A proximidade do segundo turno das eleições têm acirrado ainda mais as disputas políticas e colocado luz às diferenças de projetos entre os candidatos a governo e presidência na Bahia no Brasil. Para analisar os diferentes rumos que estão apontados para a sociedade com o resultado das urnas, conversamos com a pedagoga e ativista negra Benilda Brito.
Mestra em Gestão Social e ativista pela educação do Fundo Malala, Benilda tem uma trajetória marcada pela luta antirracista e em defesa dos Direitos Humanos. Em entrevista para o Brasil de Fato Bahia, Benilda faz uma análise da atual conjuntura, pontua o que pensa do primeiro turno das eleições e fala de expectativas para o futuro e para o próximo dia 30, data em que os brasileiros vão novamente às urnas para votar e eleger as suas representações.
Leia também: Conheça as propostas dos candidatos ao governo da Bahia para a população negra
Brasil de Fato Bahia: O primeiro turno das eleições presidenciais no último dia 02 de outubro nos aponta um Brasil dividido em desejos de projetos políticos muito diferenciados. O resultado das urnas nos confirma esses lados e nos permite observar os anseios e as expectativas do sudeste e sul do país, com maior adesão ao candidato Jair Bolsonaro e do outro lado do Brasil, o nordeste fazendo um grande diferencial no apoio e na vantagem de votação obtida pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Você já esperava por essa realidade ou o resultado te surpreendeu?
Benilda Brito: Não tem como não ficar surpreso com o resultado dessas eleições. O que surpreendeu não foi o Lula ir para o segundo turno. O candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que é o meu candidato, inclusive. Surpreendeu foi a votação expressiva que um governo separatista, um governo que incentiva o ódio, a violência, um governo que se omite diante dos pobres. Se omite, não, porque a omissão não é partido é posicionamento político. Um governo que se silenciou diante da Covid, com tantas mortes, riu das pessoas. Governo machista, racista, LGBTQIfóbico, então não tem como a gente não se assustar com a votação expressiva que esse desgoverno teve nesse período. Muito triste para gente viver essa realidade. Principalmente, porque eu – particularmente – sou uma mulher preta, eu sou lésbica, eu sou negra, eu sou de axé, sou mãe, avó, eu sou pobre. Então, eu sei o quanto que recai um tipo de política dessa voltada para uma necropolítica que legitima esse extermínio.
Leia também: "Não podemos subestimar a força do carlismo e do bolsonarismo no 2º turno", diz Thays Carvalho
Que análise é possível fazer da conjuntura política brasileira a partir desses números tão expressivos e, ao mesmo tempo, tão antagônicos em propostas, projetos e perspectivas?
Definitivamente, a gente precisa radicalizar o conceito de democracia. Não dá mais para gente agir dessa forma. Democracia exige que você perceba no outro o seu semelhante. A gente precisa vencer o racismo, o patriarcado. Eu costumo falar que o racismo são racismos. Não é no singular porque são vários os racismos que manifestam violência. Seja o racismo religioso, o racismo escolar, o institucional. Então, sobre nós negros, mulheres, pobres, recai uma carga muito grande, muito expressiva e muito violenta que é o racismo. Radicalizar a democracia é isso.
Eu costumo falar que o racismo são racismos. Não é no singular porque são vários os racismos que manifestam violência
Eu acho que a gente conseguiu eleger pessoas cis, pessoas trans, eleger mulheres indígenas e negras, mas isso só aponta para o acirramento da violência se nós não tivermos um governo comprometido com essas identidades. Eu acho que a gente está em um momento muito difícil. Esse é um divisor de águas. Quem não se posiciona contra o racismo, está se posicionando a favor dele. Se a gente tem um governo que diz para que veio, como é o governo fascista como este que a gente tá vivendo, hoje, se a gente não se posicionar nessas eleições eu não sei o que vai acontecer com a gente. Eu estou, sinceramente, muito preocupada. É o aumento da violência doméstica, é o aumento do genocídio da juventude negra, é o aumento da fome e do desemprego, é o aumento – principalmente – da desesperança. As pessoas não acreditam mais que é possível viver em uma sociedade igualitária por isso que não dá mais. É preciso a gente se posicionar com seriedade, responsabilidade e coletividade.
Leia também: Eleição na Bahia aponta acertos do PT no governo e Congresso, avalia cientista político
O que é possível dizer sobre a sociedade brasileira a partir das escolhas feitas nas urnas? Nos últimos quatro anos, podemos afirmar que a população do Brasil se tornou mais reacionária? Ela sempre existiu?
