Foram muitas as notícias e homenagens que movimentaram as manchetes dos jornais e da TV desde o último dia 09, data da morte de Gal Costa. Pouco mais de 15 dias depois da sua partida, Gal ainda deixa um silêncio imenso no coração dos fãs e a certeza de um canto que ecoa para a eternidade.
A morte da cantora, compositora e multi-instrumentista foi recebida como uma porrada muito grande na vida de Carlos Barros, que é professor de história e também cantor.
“Desde o dia em que a senhora da minha voz se foi que eu tenho evitado cantar. Minha alma chora e chorará para sempre a sua ida”, disse ele em uma postagem nas redes sociais.
O silêncio, no entanto, deu passagem à força do projeto musical “Balance”, onde Carlos fez show ao lado de Gabriel Barros e Nelson Pena, na última quinta (24), na Varanda do Sesi, em Salvador. A apresentação, por enquanto, foi única e contou com diversos convidados, mas o projeto em si existe há quase cinco anos.
Bárbaros anos doces
Mestre em Ciências Sociais e autor do livro “Doces Bárbaros: um estudo sobre construções de identidades baianas”, fruto da pesquisa de mestrado, Carlos defende que o surgimento dos Doces Bárbaros representou para a época, a década de 70, mais que um movimento cultural. Ele explica que o grupo nasceu despretensioso com o objetivo de comemorar os 10 anos de presença de seus artistas no cenário nacional.
“Os Doces Bárbaros levaram para cena uma série de ressignificação de elementos identitários brasileiros e baianos, sobretudo. Unindo pontas entre tradições e modernidades que iam de Caymmi, universo do candomblé, guitarras elétricas, a estética do Rock, liberdade sexual, o movimento hippie, a cultura, a indústria cultural”, afirma.
Das singularidades mais evidentes de Gal, Carlos acredita que estão a afinação precisa, o canto absolutamente natural e coloquial. “Uma herança profunda que ela traz da Bossa Nova e, ao mesmo tempo, com essa técnica apurada que ela leva para o lugar que não era o lugar da cantora técnica no sentido estrito. Gal se permitia a perfeição dentro de uma imperfeição absolutamente fluida”, declara Carlos enebriado de boas memórias da artista.
Como cantor e também intérprete, Carlos explica sobre a sua inspiração. “Aprender a cantar uma canção a partir da interpretação de Gal Costa é aprender a cantar a canção na sucessão de nota por nota, de melodias, de entendimento de divisão. Essa performance dela é muito singular”.
Discos preferidos para chamar de seus
Carlos tem grande parte da discografia da artista e encontra dificuldade em eleger um único preferido. Por isso, no sentido literal da palavra, ele inicia a sua seleção com o disco “Plural”, de 1990. Gal se aventura nas raízes da sua Bahia, no samba reggae. “Ela gravou com o Olodum e com o Muzenza”, relembra Barros.
Nos anos 70 tem o disco “Um cantar”. Já o disco “Minha Voz”, dos anos 80, ele destaca pela beleza nos arranjos. “A entrega muito grande ao mercado da música, com uma qualidade excepcional. No disco tem a música Musa Cabocla, de Gil e Waly Salomão. Tem Azul, de Djavan e Minha voz, Minha Vida, de Caetano”.
Barros enumera as razões do seu gostar e explica que são discos muito diferentes entre si. Cada um com uma particularidade. “O disco Um cantar marca o surgimento dessa artista que passeou da bossa nova ao rock. Ela assenta e coloca a canção como o princípio fundamental do canto. Isso me chama atenção nesse trabalho”, destaca.
Carlos tem muitas outras indicações de discos preciosos que ele ouve e estuda na sua arte como profissional da voz, mas indica e recomenda ainda, o “Frevo Axé”, de 1999 e, em uma fase mais recente de Gal, o disco “Estratosférica”, de 2015. “Dentro deste disco ela assenta os arroubos criativos do recôncavo. O Recôncavo é radical e pop”, declara Barros.
Legados e Memórias
Para Carlos, o legado maior de Gal e de seus contemporâneos é fazer com que as novas gerações entendam o que é a canção brasileira. “Música com letra e letra para estabelecer nexos, conexões e comunicação a partir do texto”, declara.
Ele enumera que Gal como cantora, como persona e como artista deixa um grande e talvez o maior legado, a força que o feminino possui na música brasileira.
“Figuras como ela que foi emblema de tantas bandeiras: a do feminino em si. A do feminino livre sexualmente, a do feminino que transita entre as regionalidades e a universalidade dos contatos entre culturas. Esse feminino forte e profundo da música vai se manter aceso no legado de uma cantora como Gal Costa”, conclui.
Nos palcos, a ambição de Barros é dividir com o público tudo o que aprendeu, estudou e viveu assistindo e ouvindo a sua inspiração maior, Gal Costa. Para conhecer seus novos trabalhos, acompanhe o artista nas redes sociais.
Edição: Lorena Carneiro