O novembro negro acaba de chegar. É mês de luta e de debate sobre as pautas raciais, mas na lida de quem carrega e de quem vive na pele a negritude, essa luta não se encerra e nem começa neste mês da consciência negra. Essa batalha é existência inconformada e insubmissa. É ocupação de espaços e confirmação de caminhos.
Luana Souza é cria da cidade de Cachoeira, na Bahia. Jovem jornalista formada em comunicação social pela Universidade Federal do Recôncavo (UFRB), Luana tem apenas quatro anos de formada e uma trajetória que aponta muitas outras possibilidades de futuro. Mestre em cultura e sociedade e doutoranda em comunicação, em dois anos de atuação como apresentadora de TV, ela vem dando passos que consolidam a sua carreira de comunicadora.
Vencedora - por voto popular - do troféu mulher imprensa 2021 / 2022, na categoria revelação, o prêmio chegou em um momento muito especial na vida de Luana. Ela lembra que esse reconhecimento veio para mostrá-la que não vale a pena desistir no meio do caminho.
“Eu estava em uma fase de muitas dúvidas em relação aos meus objetivos profissionais. Com muitos questionamentos sobre o meu papel, hoje, na televisão baiana. Receber o prêmio foi como uma resposta do público. Um pedido de não desista por mim e por nós”, ressalta.
A emoção desse dia ainda habita em Luana que considera o prêmio um divisor de águas para o lugar que ela ocupa atualmente na comunicação. Com experiência em muitas frentes, ela trabalhou como redatora, repórter de programa de rádio, assessora de comunicação e de imprensa.
“Eu nunca me vi apresentando um programa de TV. Tampouco trabalhando em uma emissora porque desde cedo nos ensinam que tem um padrão pra ocupar esse lugar”, declara Luana que ao mesmo tempo em que reconhece o racismo estrutural que – por vezes – limita e interdita os sonhos e as possibilidades de trabalho de uma mulher negra, também comemora a ocupação de um novo imaginário estético para a televisão.
“Que bom poder experimentar o oposto e mostrar a outras meninas e mulheres negras que estão mudando essa ideia hegemônica e que nos invisibilizou por tantas décadas”, afirma Luana com otimismo.
Solidão afetiva
De família grande e diversa, as ausências materna e paterna influenciaram muito no percurso afetivo de Luana. “Eu me sentia muito sozinha, indigna do amor alheio por isso acabei me jogando no mundo na perspectiva de mudar a realidade”, relembra Luana.
Luana nos conta que as mulheres de sua família possuem repertórios de vida muito distintos. Existem mulheres que vivem relacionamentos marcados por violência doméstica. Outras que criaram os seus filhos sozinhas. E mulheres com casamentos bem-sucedidos e duradouros também. Da inquietação sobre as experiencias que mulheres negras compartilham enquanto coletivo, nasceu o livro reportagem que é fruto do seu trabalho de conclusão de curso da graduação.
Autora do livro “Na Contramão do Afeto: Histórias e Trajetórias Afetivas de Mulheres Negras”, Luana Souza ergue a sua voz e outras vozes. O livro destaca o racismo em cruzamento com as desigualdades de gênero para demonstrar como os marcadores heteronormativos e patriarcais impactam nas relações de afeto constituídas por mulheres negras.
“A partir das cinco histórias contadas, sendo que a minha própria história também faz parte dessa narrativa, independente da classe social, dos acessos sociais, das trajetórias, mulheres negras vão ser sempre mulheres negras”, declara Luana ao explicar como as relações dessas mulheres serão sempre estruturadas pelo racismo.
“Isso significa que antes do seu currículo, do seu título e da sua função, a cor da sua pele é que define a forma como a sociedade vai lhe tratar. As mulheres negras que estão no meu livro compartilham experiências de violências domésticas e sexuais, desigualdades no mercado de trabalho. Experiências que tem como consequência a solidão. E a solidão, por sua vez, perpassa pela solidão conjugal”.
Amor preto é a revolução
Luana reconhece que historicamente os homens negros quando ascendem socialmente, tendem a se relacionar com mulheres brancas, mas ela afirma que o entendimento da desestruturação afetiva familiar que foi imposta no período escravagista quando separaram famílias negras forçadamente tem mobilizado discussões em torno dos relacionamentos entre negros e, principalmente, tem reformulado o nosso entendimento sobre afeto.
“Eu penso que o amor preto é sim um ato revolucionário porque ele é uma das principais ferramentas de combate ao racismo. Se amamos o outro ou a outra que tem a mesma cor que também carregamos no corpo, a gente está amando a nós mesmos. E é a partir desse afeto que conseguimos restituir as nossas humanidades”.
Edição: Lorena Carneiro