Entra ano e sai ano e os povos indígenas seguem em disputa pelo reconhecimento e demarcação de terras ancestrais por toda a Bahia. Em alguns territórios, como o Pataxó, no extremo sul do estado, a disputa é também pelo direito à vida. Nesta terça-feira (17), dois jovens da Terra Indígena (TI) Barra Velha, Samuel e Inauí Pataxó, foram assassinados próximo a uma área de retomada do território no município de Itabela.
Em nota, o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) lamentou o aumento da violência no território contra o povo Pataxó e destacou a urgência em demarcar os territórios indígenas na Bahia. “Samuel e Ianuí são mais duas vítimas dos interesses dos latifundiários, vítimas do agronegócio, vítimas da não demarcação de um território já reconhecido como tradicional e indígena”, afirma a nota do Mupoiba.
Nos últimos dias de 2022, em 27 de dezembro, uma outra aldeia da mesma TI, a Quero Ver, no município de Prado, havia sido invadida por homens armados. Na região, o clima é de medo e luto, mas desistir não é uma opção para a comunidade.
Na calada da noite
De acordo com Valzinho Pataxó, cacique da aldeia Quero Ver, na noite do dia 27 de dezembro, um grupo de homens armados e encapuzados invadiram a aldeia e se identificaram como policiais, mas não apresentaram documentação. Valzinho relata ameaças de expulsão e atos de violência física e psicológica por parte de pistoleiros e a mando de empresários locais.
“Estávamos andando dentro da aldeia, eu, três homens, algumas mulheres e crianças quando vimos uma Hilux branca e um outro carro de onde saiu um homem, passou por baixo da cerca e começou a atirar em nossa direção. Minha filha de 12 anos correu tanto que foi parar em um rio. Quando a encontramos, estava toda molhada, cheia de espinhos, tremendo e muito apavorada”, relembra Valzinho que tenta amparar a filha, mas também teme sobre o que ainda pode acontecer a ele e à comunidade.
A Terra Indígena de Barra Velha está situada no distrito de Corumbau, município de Prado, região de turismo e de muita especulação imobiliária. Valzinho Pataxó nos conta que está com a vida sob ameaça e que não sai mais da aldeia por medo de ter o mesmo fim de outros companheiros.
Ele explica que o conflito de agora tem as suas origens no passado e que essas ameaças acontecem desde 1970. A resistência Pataxó nesta localidade é para defender o seu território sagrado das agressões das forças econômicas que buscam de todas as formas invadir a Terra Indígena, já reconhecida pelo estado brasileiro.
“Nos anos 70 os nossos povos foram expulsos da aldeia Quero Ver por pistoleiros pagos por fazendeiros. Agora, nós viemos pegar nossa aldeia de volta”, declara Valzinho que diz só querer justiça e segurança para os povos pataxós, para as crianças e idosos indígenas. “Ter o direito de ir e vir sem medo de sermos mortos e de termos o mesmo fim de Gustavo Conceição, adolescente de 14 anos que foi assassinado”, declara. Gustavo foi assassinado em 12 de setembro de 2022, na TI Comexatibá, também em Prado.
Esperança
Apesar de um presente e passado marcados por violência tão extrema, o povo Pataxó tem mantido a esperança em dias melhores e na definitiva resolução desses conflitos. Uma das razões para alimentar a fé em novos tempos vem com o dia 11 de janeiro de 2023, dia que entra para a história com a posse da primeira Ministra Indígena do Brasil, Sônia Guajajara que passou a comandar o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas do Governo Lula.
É a primeira vez na história do país que o Brasil tem um Ministério exclusivo para representar e tratar de questões relacionadas aos interesses indígenas. Na Bahia, o governador Jerônimo Rodrigues, primeiro governador indígena do estado, também empossou a liderança Patrícia Pataxó na Superintendência de Políticas para Povos Indígenas na Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado da Bahia (Sepromi).
A espera por espaço de diálogo e políticas públicas que assegurem os direitos dos povos tradicionais aquece o coração de quem aposta em reparação e reconhecimento. "Nós, indígenas do Brasil, estamos todos confiantes na potência dessas guerreiras. Temos uma Ministra, Sônia Guajajara, temos uma presidente da FUNAI, a Joênia Wapichana, e temos também Patrícia Pataxó, na Superintendência do estado. Se a gente já é forte, agora, nós somos muito mais", declara o Cacique Valzinho Pataxó.
A união faz a luta
No último dia 14 de janeiro, os Conselhos de Caciques dos Territórios de Barra Velha, Coroa Vermelha e Comexatibá se reuniram para fazer alinhamentos e incluir novas lideranças no movimento. O propósito do encontro foi unir forças e unificar os Conselhos para resolução de conflitos nos territórios. "Um dos encaminhamentos da reunião foi a elaboração de documentos que já serão enviados para o Ministério dos Indígenas, para FUNAI e para Superintendência", comemora o Cacique.
O encontro reuniu além de lideranças indígenas, autoridades e integrantes da Polícia Militar da Bahia. "Os crimes de invasão de terras e agressões aos nossos povos foram denunciados com o pedido de participação da Polícia Federal para também atuar na área", declara o líder Pataxó que comemora os desdobramentos do encontro e diz que o próximo passo é assegurar a viagem a Brasília para definição sobre a demarcação dos territórios indígenas no Extremo Sul da Bahia.
Com 80% do território total já ocupado pelos indígenas Pataxó na Aldeia Quero Ver, através da autodemarcação, Valzinho Pataxó tem o sonho de recuperar os 20% restantes. Seu desejo é que isso se conclua e que a demarcação permita aos indígenas uma vida de paz. "O território Barra Velha tá em processo de demarcação. Já foi estudado e reconhecido como território indígena. Foi publicado no Diário Oficial da Bahia. Falta, agora, a assinatura da carta declaratória pelo Ministro da Justiça para finalizar a demarcação", enumera Valzinho na contagem regressiva por esse dia.
Edição: Gabriela Amorim