A legislação eleitoral brasileira prevê que candidatos e candidatas tenham espaços isonômicos de exposição nas mídias, pelo menos nas concessões públicas de rádio e televisão. No entanto, a realidade não é bem essa. É o que aponta o projeto “Mídia sem violações de Direitos” com o levantamento Donos da Mídia, realizado a cada ano eleitoral pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação.
Em 2022, a pesquisa identificou, no primeiro turno, 128 candidatos e candidatas donos de Rádio, TVs, apresentadores, repórteres, comentaristas e fontes policialescas, além de influenciadores e influenciadoras digitais. Desse montante, 46 candidatos foram eleitos em partidos conservadores e com campanhas que usaram e abusaram da desinformação e do discurso de ódio.
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Donos da mídia na Bahia
Na Bahia, o levantamento do Intervozes apontou dois deputados federais eleitos que são donos de mídia, Gabriel Nunes (PSD) e Leur Lomanto Júnior (União Brasil), ambos proprietários de rádios nos municípios de suas bases eleitorais. Leur Lomanto Junior é um caso emblemático: deputado reeleito, ele já teve o mandato anterior questionado em ação movida no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com o apoio do Intervozes. A ação visa fazer cumprir o artigo 54 da Constituição Federal que proíbe a posse de deputados federais eleitos que sejam proprietários de mídia. Já Gabriel Nunes é integrante de uma família de radiodifusores que historicamente se utilizam da mídia como trampolim eleitoral.
Além deles, foram eleitos os deputados estaduais Rogério Andrade (MDB) e Euclides Nunes Fernandes (PT). Outro caso de destaque é a chapa Donos da Mídia, composta por ACM Neto (União Brasil), cuja família é o proprietário legal da Rede Bahia de Televisão, e Ana Coelho (Republicanos), CEO da TV Aratu, que concorrem ao segundo turno contra Jerônimo Rodrigues (PT).
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Inclusive, ao recusar a participação no debate na TV Aratu, o candidato Jerônimo justificou em suas redes sociais que a emissora “tem lado”. “Decidimos não participar. Por um motivo simples: respeito ao nosso eleitorado e não ser conivente com essa parcialidade”, afirmou em nota.
A afiliada do SBT pertence a Silvio Roberto Coelho, pai de Ana Coelho, empresário ligado ao agronegócio que também já fez parte da Lista Suja do trabalho escravo no Brasil. Em 2011, o Ministério do Trabalho autuou uma de suas fazendas por manter 22 trabalhadores em situação análoga à escravidão. Já a Rede Bahia, de propriedade da família Magalhães, é responsável por seis emissoras de TV que atingem boa parte do estado. Durante o primeiro turno, a TV Bahia também foi denunciada por ser proprietária do site de ACM Neto. A empresa admitiu ter registrado o site, mas afirma não gerir seu conteúdo atual.
Concentração de riqueza
A chapa “Donos da Mídia”, de ACM Neto e Ana Coelho, também pode ser considerada uma chapa milionária. Juntos, os candidatos declararam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mais de R$ 68 milhões em bens, patrimônio superior à soma dos bens de todos os demais candidatos ao governo do estado no primeiro turno. Metade dessa fortuna vem justamente da atividade como proprietários de mídia. Segundo levantamento do jornal A Tarde, o patrimônio de ACM Neto, por exemplo, cresceu 5.000% em 15 anos, período em que exerceu, exclusivamente, cargos públicos. O candidato passou de um patrimônio de R$ 820.561,15 nas eleições de 2006, para R$ 41,7 milhões em 2022.
Tâmara Terso, coordenadora do levantamento e integrante do conselho diretor do Intervozes, aponta as distorções causadas por essa realidade no sistema eleitoral. “Pra nós é extremamente ruim, é insalubre pra democracia brasileira que se tenha políticos que também concentrem poder através das comunicações. As comunicações têm o intuito de ampliar o debate público, promover a participação cidadã da população nas questões políticas e ampliar questões relacionadas ao acesso à construção do conhecimento, dos acontecimentos e dos dados. Quando a gente tem políticos que são donos dessas mídias e, por isso, concentram poder, todo o debate publico é inviabilizado”, afirma.
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Nesse ano eleitoral, o coletivo Intervozes destaca o grande número de candidatos e candidatas milionários e defensores de uma agenda conservadora em consonância com a pauta política do atual presidente e candidato a reeleição, Jair Bolsonaro (PL). Outro destaque são as candidaturas de influenciadores digitais. Embora esse seguimento não seja dono de veículos, também têm uma capacidade de exposição desproporcional em relação aos demais candidatos, o que gera uma distorção no sistema eleitoral, uma vez que seus perfis e a sua capacidade de gerar engajamento supera as candidaturas tradicionais e mantêm uma relação de monetização com as plataformas digitais ainda não problematizada pelo sistema eleitoral.
Conflito de interesses
Tâmara explica que a Constituição brasileira proíbe que donos de concessões públicas, ou seja, rádios e TVs, exerçam cargos públicos como deputados federais e senadores, pois as concessões são aprovadas no Congresso Nacional e representam o nítido conflito de interesses.
“E o que a gente faz na pesquisa dos Donos da Mídia é elucidar esses casos, identificar quem são esses candidatos e também, junto ao sistema de Justiça, travar uma luta para que esses casos não aconteçam. A gente teve algumas poucas vitórias. É importante destacar o caso do deputado Baleia Rossi que teve suas outorgas de rádio canceladas em São Paulo por ser deputado”, conta a pesquisadora.
Durante o lançamento do Donos da Mídia 2022, o procurador da República na Paraíba José Godoy afirmou que a presença dos políticos donos da mídia no processo eleitoral geram uma perda de legitimidade do processo democrático.
"São políticos que impõem sua pauta perante à sociedade com o poder econômico e a concentração de poder na mídia. É preciso pensar uma regra eleitoral que crie uma moratória para apresentadores de TV que são candidatos e ter uma lei de regulação das comunicações que reduza as distorções causadas pela concentração das propriedades de mídia”, enfatizou Godoy.
O Intervozes aponta ainda que os políticos donos da mídia têm uma capacidade de chegar a mais pessoas durante todo o ano e não apenas no período de campanha eleitoral. Os donos da mídia têm, assim, espaço de exposição da sua agenda nos veículos de comunicação, e os temas pautados por seus seguimentos inibem o acesso à variedade de demandas sociais, excluídas da cobertura jornalística das emissoras comandadas por grupos políticos.
Edição: Lorena Carneiro