Estamos a poucos dias do segundo turno de uma das eleições mais delicadas da história pública brasileira. Mesmo após o presidente da república, candidato à reeleição, despejar bilhões de reais numa tentativa súbita de comprar votos, coisa que fez com disparos em massa de mensagens falsas em 2018, ele não consegue 3% a mais para superar o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Um dito muito comum na filosofia política eurocêntrica é o que abre o 18 de Brumário de Luís Bonaparte, obra prima do filósofo alemão branco Karl Marx, onde Marx cita a famosa frase que resume seu pensamento político, de que a história sempre se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa. Em 2018 todos as autoridades da república assistiram atônitas ao então candidato Jair Bolsonaro que, em 27 anos, defendeu milícias e esquadrões da morte e torturadores da ditadura, ganhar uma eleição com uma fraude já bem conhecida dos saberes populares, mas que ali ganhava um termo em inglês, fake news. Ninguém fez nada. Nenhum limite constitucional foi usado e aquele candidato feroz e paladino contra a corrupção foi eleito numa das mais trágicas páginas da história brasileira. Uma tragédia.
Agora em 2022 a história tenta se repetir. Bolsonaro continua com o disparo em massa de notícias falsas e, embora o êxito da grande mídia em apresentar uma checagem do que se posta nas redes, isso não é usado no horário nobre da TV ou ainda não chega a todas as pessoas de uma forma mais rápido. Falta mais uma vez empenho das autoridades e da sociedade civil. Pior. Eis a farsa. O governo Bolsonaro, que passou 4 anos tolhendo esforços para combater a pobreza extrema no país, que acabou com programas sociais relevantes, resolve, numa tacada, despejar 21 bilhões de reais às vésperas da eleição. Usando a máquina do Estado ao extremo, o que ele conseguiu até agora foi aumentar 1% entre os eleitores.
Embora o dito popular da filosofia europeia sirva, é o saber popular, especial o afro-indígena, o caminho que vai derrotar Bolsonaro. Em 2018 foi entre essas populações que ele teve mais rejeição. “Nunca vi orelha passar cabeça”, diriam nossas mães pretas em referência à tentativa desse governo de ludibriar milhões de pessoas com uma verba federal gigante usada para esse esquema dele de tentar comprar as pessoas num clientelismo súbito às vésperas da eleição. A orelha da metáfora é o bolsonarismo autoritário, que lembra os séculos de servidão do povo brasileiro. A cabeça é a soberania popular.
Um amanhã se desenha, com ou sem 21 bilhões em tentativa vexatória de compra de votos às pressas e com ou sem disparo de mentiras vexaminosas distribuídas ao léu. Com isso, são as autoridades que precisam se vacinar contra o bolsonarismo, que deve sobreviver aos gritos nas assembleias legislativas, câmaras, senado e quartéis.
*Gabriel Nascimento é linguista e escritor. Doutor em Estudos linguísticos pela USP, é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia, e autor, entre outros livros, de Racismo linguístico: os subterrâneos da linguagem e do racismo (Editora Letramento).
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Lorena Carneiro