O resultado das urnas nesse primeiro turno das eleições expressou a complexidade do cenário brasileiro atual. Se, de um lado, a extrema-direita ganhou projeção na Câmara Federal, por outro, a esquerda conseguiu avanços importantes, tanto nos cargos legislativos quanto executivos. Para entender melhor esse panorama e os desafios para o segundo turno do processo eleitoral, entrevistamos Thays Carvalho, Direção Nacional do Movimento Brasil Popular. Thays traz uma balanço das eleições presidenciais e também analisa a situação da Bahia, onde o segundo turno para o governo também coloca em disputa dois projetos antagônicos.
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Brasil de Fato Bahia: Thays, a gente segue agora para um segundo turno nas eleições para presidente. Muita gente está ainda se sentindo dividida entre a constatação da força do bolsonarismo/fascismo no país e a esperança por ver a maioria votar contra esse projeto. Qual a sua análise desse cenário?
Thays Carvalho: Para fazermos um balanço político do que foram as eleições no Brasil, no último domingo, dia 02 de outubro, é preciso que consideremos que ela é resultante de múltiplos fatores e, portanto, a gente precisa ir além da fotografia do resultado eleitoral para analisarmos de forma mais profunda o que esses números revelam da sociedade brasileira e da correlação de forças na sociedade. Então, o primeiro aspecto importante de nós considerarmos é que essa eleição se situa num contexto histórico de crise profunda, com repercussões internacionais, dimensões econômicas, políticas, sociais, ambientais. E, em particular, no Brasil, ela se manifestou com um golpe de Estado que retirou da presidência da República uma presidenta legitimamente eleita, a presidenta Dilma Rousseff. Além do golpe de Estado, houve um processo de perseguição política, jurídica, que culminou, inclusive, com a prisão do presidente Lula, a restauração do neoliberalismo no Brasil e a ascensão de uma força de extrema direita. Isso gerou um quadro de defensiva profunda para as forças populares e de esquerda.
Nesses seis anos, desde o golpe até as eleições atuais, seguimos num quadro de uma correlação de forças desfavorável, mas que com a retomada dos direitos políticos de Lula, com o desgaste do governo Bolsonaro, em especial agora com a forma como ele se comportou no processo da pandemia, isso gerou uma certa reversão desse quadro — não total, mas uma reversão parcial — que permitiu a esquerda se colocar numa ofensiva tática em que pudemos ter como candidato o presidente Lula. Desde o princípio, ele aparece no primeiro lugar nas pesquisas, e a votação no último domingo foi bastante expressiva: quase 58 milhões de votos! A maior votação no primeiro turno na história do Brasil. Então, é um feito extraordinário, dado esse retrato recente.
Mas, para além dessa compreensão de que houve uma retomada da capacidade de intervenção na realidade das forças populares, o mesmo processo eleitoral revela uma outra face dessa realidade, que é a consolidação no Brasil de uma força neofascista. Acho que esse é o elemento que nos surpreendeu, em certa medida, no resultado eleitoral. De onde vieram, então, esses votos a mais no Bolsonaro, que não foram captados nas pesquisas pré-eleitorais? Um pouco no calor das eleições ainda, fazendo balanços e análises, mas o que nos parecem ser os dois elementos explicativos dessa votação maior do Bolsonaro. De um lado, vieram da dita terceira via - as próprias pesquisas estavam captando uma intenção de voto superior pros candidatos ditos da terceira via, Ciro Gomes, Simone Tebet, Soraya Tronicke. E, nas vésperas das eleições, o bolsonarismo soube capilarizar parte desses votos e desidratar a terceira via. E de um outro lado, possivelmente, esses votos vieram dos brancos e nulos.
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No Congresso Nacional, ao mesmo tempo que vimos muitas reeleições de figuras que sempre estiveram por ali, chegam novas representações ainda que timidamente, como a Bancada do Cocar, por exemplo, formada por três mulheres indígenas. Como que a gente pode entender essa nova correlação de forças? E o que isso significa para o próximo presidente eleito?
A eleição proporcional, para deputados e senadores, confirma essa análise geral. De um lado, nós temos um aumento da bancada progressista, de esquerda, com PT, PSOL, PV e PCdoB ampliando as suas bancadas, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do ponto de vista qualitativo, no sentido de ampliar a diversidade e a representatividade. Tivemos a eleição de parlamentares importantes: trans, mulheres, negros e negras, indígenas. E de outro lado, nós temos um aumento bastante expressivo da extrema direita. Foram eleitos 99 deputados federais pelo Partido Liberal, partido do Bolsonaro. E esses números também se manifestaram no Senado, com o aumento da bancada do PL, com oito a mais do que a bancada atual, totalizando 15 senadores, enquanto a esquerda e as forças progressistas também tiveram um aumento, mas em uma proporção menor.