A realidade é que esse país sempre legitimou a escravidão, sempre legitimou a violência. Está escancarada uma hierarquia que é branca e é católica, que é masculina, que é cis, então que tipo de sociedade as pessoas permitem e o que não permitem? A gente está em um divisor de águas. É importante perceber isso. É um momento de muita luta ainda e de muita angústia. Eu estou aqui catando os cacos para alimentar esperança, mas acredito que a gente vai ter dias melhores.
A realidade é que esse país sempre legitimou a escravidão, sempre legitimou a violência
O Senado e os deputados no âmbito estadual e federal já foram definidos. Em alguns estados, os governos também já foram eleitos. Há alguma mudança expressiva nessa ocupação de poder? Quem é a maioria que vai nos representar pelos próximos quatro anos na política? Essa maioria, de fato, nos representa?
O senado e os deputados nos âmbitos estadual e federal já foram eleitos e a gente já viu aí o quadro. Para mim, não teve nenhuma novidade. A grande maioria é de pessoas brancas. A grande maioria de homens. A grande maioria está repetindo mandatos, o que inova pouco nesse campo. Eu acho que os poucos e poucas e pouques que conseguiram entrar, agora, vão ter uma responsabilidade e um desafio imensos que é o de representatividade. Eu acho que se a gente não conseguir fortalecer, agora, o governo federal, a gente vai ter uma derrota daquelas. Serão perseguidos e ameaçados mais ainda do que têm sido.
Então, eu acho que não teve novidade. O Brasil é o país de maior população negra, depois da Nigéria, na África. É impensável porque nós somos uma pequena minoria e sem acesso a recursos. A gente viu o que foi essa campanha. De novo usaram “fake News”, de novo pessoas não negras se autodeclarando que eram para terem acesso aos recursos de campanha para uma identidade que eles não representam e nunca representaram, para se beneficiarem de novo do povo negro.
Leia também: Confira a lista dos deputados estaduais e federais eleitos pela Bahia
Eu aprendi com Bell Hooks, uma escritora negra, que a gente precisa esperançar. A gente precisa alimentar esperança. Eu tenho feito isso todos os dias. Porque quando eu olho para o meu neto que é um menino preto, quando eu olho para os meus filhos, para os filhos dos meus filhos, as minhas amigas, os meus parentes todos, as minhas vizinhas todas, o meu povo preto, eu acho que temos que ter esperança. Esperança de vida. Esperança de ter uma escola decente. Uma política pública focalizada. Esperança de implantação de ações afirmativas. E só quem já viveu fome, só quem já sofreu racismo é que tem a sensibilidade para escrever uma política que possa erradicar desigualdades.
Só quem já viveu fome, só quem já sofreu racismo é que tem a sensibilidade para escrever uma política que possa erradicar desigualdade
A história e os rumos do Brasil serão definidos nas urnas, no próximo dia 30. O que esperar das lutas feministas e das pautas negras a partir desse tão esperado resultado? Já dá para prever algum horizonte?
Dia 30 é para nós um divisor de águas. As mulheres dos movimentos feministas já se posicionaram sobre o fim do patriarcado e do machismo. A população negra tem denunciado historicamente o racismo. Comunidades indígenas têm se manifestado e tem eleito suas representações também. Eu acho que tudo isso é muito significativo, mas eu vislumbro um cenário de muitos desafios. É o que a gente vai viver aí.
Por outro lado, a gente não pode também jogar fora a água e a bacia com a criança dentro. Eu acho que o aumento da identidade negra é muito significativo e expressivo, a coragem de assumir as identidades e se mostrar um país diverso é muito importante, criar um país que seja um espaço seguro como os quilombos e para todo tipo de identidade. A gente tem buscado arduamente fazer isso.
Contra nós tem um monstro com uma máquina muito poderosa. Que silencia e compra voto. Tem tanta gente com fome. Compra voto por cesta básica. Tanta gente sem emprego, compra voto por subemprego, mas eu acredito nessa juventude que está chegando aí. Eu acredito “nessa rapaziada que segue em frente segura o rojão”. O Lula para mim significa uma possibilidade de democracia. Eu não vou nem dizer que a gente já experimentou a democracia, eu não acredito porque o racismo prevalece. Mas eu acho que essa rapaziada que está chegando aí vem com muita força para a gente aquilombar de novo. Estou na fé. Vamos lá. Que oxalá nos ouça.
Edição: Lorena Carneiro