesso ou não procuram os postos de saúde. Muitos profissionais de saúde são mal treinados ou não são nem treinados para reconhecer e diagnosticar hanseníase”, destaca o especialista com preocupação e convicção de que o número real é muito maior.

A doença é transmitida por um bacilo e por meio de contato próximo e prolongado entre as pessoas. Seu diagnóstico, tratamento e cura dependem de exames clínicos minuciosos e, principalmente, da capacitação médica. Paulo explica que, quando o paciente de hanseníase é diagnosticado, ele é solicitado a trazer todos os seus comunicantes intradomiciliares, ou seja, pessoas que moram e habitam a mesma casa nos últimos cinco anos. O médico nos explica que essas pessoas já podem apresentar hanseníase em fase inicial ou até em uma fase mais avançada e contagiosa que não foi percebida.

“Nesse exame familiar a gente pode fazer diagnósticos adicionais e, com isso, diminuir a transmissão da doença que acontece por contágio direto pessoa a pessoa, mas exige uma convivência íntima e prolongada. Não é em um ou outro contato fortuito que ninguém vai adquirir a doença. É importante frisar que metade dos pacientes com hanseníase não transmitem a doença e a outra metade, com o início do tratamento, param de transmitir”, declara Paulo Machado com especial destaque a essa informação. “Isso é importante para diminuir o preconceito irracional e inaceitável que existe com relação à doença”, explica.

Vacina BCG: uma aliada no combate

Para os indivíduos com o exame dermato-neurológico negativo, Paulo Machado acrescenta uma informação valiosa. Ele explica que, embora não exista uma prevenção para hanseníase, além do diagnóstico precoce e na fase inicial da doença, há uma outra maneira importante de prevenir os comunicantes que moram em casa com pessoas positivadas ou mesmo nas comunidades onde existem muitos casos de hanseníase.

“Nessas situações, a pessoa deve tomar uma dose de BCG. Embora não seja uma vacina considerada contra hanseníase, tem uma eficácia comprovada no sentido de diminuir a taxa de aparecimento de casos. Tem algum efeito vacinal, além de diminuir a chance do indivíduo, ao ter a doença, desenvolver a forma mais extensa e contagiante”, declara otimista ao explicar que essa simples ação pode diminuir a cadeia de transmissão da doença.


Principais sintomas são lesões na pele acompanhadas de dormências e diminuição de força nas mãos e nos pés / Secretaria de Saúde de Sergipe

A BCG é uma vacina presente no calendário vacinal do Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o país e foi criada para prevenir a tuberculose, outra doença endêmica no Brasil.

Consequências, sequelas e preconceitos

A prevenção da doença é feita por diagnóstico precoce. Só esse diagnóstico preciso vai evitar que a doença se torne contagiosa e seja repassada para outros indivíduos da comunidade. A hanseníase, quando descoberta e tratada tardiamente, pode trazer deformidades e incapacidades físicas. No Brasil, o tratamento é gratuito e oferecido pelo SUS.

Para Paulo Machado, além do impacto psicológico pela dificuldade de conhecimento sobre a doença e de toda a ignorância acumulada ao longo dos séculos, um dos maiores entraves é o preconceito. “A questão da lepra ser um pecado ou um castigo divino, não tem o menor sentido. É uma doença como outra qualquer causada por uma bactéria que trata e que cura”, declara.

Na batalha contra a desinformação, Paulo alerta que uma das graves consequências da doença é o aparecimento de deformidades que podem deixar o indivíduo incapacitado e com dificuldade para andar. “Com dificuldade de manuseio das mãos, que impacta muito forte na sua capacidade de trabalho, até cegueira pode ser causada pela hanseníase se houver comprometimento da região ocular”, afirma.

Além do tratamento precoce, o médico chama atenção para o acompanhamento cuidadoso dos pacientes durante e mesmo após a alta. “Cerca de 40% das pessoas que têm hanseníase podem desenvolver episódios de inflamações agudas da pele ou dos nervos periféricos que foram afetados pela doença. Se a gente não trata corretamente essas reações, esse nervo vai perdendo a sua função e, gradativamente, o indivíduo vai aumentando a área de perda de sensibilidade”, alerta Paulo ao explicar que a diminuição da capacidade de defesa, pode fazer infecções secundárias e agravamentos. “Infelizmente, isso ainda é muito comum no Brasil e em áreas endêmicas para hanseníase”, pontua.

Ainda dentro das sequelas, uma outra possível consequência da doença é o mal perfurante plantar. “Uma úlcera muito profunda no pé que pode atingir o osso e fazer com que essas pessoas, às vezes, tenham o seu pé amputado pelo comprometimento intenso de toda área”, explica o médico sem deixar de valorizar que a hanseníase é uma doença multidisciplinar. “A enfermagem é muito importante. A fisioterapia é muito importante. A cirurgia corretora para recompor a função motora. Tem todo um conjunto de profissionais que vão cuidar”, conclui.

 

Edição: Gabriela Amorim