Cerca de 35 famílias do acampamento Ana Primavesi, no município de Conceição do Almeida (BA), estão em iminência de serem despejadas de suas casas com uso de violência policial. Prevista para esta segunda-feira (16), a reintegração de posse é a medida final de uma série de ameaças de despejo e intimidações às famílias acampadas, que vem acontecendo desde a ocupação da área em maio de 2021.
O espaço de cerca de 170 hectares estava sob administração da extinta Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrário (EBDA) e, posteriormente, da Secretaria de Administração do Estado da Bahia. O estado fez concessão de uso para o município de Conceição do Almeida, com o objetivo de estudar a viabilidade da implementação de um polo industrial. No entanto, a área encontrava-se abandonada há mais de 10 anos pelo poder público municipal e servindo para descarte de entulho e lixo do município.
A ocupação da área pelas famílias de trabalhadores e trabalhadoras sem terra representa a terceira ocupação nos últimos anos. Moradores da cidade e áreas adjacentes já haviam ocupado o local duas vezes antes da concessão de uso para o município. Na época, a prefeitura, com auxílio da polícia militar, despejou ilegalmente essas famílias, com relatos de agressões físicas e prisões ilegais.
Desde a ocupação, as famílias sem terra têm produzido alimentos sem a utilização de agrotóxicos e contribuído na manutenção das Áreas de Conservação Permanente do território. Joseane, 36 anos, mãe de dois filhos e moradora mais antiga do acampamento Ana Primavesi, considera o acampamento como fundamental para a subsistência de sua família e da comunidade de trabalhadores sem terra.
"Temos um barraco de lona. A gente planta e cria alguns animais. O acampamento pra mim e pras famílias que moram ali é fundamental, porque é de onde tiramos nosso sustento, é onde moramos, é nosso lar”, afirma Joseane. Ela conta ainda que tem criado galinhas, que produzem ovos, e servem pra alimentação da família, além de produzir hortaliças, cujo excedente é comercializado. “Pra nós é nossa vida que tá ali, nosso habitat natural. Sofia, minha filha, chegou novinha no acampamento e ela se adaptou de uma forma linda, ela ama a natureza, ama poder correr e viver aqui", completa.
O dirigente estadual do MST, Paulo César, afirma que a área que está sob perigo de reintegração é extensa e poderia ser dividida para garantir a permanência das famílias. A concessão de uso, a propósito, foi realizada pela prefeitura quando os acampados já estavam no território, aponta o dirigente. "Houve uma audiência de conciliação em que a prefeitura ofereceu cesta básica e auxílio moradia para a gente, mas não aceitamos. A cesta básica comeu, acabou, e a moradia, passando um período de 6 meses, o auxílio cessa, e as pessoas não vão ter onde morar", afirma Paulo César.
Seu Francisco, de 49 anos, destaca a potência produtiva que já vem acontecendo no acampamento. “A terra é muito importante para mim e para todas as famílias que estão acampadas; fomos ali para plantar, colher, sustentar nossas famílias e precisamos dela para sobreviver. Tem pessoas que criam animais ali, já construímos famílias ali dentro, moradia”, explica. Ele lembra ainda que o excedente da produção de todo o acampamento é comercializado na feira da cidade. “Mostrando que o povo do campo trabalha e alimenta a cidade”, diz.
Resistir na terra para essas famílias significa a conquista de dignidade, uma vez que muitas delas representavam as 33 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil. Embora a decisão do juiz da comarca de Conceição do Almeida vise a aquisição de cestas básicas e aluguel social por parte da prefeitura, até o momento o município não cumpriu tal decisão.
A fala de Seu Franscisco representa o sentimento dos mais de 100 trabalhadores e trabalhadoras rurais do acampamento Ana Primavesi em relação às negociações, "Nós não queremos um ano de aluguel e cesta básica, a gente quer viver da terra, plantar e morar. Temos quase dois anos ali dentro, vivendo debaixo de perseguição, não é fácil não – precisando de algo pra comer e indo produzir pro nosso sustento. Quero dizer pra minhas netas: ‘ó, seu avô tem um pedacinho de terra, vem aqui buscar um feijãozinho, uma abóbora’. Isso que é bonito, eu fico feliz quando eu levo da terra pra cidade", sintetiza com emoção.
Prejuízos imensuráveis
Segundo o advogado que acompanha as famílias, despejar os acampados acarretaria em prejuízos imensuráveis e violação de direitos humanos, uma vez que as famílias têm uma alta produção na área. Além disso, o município vem descumprindo a decisão de cadastrar as famílias nos programas sociais de garantia de cesta básica e aluguel social. “Seria uma decisão acertada do juiz da comarca de Conceição do Almeida ou do Tribunal de Justiça da Bahia a suspensão da liminar de reintegração de posse”, argumenta.
Tanto o advogado das famílias quanto o dirigente Estadual do MST acreditam que o caminho para a resolução deste conflito se dará por vias políticas, uma vez que a urgência é de não permitir que os direitos das famílias sejam violados. Para tanto, o governo do estado da Bahia precisa dialogar com o município e com o MST a fim de buscar uma solução, pois, considerando o tamanho da propriedade, é possível que as famílias se mantenham ali sem comprometer a viabilidade de outros projetos.
Com fala emocionada, Joseane também acredita que através de resoluções políticas ela e as outras famílias possam continuar na terra. “É muita tristeza esse despejo; com toda dificuldade que é hoje plantar, arranjar sementes... o que tínhamos a gente gastou na terra. E quando chegou essa ameaça a gente entrou em pânico porque ficamos sem saber o que fazer, se a gente ia conseguir colher nossa produção. Eu acredito que o governo, que tem propriedade da terra, tem que se sensibilizar com as famílias carentes que moram ali, que precisam, e que inclusive acreditaram nele [no atual governo] votando [nas eleições]''.