Bahia

Insegurança

Chuvas em São Félix, no Recôncavo da Bahia, deixa atingidos por barragens em estado de alerta

Moradoras contam como as recentes chuvas já geraram impactos maiores do que as do ano passado

|
Rosineide Santos em frente à casa da irmã, que foi atingida pelas chuvas deste ano em São Félix (BA) - Gabrielle Sodré / MAB

O cenário de catástrofe climática tem se tornado cada vez mais comum no cotidiano dos brasileiros. O mês de dezembro, que inaugura as festividades de fim de ano, e que antes encantava com as luzes de natal e os reencontros familiares, agora vem acompanhado do medo e angústia da perda da casa, dos bens e até mesmo da vida.

Em pleno Natal do ano de 2021, um intenso volume de chuvas atingiu os estados de Minas Gerais e Bahia, deixando centenas de cidades alagadas, milhares de pessoas desalojadas ou desabrigadas, além de incalculáveis danos materiais e sociais. Somado a isso, a abertura de comportas de barragens de acumulação de água e/ou geração de energia contribuiu para agravar esse cenário de tragédia. Nesse ano de 2022, o período de chuvas chegou mais cedo e igualmente intenso.

Rosineide Santos, moradora do município de São Félix, que fica à margem direita do Rio Paraguaçu, no Recôncavo Baiano, conta como a chuva invadiu a casa de sua irmã, localizada no bairro Varre Estrada.

“Eu estava em casa quando eu ouvi a gritaria. A rua estava toda tomada de água. Estava todo mundo tirando água de dentro das casas. Eu desci e fui ajudar. Fomos ligando pros moradores. Não teve casa aqui que a água não entrasse. Foi uma correria, um desespero no dia”, relembra.

Além do bairro Varre Estrada, outras localidades da cidade também sofreram com as chuvas, obrigando o município decretar estado de calamidade pública, conforme publicado em Diário Oficial do dia 02 de dezembro. Os moradores do bairro relatam que ficaram até de madrugada tentando retirar a água de dentro das casas e que, sem o mutirão, uma tragédia maior poderia ter acontecido.

“A casa fica junto da encosta e desabou aqui. Eu não ia abrir a porta, mas quando abri a água veio toda, com lama, com tudo, parecia uma cachoeira”, conta Rosineide.


Casa invadida pela lama e pela água da chuva no último dia 29 de novembro, em São Félix (BA) / Gabrielle Sodré / MAB

Além dos estados de Minas Gerais e Bahia, que já foram fortemente impactados pelas chuvas do ano passado, neste ano de 2022, o Rio de Janeiro (mais especificamente Petrópolis) e Santa Catarina, que tem sofrido com inundações desde a última semana, estão em estado de alerta por conta dos efeitos das mudança climáticas que têm intensificado o volume de chuvas de verão.

Vale ressaltar que o índice de desmatamento na Amazônia do ano de 2022 até setembro, chegou a 9.277 km² de área de floresta derrubada – pior marca da série histórica do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). Aliada ao desmatamento em outros biomas como o Cerrado, que cresceu 15% no último semestre, conforme dados do Sistema de Alerta de Desmatamentos do Cerrado (SAD-Cerrado), a situação agrava ainda mais o cenário das mudanças climáticas e da alteração do regime de chuvas.

Dona Verônica, conhecida como Mari, é moradora do bairro Varre Estrada desde pequena. Ela teve sua casa atingida pelas chuvas do final de ano de 2021 e precisou deixar a moradia por conta do comprometimento das estruturas. A casa foi novamente atingida esse ano e ela não tem perspectivas de retornar.

“Em 25 de dezembro de 2021 teve essa mesma chuva. Eu perdi minhas coisas tudo de dentro de casa. Perdi, limpei tudo de novo, deixei as coisas tudo pingando, mas dentro da casa não dava mais pra ficar, porque começou a rachar e eu tive que sair. Rachou a casa toda. Nesse ano, voltou tudo de novo: a mesma chuva e os mesmos danos. Até aqui no quarto veio água. As marcas estão todas aqui”, relata Verônica.


Moradores temem perder novamente seus pertences com as fortes chuvas / Gabrielle Sodré / MAB

Além das chuvas e do risco de desmoronamento, os moradores da cidade a também são ameaçados pelo risco de transbordamento do lago da Usina Hidrelétrica de Pedra do Cavalo, do Grupo Votorantim, que opera desde o ano de 2009 sem licença ambiental. A usina foi instalada no Rio Paraguaçu com a conivência do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia – INEMA, órgão responsável por monitorar e fiscalizar irregularidades em empreendimentos desse tipo.  

Leonice Souza, militante do MAB e moradora do município, conta que pescadores da região estão preocupados porque observaram que o nível do lago já está acima do habitual e a empresa ainda não começou a esvaziar gradativamente o reservatório para chegar a um nível seguro. A administração da Votorantim afirma que não há previsão para esvaziamento, mas que a empresa está realizando testes para avaliar se é necessário abrir as comportas.

“Acontece todo ano, geralmente em dezembro e janeiro. Eles só abrem as comportas quando lá já está no nível máximo. Aí é que eles abrem as comportas, mas enquanto eles puderem, seguram só abrindo as turbinas, que é o que gera energia”, afirma Leonice.

A Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec) divulgou, na última sexta-feira (2), que 6.802 pessoas estão desalojadas em 43 municípios afetados pelas chuvas, incluindo São Félix. Sem previsão de estiagem, o volume da barragem tende a aumentar. Isso deve resultar na repetição do cenário de 2021, quando as comportas foram abertas e um volume extraordinário de água foi liberado, causando o transbordamento do Rio Paraguaçu, com enchentes que invadiram casas dos bairros localizados na sua margem.