Isso revela que a maior derrota desse processo eleitoral é da direita tradicional, que foi substituída pela extrema direita. Para termos uma ideia, em termos de números, a governabilidade hoje no Congresso, a gente tem 122 parlamentares eleitos vinculados a coligação Brasil da Esperança, do presidente Lula. Nós temos uma bancada de 187 deputados federais vinculados ao Bolsonaro e aos partidos que o apoiam. E 204 deputados “independentes”, que integram o Centrão. Então, é uma governabilidade complexa, difícil pro presidente Lula sendo eleito. O que coloca um desafio de diálogo, de constituir uma coalizão democrática, que aglutine uma frente ampla contra o fascismo.
Mas essa governabilidade não pode se dar exclusivamente no Congresso Nacional. Então, um futuro governo Lula, além da governabilidade institucional, no Congresso Nacional, vai ter que constituir uma governabilidade popular, na sociedade, ampliando os vínculos com as massas e convocando o povo brasileiro a participar ativamente da política, além do processo eleitoral. Para a gente conseguir construir uma força social necessária que enfrente o neofascismo.
A maior derrota desse processo eleitoral é da direita tradicional, que foi substituída pela extrema direita
Em relação à Bahia, como que a gente pode entender o cenário estadual com esse segundo turno entre a oligarquia carlista e a possibilidade de um novo governo petista?
O significado político das eleições na Bahia ultrapassa o próprio estado, porque tem um impacto do ponto de vista nacional muito grande. A Bahia é o maior colégio eleitoral do nordeste e é o quarto maior colégio eleitoral do Brasil. E essa maioria política que se construiu em torno desse projeto progressista, democrático, comprometido com as demandas populares, que está expresso na candidatura Lula e Jerônimo, teve uma expressão significativa no estado da Bahia. Lula venceu em praticamente todas as cidades da Bahia — dos 417 municípios, apenas dois deram vitória a Bolsonaro. Nos demais, a gente teve uma votação bastante expressiva em Lula, chegando a quase 70% dos votos, o que é bastante importante, considerando a batalha principal que está em jogo nessas eleições que é no enfrentamento ao neofascismo.
Um futuro governo Lula, além da governabilidade institucional, vai ter que constituir uma governabilidade popular, na sociedade
Então, tem esse impacto do ponto de vista nacional. E do ponto de vista estadual, essa maioria política também cria condições para derrotar politicamente o que resta do carlismo na Bahia. Então ela tem um sentido bastante estratégico. Passados esses 16 anos de governo do PT, o governo Jerônimo também tem muitos desafios pra aprofundar essas experiências petistas. Tem muitos temas e desafios que estão colocados para esse novo governo, seja do ponto de vista econômico, na segurança pública, na educação e nos serviços públicos de modo geral. De modo que tem um debate programático a ser feito agora durante as eleições e no pós, confirmada a maioria política e a eleição Jerônimo Rodrigues de como aprofundar as experiências do PT na Bahia. Mas, por ora, não existe batalha vencida antes dos 45 do segundo tempo. Não podemos subestimar a força do carlismo, nem a força do bolsonarismo nesse segundo turno.
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E a assembleia legislativa do estado? Como avalia essa nova configuração?
Nesse cenário de uma maioria política em torno desse projeto progressista e democrático, encarnado na Bahia pela candidatura de Jerônimo, a Assembleia Legislativa na Bahia até apresentou uma certa renovação, algo em torno de 40%. Mas essa renovação se deu mais no campo da direita. Não com a mesma expressão que em nível federal, mas na Bahia também houve um certo avanço da extrema direita, de candidaturas vinculadas ao Partido Liberal, partido do Bolsonaro. Então, renovação se deu mais em torno da representação política da direita, do que na esquerda.
Embora essa renovação tenha acontecido, ela não alterou a relação de forças na Assembleia Legislativa da Bahia. Mas é importante que a gente fique atento com essa presença da extrema direita na Bahia, que, como a gente vem afirmando aqui, é um elemento novo no quadro político nacional e que merece o máximo de atenção para que a extrema direita não cresça no estado.
Edição: Lorena Carneiro